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quarta-feira, 3 de janeiro de 1996

Os santos do pau oco

Vídeo revela que, de evangélica, a Igreja Universal
só tem o povo

Por Carlos Fernandes *

Os bispos Macedo, Gonçalves e Von Helde, e o deputado Laprovita protagonizam as cenas do vídeo secreto da cúpula da Universal

No século 18, um expediente utilizado para ludibriar a fiscalização portuguesa e contrabandear ouro era escondê-lo em imagens sacras de madeira. Daí o surgimento da expressão santos do pau oco, comparação ideal para representar a cúpula da Igreja Universal do Reino de Deus, embora tenha sido rejeitada pelo próprio Edir Macedo. O vídeo divulgado às vésperas do Natal pelo pastor dissidente Carlos Magno de Miranda, descontados os exageros da mídia, serviu para evidenciar o buraco negro de idolatria ao dinheiro e arrogância dos líderes da denominação, ocultado pelo discurso pasteurizado dos cultos. Flagrados com a mão na massa pela câmera indiscreta — numa das sequências, comportam-se como hienas em volta de uma pilha de dinheiro —, os pastores e bispos da Universal resolveram adotar a desfaçatez como antídoto aos efeitos causados pelas imagens que chocaram o Brasil, envergonhando a comunidade evangélica do país.

"MONTAGEM" — Macedo não nega a autenticidade das cenas. Ao público interno, porém, os pastores da Universal alegam que o vídeo foi montado. Macedo, porém, ressalta que os protagonistas eram jovens e imaturos na época. "Eu tinha até cabelo", ironizou o bispo. Filmadas há cerca de seis anos por Magno — que rompeu com a IURD em 1991 — as imagens mostram alguns líderes da igreja em momentos de lazer em Angra dos Reis (RJ) e num hotel de Israel, além de mostrá-los dançando em uma vigília ao ar livre. As cenas mais fortes mostram Macedo, de camiseta, ensinando táticas agressivas de arrecadação de dinheiro nas igrejas. Referindo-se aos frequentadores da Universal, Macedo brada na fita: "Se quiser ajudar, amém. Se não quiser, Deus vai mandar outra pessoa para ajudar, amém! Se quiser ajudar, amém; se não quiser, que se dane. Ou dá, ou desce!", concluiu.

"Poucas vezes a prática religiosa se afastou tanto da Bíblia para se aproximar tanto do Código Penal" Editorial do Jornal do Brasil (27.12.95)

Segundo as denúncias do pastor Carlos Magno, o bispo Macedo não é apenas bom de táticas de arrecadação. Magno apresentou fitas gravadas com telefonemas dados por Macedo, nos quais ele incentiva a mulher do pastor dissidente a abandoná-lo. Exatamente como ocorreu com o pastor corrupto Dom Mariel, interpretado por Edson Celulari, na polêmica minissérie Decadência, exibida em setembro do ano passado. A arte imitou a vida ou a Rede Globo já dispunha de informações sobre o telefonema de Macedo?

Em outro take, o bispo aparece rodeado por outros pastores após um culto na IURD de Nova York, contando uma pilha de dólares arrecadados. Focalizado pela câmera, Macedo sorri faz uma careta grotesca enquanto manipula o dinheiro. O mesmo cinismo que demonstraram na fita ao se referirem aos membros da igreja voltou a ser exibido na tentativa de justificar o injustificável. O líder máximo da IURD enche a boca ao afirmar que não tem motivo nenhum para retratação. "Pedir perdão por que? De uma coisa que não existe mais, brincadeiras que aconteceram há dez anos e que já foram lavadas com o sangue de Jesus?", indagou Macedo em tom arrogante, em entrevista dada à rádio FM 105, controlada pela igreja. Procurando minimizar as imagens explícitas, Edir Macedo invoca os vilões de praxe — a Globo e o diabo, os inimigos da Universal — em sua velha cantilena de perseguido pelo sistema, ao assegurar que não está envergonhado com as notícias "que estão saindo por aí". "Se tivemos algumas falhas", prossegue Macedo, "nós a tivemos diante de Deus, mas já está resolvido, este débito foi pago há muito tempo".

