Mostrando postagens com marcador Graça e Paz. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Graça e Paz. Mostrar todas as postagens

sábado, 10 de fevereiro de 1996

Cantando para Deus e o mundo

Os músicos profissionais evangélicos
que vivem entre a fé e a fama

Por Carlos Fernandes

Fotos: Frederico Mendes

Em pé no palco e outro no Mahar. Assim pode ser definida a vida dos cantores e músicos evangélicos que têm carreira profissional paralela às suas atividades religiosas. Muitas vezes incompreendidos em suas igrejas e comunidades cristãs, esses artistas têm que administrar a difícil tarefa de exercer sua profissão - às vezes, como único meio de subsistência - e sentir-se em condições espirituais para louvar a Deus com seu talento. Na verdade, a questão pode ser resumida da seguinte maneira: é possível alcançar a fama sem perder o caminho do céu?

De um modo geral, as igrejas evangélicas são consideradas boas escolas de música. Cânticos e louvores fazem parte da rotina dos cultos, e todos os participantes, de uma maneira ou de outra, são estimulados a soltar a voz. Há uma infinidade de corais, conjuntos e cantores. Os crentes, decididamente, gostam de cantar e apreciam aqueles que fazem da música um intrumento de louvor a Deus. Mas muitos deles torcem o nariz quando um músico cristão começa a cantar fora da igreja. E se algum evangélico tiver a ousadia de ser profissional da música e atuar em boates, bailes ou shows, corre o risco de tornar-se um proscrito e enfrentar a incompreensão dos irmãos de fé. Neste caso, não há harmonia que resista: a desafinação de idéias é completa.

Graça e Paz (ao lado) defende
parcerias com artistas seculares

Mas como pode o músico evangélico desenvolver a carreira profissional sem comprometer sua fé? Ele pode ter sua platéia e estar sob a luz dos holofotes ou deve contentar-se com as congregações e fazer dos templos o seu único local de atuação? Hélio Delmiro, consagrado como um dos melhores violonistas do mundo, experimentou esta polêmica em sua vida. Com 34 anos de carreira e tendo em seu currículo trabalhos com monstros sagrados da MPB, como Gal Costa, Milton Nascimento e Clara Nunes, além de já ter-se apresentado em palcos de todo o mundo, conta que, quando se converteu, foi estimulado a abandonar tudo e dedicar-se apenas às atividades da igreja. Somente depois de algum tempo percebeu que poderia encontrar o equilíbrio entre- a vida cristã e a carreira, e hoje acha que é possível conciliar as duas. "Existe muita incompreensão com relação ao músico nas igrejas. Todos os crentes podem exercer suas profissões -médicos, engenheiros, advogados - e são até admirados. Mas nós enfrentamos essa oposição", reclama Delmiro. Ele admite, no entanto, que é preciso ser muito seletivo na escolha de lugares onde tocar. "Eu, por exemplo, não me apresento em ambientes lascivos, que possam comprometer minha moral cristã", relata o instrumentista, que também é pastor, para, em seguida, advertir que "é preciso andar sobre o fio da navalha".

Bomilcar acha que o cristão conquista
credibilidade a partir da qualidade

IDÉIAS REVOLUCIONÁRIAS - O cantor, produtor e comunicador Paulo Cesar Graça e Paz, de 44 anos, membro da Igreja Metodista, tem uma postura liberal sobre o assunto. Na sua opinião, é muito bom que o músico evangélico penetre em todos os espaços, de todas as maneiras possíveis, para levar a mensagem de Jesus. Ele vai mais além, e defende que os cantores evangélicos façam até mesmo parcerias com os cantores da MPB, como Ivan Lins e Djavan. "O Paulo Massadas, um compositor conhecidíssimo, fez uma música para mim falando sobre a vida. Para o meu próximo disco, estou buscando parcerias deste tipo. Devemos nos aproximar desses artistas, gravar coisas deles", acrescenta. Ele já gravou cinco discos, e em todos inclui músicas de compositores não-evangélicos. Graça e Paz tem até uma justificativa bíblica para defender suas teses. "Tem muita coisa bonita por aí. A própria Bíblia não diz que devemos reter o que é bom?", indaga. Ele não se incomoda com a possibilidade de causar polêmica - coisa, aliás, comum em sua carreira - e acha que até mesmo os eventos de música evangélica deveriam contar com a participação de cantores populares famosos. Graça e Paz tem uma explicação evangelística para suas idéias revolucionárias. "Há vários tipos de peixes e só vamos alcançar todos usando um tipo de isca adequado para cada um. Eu já gravei com muita gente que não é evangélica e todo mundo se amarrou na mensagem de Jesus. Devemos chamar essas pessoas para junto de nós a fim de tirar o que elas têm de bom e dar-lhes o que temos de ótimo, que não é nosso, é de Deus."