O bispo Edir Macedo, numa careta nada
sagrada, conta nos fundos da congregação
de Nova York os dólares que ensina seus
pastores a arrecadar nos cultos da igreja

O vídeo foi ostensivamente exibido pela Rede Globo em seus telejornais. Numa. aparente tentativa de liquidar a Universal, sua velha desafeta, a emissora da família Marinho cometeu alguns exageros, como dizer que os pastores dançavam ao som de um forró nordestino — na verdade, a música que os embalava era do Rebanhão, um conjunto evangélico. Além disso, o passeio de lancha e caiaque em Angra, assim como as brincadeiras na praia, representam momentos de descontração que seria de um rigor espartano censurar. Outra cena, interpretada pela Globo como em flagrante de promiscuidade mostra o bispo Honorilton Gonçalves (apresentador do programa 25a. Hora, exibido pela Rede Record) sendo acariciado por trás, ao mesmo tempo em que ameaça arriar as calças. Se não é promíscua, a cena é ao menos inadequada para um sacerdote.

AS CONSEQÜÊNCIAS — Além do horror da opinião pública, Macedo e seus comandados podem colher frutos mais amargos da exposição via satélite das vísceras da Universal. O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, afirmou que o bispo poderá ser enquadrado por crime de estelionato e que a igreja sofrerá uma devassa jamais vista. O procurador Antonio Carlos Biscaia anunciou que iria solicitar ao Ministério Público uma investigação sobre as atividades da IURD. O corregedor-geral da Câmara dos Deputados, Beto Mansur, prometeu analisar o envolvimento de deputados com eventuais irregularidades cometidas pela igreja ou seus líderes. Um deles, Laprovita Vieira, aparece no vídeo sendo entrevistado pelo bispo Gonçalves, que em tom de brincadeira pergunta como o parlamentar adquiriu uma indústria em Duque de Caxias: "O seu Vieira, foi pelo Caixa Um ou pelo Caixa Dois?".

A Universal elegeu seis deputados federais em 1994, entre eles Laprovita — no segundo mandato — uma espécie de administrador dos negócios da igreja, agora ameaçado de ser cassado por falta de decoro. Além disso, a Secretaria da Receita Federal vai levantar informações sobre as declarações do imposto de renda de Edir Macedo, da cúpula da Universal e da Rede Record, de propriedade da igreja. Por outro lado, como consequência imediata das revelações da fita, vários membros da igreja estão dispostos a reaver os bens doados à IURD, inclusive através da Justiça.

PROFECIA — Entre os evangélicos, o episódio causou mal-estar, mas poucos líderes se manifestaram. O presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, foi sucinto: "As cenas falam por si mesmas; é um espetáculo grotesco e deprimente; a fita mostra a violação de princípios cristãos e fere frontalmente o evangelho". O presidente da União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil, pastor Paulo Leite, declarou-se "triste com o lamentável episódio". Ele diz que muitos evangélicos já esperavam por isso devido à ênfase dada pela Universal ao dinheiro, "sempre pedindo e pedindo".

O presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, reverendo Guilhermino Cunha, disse que vê com profunda perplexidade os acontecimentos que envolveram a Igreja Universal. Para ele, "os fatos falam por si e sofrerão os julgamentos de Deus e da opinião pública." Já o pastor Enéas Tognini, um dos líderes da Convenção Batista Nacional, afirmou que é preciso analisar melhor o fato, mas que não viu nada demais, alegando que "a fita já tem dez anos". O pastor Tubo Barros, presidente da Convenção Fraternal das Assembléias de Deus do Rio de Janeiro, preferiu o silêncio: "Não quero dizer nada, nem contra nem a favor".

Todos estes acontecimentos acabaram conferindo um tom profético ao pronunciamento da Associação Evangélica Brasileira, divulgado em setembro do ano passado, no qual a entidade criticava as práticas da Universal como sendo contrárias à legítima fé evangélica, além de constituírem objeto de frequentes constrangimentos e vergonha para o povo evangélico como um todo. A AEVB conseguiu, ao menos, isolar a Universal das outras igrejas evangélicas. O pastor Carlos Magno, estopim de todo o escândalo, afirmou à imprensa que tem ainda outras denúncias sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, e que pretende apresentá-las à Polícia Federal. A crise está aberta.