Alexandre Blasifera, cantor e compositor de 28 anos, é outro evangélico que libera geral para ele, tudo pode ser usado para a glória de Deus e "até mesmo dentro de uma boate o crente pode fazer seu local de adoração". Suas músicas não falam diretamente de Deus, mas, segundo ele, "procuram passar uma mensagem positiva, de valores do Evangelho nos quais acredito". Blasifera compôs quatro músicas que foram incluídas por Flávio Venturini no disco Noites com sol.

PROFISSIONALISMO PARA A GLÓRIA DE DEUS -Mas há também músicos evangélicos mais comedidos na avaliação da questão. "O mundo musical requer muito cuidado por parte do cristão", adverte o pastor Nelson Bomilcar, músico e produtor musical de 41 anos. Antes de sua conversão ao Evangelho, há 22 anos, ele trabalhou em São Paulo tocando em conjuntos de rock e MPB. "O músico cristão, assim como qualquer outro profissional evangélico, precisa ser criterioso para saber se deve ou não tocar em algum lugar ou aceitar determinado convite", lembra Bomilcar. Ele já trabalhou com Tim Maia e Dudu França, e também ao lado de feras da música evangélica brasileira, como Sérgio Pimenta, Vencedores por Cristo, Grupo Semente e João Alexandre. Além de atuar em composição, treinamento louvor na Igreja Evangélica Projeto Raízes, em São Paulo, Bomilcar tem-se dedicado a trabalhos na área de publicidade e defende que o músico cristão deve se esforçar para ser um profissional de excelente qualidade e conseguir credibilidade, pois, desta forma, estará "glorificando o nome de Jesus e honrando o Evangelho".

Grupo Fé Menino: cantando em casas
noturnas sem drama de consciência

Buscar a glória de Deus através do seu trabalho também é o objetivo das integrantes do conjunto Fé Menina, de Goiânia (GO), que canta bossa nova e MPB em casas noturnas, congressos, aniversários e outros eventos. Composto por três evangélicas - Monica, Soila e Gila, além do violonista Rogério Pinheiro -, o grupo existe há um ano e as músicas do seu repertório incluem composições de Tom Jobim, Chico Buarque e Dorival Caymmi. Segundo Monica, que é membro da Igreja Presbiteriana Maranata, ela e suas companheiras não enfrentam nenhum drama de consciência por serem crentes e cantar esse tipo de música. "Minha igreja é liberal a esse respeito, mas há alguns grupos evangélicos que vêem nosso trabalho com reservas", revela. Recentemente, o Fé Menina participou do Canta cerrado, um festival de música promovido pela Rede Globo.

Mas há alguns que preferiram dedicar-se somente à música evangélica, como é o caso de Quico Fagundes, cantor, instrumentista e compositor de Brasília, que já atuou como músico profissional e participou da gravação de discos seculares. Com formação em violão clássico, Quico, 39 anos, pertence à Igreja Metodista e já gravou um disco próprio, com músicas cujas letras não têm clichês evangélicos. Ele diz que atualmente prefere se envolver só com louvor, mas que essa decisão foi pessoal. Quico faz restrições, no entanto, a eventos que não definem claramente que tipo de música será apresentado. "Quando o show é de música evangélica, deve-se fazer uma divulgação clara disso. Imagine alguém indo a este evento para ouvir música, chega lá e, de repente, param tudo e começam a ler a Bíblia e pregar? Outra coisa: se o objetivo é levar o Evangelho, não acho correto cobrar ingresso."