* Colaboraram Adriane Lopes e Marcelo Dutra

Magno: 'Esquema PC favoreceu Macedo'


O pastor dissidente Carlos Magno promete
fazer novas e contundentes denúncias
contra o grupo de Macedo

A Igreja Universal contou com a participação do esquema PC de tráfico de influência na aquisição da Rede Record, em 1990. A revelação foi feita à revista VINDE pelo pastor Carlos Magno de Miranda, dissidente da igreja de Edir Macedo e principal estopim do escândalo trazido à tona em reportagem exclusiva da revista IstoÉ e, depois pela rede Globo. Segundo Carlos Magno, o ex-presidente Fernando Collor, afastado do poder por acusação de corrupção, em 1992, determinou a PC Farias que intercedesse pessoalmente junto aos antigos proprietários da Rede Record — Silvio Santos e Paulo Machado de Carvalho Filho — , para facilitar a aquisição daquela emissora pela IURD. O pagamento dos 45 milhões de dólares — preço da emissora — foi facilitado mediante a garantia, por parte de PC, de que Collor era sócio da Universal na transação. O empenho do presidente em beneficiar a Universal é justificável: Magno relatou que, durante a campanha eleitoral de 1989, o bispo Macedo fez um acordo com o então candidato Collor, pelo qual se comprometia a induzir o povo da Universal a votar no caçador de marajás em troca de favores do governo federal. Todo fiel da Universal lembra que, durante os cultos daquela época, Lula era chamado de diabo pelos pastores da igreja.

Em entrevista ao repórter Marcelo Dutra, Magno garantiu que não revelou o conteúdo das fitas anteriormente porque "não houve interesse da imprensa em divulgá-las". Ele assegurou ainda que a Rede Globo não lhe ofereceu nada em troca da divulgação da fita e que sua única motivação é "revelar a verdade". Em 1990, um inquérito foi aberto na Polícia Federal para apurar se Macedo era estelionatário, com base nas denúncias de Magno. Contudo, Magno alega que não pôde prosseguir devido a ameaças da cúpula da Universal dois dias antes da acareação. Desde então, Magno garante que "vinha aguardando o interesse de alguém" para retomar o assunto.



A hora da autocrítica

Por Ariovaldo Ramos

Grotesco, humilhante, vergonhoso! Foram expressões como estas que vieram aos lábios de muitos ao assistirem as cenas que a Rede Globo levou ao ar, no Jornal Nacional, sobre a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus). É triste ver o Evangelho misturado com aquilo que vimos e ouvimos.

Diante desse quadro, creio que há algumas coisas que o povo evangélico deve esperar e instar para que aconteçam: primeiro, que a IURD venha a público explicar-se e/ou pedir perdão; segundo, que a IURD faça autocrítica, repense sua teologia e metodologia e mude; terceiro, que as acusações de envolvimento com o narcotráfico e sonegação sejam criteriosa e desapaixonadamente investigadas pelas autoridades competentes, de modo a estabelecer a verdade dos fatos.

Em contrapartida, há outras coisas a que o povo evangélico não pode assistir passivamente: primeiro, tentativas de pura perseguição religiosa, como a esboçada pelo vereador Miguel Colassuono (presidente da Câmara Municipal de São Paulo), ao declarar, segundo a Folha de São Paulo, que poderia emitir decretos que levassem ao fechamento dos templos da IURD e/ou cancelar a isenção do IPTU para os mesmos; segundo, a tentativa de alguns setores da mídia de julgar a IURD — como declarou a AEVB em seu manifesto, "a mídia não tem o direito de arbitrar sobre a fé de ninguém"; terceiro, a tentativa de enquadrar como crime de estelionato o fato de os pastores da IURD desafiarem os seus fiéis a demonstrar sua fé através das contribuições — apesar de não concordarmos nem com sua teologia nem com sua metolologia, temos que admitir que esta questão é teológica e não criminal. O Estado não tem competência para arbitrar sobre isto.

Finalmente, temos que, a exemplo do que vi o pastor Ary Velloso (Igreja Batista do Morumbi) fazer no domingo posterior à divulgação da fita de vídeo, orar pelos líderes da IURD e pelos seus fiéis: para que estes não percam a fé e aqueles tenham seus olhos abertos e vejam que pastor tem que ter postura e que a pregação e a contextualização têm limites teológicos e éticos. E assim, mudem para o bem da causa evangélica, para a saúde de seu povoe para a glória de Jesus.

Pastor Ariovaldo Ramos, formado em Teologia pela Faculdde, Metodista Livre, é diretor editorial de VINDE

Propaganda da revista em 1996.

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...