Cleberson acha que o fundamental é deixar
bem claro qual é o objetivo e não misturar as coisas

DAR A DEUS O QUE É DE DEUS -Não misturar as coisas é também a preocupação de Cleberson Horst, 45. Se, pelo nome, não é possível reconhecê-lo, basta lembrar que ele é tecladista do grupo Roupa Nova, conhecido em todo o Brasil há 15 anos, através de músicas que falam de amor e já embalaram muitas paixões - entre elas Volta pra mim, um grande sucesso composto por ele. Cleberson lembra que o fundamental é ser claro nos objetivos. "Não se deve iludir as pessoas. Se a intenção é evangelizar, por que não dizer isto claramente?", questiona. Em relação à carreira profissional na música, Cleberson entende que "nós estamos neste mundo, embora não pertençamos a ele", e revela que, desde que se firmou no Evangelho, há cerca de dois anos, procura ser criterioso consigo. Ele se recusou, por exemplo, a participar da gravação de uma música de Raul Seixas que debochava do nome de Jesus. "O produtor ficou inconformado, mas os meus companheiros do conjunto respeitaram minha posição", lembra. O baterista do Roupa Nova, Serginho, também é evangélico, e Cleberson garante que todos têm convivido muito bem. As constantes viagens não impedem que Cleberson freqüente os cultos da Igreja Metodista e eventualmente até "dê uma forcinha no louvor", como ele diz.

Pauty Araújo

SUBMUNDO GOSPEL - A questão comercial também gera polêmica entre determinados setores evangélicos, pois muitos não aceitam que o crente ganhe dinheiro com música gospel. Este mercado consumidor cresceu na mesma proporção da qualidade e quantidade do trabalho produzido, criando um filão que vem sendo mais explorado a cada dia. Mas uma das conseqüências disso, na opinião de Nelson Bomilcar, é o surgimento de um "submundo da música gospel com pessoas que se aproveitam do crescimento do setor apenas para se promover e faturar". Sem citar nomes, ele denuncia que há "muitas gravadoras pseudo-evangélicas".

O controvertido cantor J. Neto, 35 -conhecido como o cover evangélico de Roberto Carlos - se diz enganado pelos donos de gravadoras no meio evangélico. "Eu gravei oito discos e não ganhei quase nada com isso", revela. Ele acaba de gravar um CD com dez músicas, sendo sete românticas e apenas um hino. Este trabalho foi lançado em um show no Canecão, uma casa de espetáculos do Rio. Neto diz que sua intenção agora é ganhar dinheiro "como nunca ganhou". No entanto, tem percebido que pode evangelizar através do disco, "embora muitos irmãos o classifiquem como mundano", conforme revela. Convertido em 1981 e membro da Assembléia de Deus, o cantor já atuava profissionalmente quando conheceu Jesus. Assim como aconteceu com Hélio Delmiro, foi aconselhado a abandonar sua carreira secular, "pois disseram-me que eu estava pecando por cantar na noite", lembra. "Mas depois que me firmei em Jesus entendi que posso ser crente e cantor profissional com a consciência cristã tranqüila."

J. Neto assegura que não imita Roberto Carlos, mas admite que sua voz "tem um timbre parecido com a dele". Embora se confesse fã do rei, alfineta: "As pessoas que dizem isso maldosamente são ignorantes a respeito de música ou têm inveja de mim. A nossa voz realmente se parece, mas eu não o imito. Ele próprio já disse que gostou da minha voz." E dá um recado para os que não acreditam nisso: "Digam o que quiserem, o importante é o meu coração."

Para Wanda Sá, testemunho pode
substituir a pregação

Encontrar o equilíbrio entre a carreira profissional e a evangélica parece ser o objetivo que todos aqueles que aceitam o desafio de conciliar sua fé cristã com o mundo da música. "Eu tenho os mesmos desafios que qualquer crente, que é o de ser cristã no meu meio", conta Wanda Sá, cantora que participou do início do movimento da bossa-nova e que, depois de sua conversão, conseguiu conciliar ambas as coisas. "Quando eu canto MPB, as pessoas dizem que eu passo alguma coisa, mesmo que as músicas não falem claramente de Jesus. Em certos shows não há espaço para falar do Evangelho. Mas o fato de eu ser uma cantora conhecida me leva a lugares aos quais não iria se não o fosse. Tenho condições, assim, de dar meu testemunho, mesmo que apenas através da minha postura, da minha vida", conta Wanda, que é presbítera da Comunidade de Jesus, no Rio, onde desenvolve um trabalho de assistência a pessoas carentes e prega o Evangelho. Tudo com muita paz interior e sem nenhuma acusação de consciência, como convém àqueles que se propõem a cantar para Deus e o mundo.

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...