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sexta-feira, 5 de janeiro de 1996

Há poder de cura na confissão

Por Reverendo Ricardo Barbosa de Souza

TIAGO, em sua carta, afirma: "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados". A confissão, quando feita em secreto, no quarto, longe das pessoas, é uma prática que acompanha a vida de muitos cristãos. No entanto, estender esta prática secreta ao mundo público, torná-la conhecida dos outros, é uma realidade bem diferente, incomum na experiência cristã. Agostinho (354-430), bispo de Hipona, foi educado num contexto cristão, mas resistiu ao chamado de Cristo e ao envolvimento numa vida de fé por muitos anos. Sua mãe, Mônica, sempre orou pela conversão do filho que, numa visita a Ambrósio, em Milão, converteu-se e foi batizado no ano de 387. Tornou-se então sacerdote e depois bispo de Hipona. Entre suas obras, uma que tornou-se conhecida e teve grande influência sobre a espiritualidade cristã foi As Confissões.

"Crescer na experiência da caridade é crescer em direção a imagem de Deus e tornar-se mais unido a ele."

Para Agostinho, confessar é desnudar a alma e o coração diante de Deus, de nós mesmos e dos outros. É através deste ato que o homem passa a conhecer-se a si mesmo. "Eis que amaste a verdade, porque aquele que a pratica vem à luz. Com essa confissão em meus escritos, quero praticar a verdade no meu coração diante de Deus e diante de tantas testemunhas." Para ele, praticar a verdade é tornar claro quem ele é. Agostinho sabia que é possível ao homem enganar-se a si mesmo e construir uma imagem falsa perante o próximo, mas diante de Deus é impossível que o homem esconda sua verdadeira face. "Diante de Deus, está sempre a descoberto o abismo da consciência humana. Que poderia haver de oculto em mim para Deus, por mais que eu não quisesse dizer a verdade? Conseguiria apenas ocultar Deus aos meus olhos, mas não poderia ocultar-me dos seus". Somente Deus conhece a verdade do coração do homem e pode revelá-la. Confessar é permitir que a verdade sobre nós mesmos seja revelada.

Tiago propõe que a confissão seja uma experiência pública, feita não apenas em secreto diante de Deus, mas também "uns aos outros" para sermos curados. Este é o lado mais difícil e complexo da confissão. Agostinho também enfrentou este dilema. Ele pergunta: "Mas, para que tenho de confessar-me diante dos homens, como se fossem eles que me perdoassem os pecados? Os homens estão sempre dispostos a bisbilhotar e a averiguar as vidas alheias, mas têm preguiça de conhecer-se a si próprios e de corrigir a sua própria vida. Por que querem ouvir-me dizer quem sou, eles que não querem que Deus lhes diga quem e como são?" Por que devemos nos expor aos outros? Tornar nossa vida privada, pública? Revelar segredos íntimos e pessoais? Que bem isto poderia trazer aos homens? A resposta que Agostinho dá a estas perguntas é bastante simples. Para ele, a razão de suas confissões perante os homens não nasce do desejo ingênuo de, simplesmente, revelar seus segredos àquelas pessoas ávidas por bisbilhotar a vida alheia, mas sim, do seu desejo de que as pessoas compartilhem com ele a natureza da graça e do perdão de Deus por ele experimentados. "A confissão que fiz dos meus pecados anteriores à conversão... moveu os corações, quando foi lida e ouvida; assim foi, para que ninguém adormecesse no desalento e dissesse: 'Não posso', antes despertasse para o amor e a felicidade, para a misericórdia e para a graça de Deus, que torna forte todo aquele que antes era fraco".

Há outra razão pela qual Agostinho deseja tornar sua confissão pública. Ele quer dar a conhecer aquilo que Deus, por sua graça fez por ele, e as transformações que a bondade de Deus realizou em sua vida. A confissão é o caminho que nos leva à experiência da transformação do caráter e do coração. "Dar-me-ei a conhecer porque não é pequeno o fruto que pode produzir: que sejam muitos os que dêem graças a Deus por mim e que orem por mim; desejo que aqueles que me leiam se sintam movidos a amar o que Deus ensina, e a sentir dor do que lhes deve causar dor... O fruto que agora desejo tirar das minhas confissões não se refere, pois, ao que fui, mas ao que sou hoje. Desejo dá-lo a conhecer não só diante de Deus, mas diante dos homens, dos meus concidadãos, que caminham comigo." A confissão, segundo Agostinho, é essencialmente um encontro transformador do nosso próprio caráter, que promove a transformação daqueles que conosco caminham o caminho da fé.

Agostinho procura nas suas confissões apresentar não apenas fatos ocorridos em sua vida, mas, sobretudo, aquilo que ele é. Para ele, o pecado não é apenas um acidente isolado, mas a realidade da própria existência humana. Sua confissão não revela somente seus erros, mas sua natureza, seu caráter. Ele fala da tentação da carne em sonhos, da gula, da atração dos perfumes, dos olhos, da curiosidade, do orgulho, da vaidade e do amor próprio, procurando fazer de Deus um espelho de sua própria alma. Ao contemplar a Deus em sua luz e verdade, contemplamos nosso próprio coração. "Deus é luz que não se extingue; aquela que eu consultava sobre todas as coisas." Confessar é conhecer a realidade mais íntima do nosso ser, e isso só nos é possível diante daquele que nos conhece completamente, aceita e ama. Deus não é apenas luz que ilumina nosso interior, mas também é a verdade que desmascara a mentira e a ilusão. "Deus é a verdade que está sobre todas as coisas. Mas eu não queria perdê-la e, ao mesmo tempo, na minha avareza, queria possuir também a mentira; como o mentiroso que não quer mentir muito para não perder a noção da verdade. Foi assim que perdi a Deus, porque Ele não quer ser possuído juntamente com a mentira." Na comunhão com a luz e a verdade, Deus revela não apenas o que faço, mas também quem sou no íntimo da minha alma.

Para Agostinho, o conhecimento de Deus, bem como a transformação do caráter humano, obtidos pela experiência da confissão, nos levam ao encontro e à comunhão com Deus e o próximo, que é a razão da vida e a causa primeira do propósito do Criador. "Fizeste-nos para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em ti."

(As citações foram extraídas do livro As Confissões, de Santo Agostinho. Ed. Quadrante, São Paulo, 1989)

Reverendo Ricardo Barbosa de Souza é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília (DF).

sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

A Trindade e o amor na teologia de Ricardo de São Victor

Por Ricardo Barbosa de Souza

Carlos Fernandes

Trindade, embora ocupe lugar de estaque e importância na doutrina cristã, encontra pouca ou quase nenhuma relevância para a experiência cristã. Para a grande maioria dos cristãos, a Trindade não tem praticamente nada a dizer sobre o dia-a-dia da vida. Na verdade, ela só interessa aos teólogos e filósofos que se deliciam com a especulação de temas absolutamente irrelevantes para o cotidiano da experiência humana. No entanto, a Trindade revela não apenas a natureza do Deus cristão, mas também seu caráter. A partir da Trindade é que podemos concluir que o Deus que a Bíblia revela é, essencialmente, um Deus relacional. Ao revelar-se como Pai, Filho e Espírito Santo, Deus mostra não apenas suas ações na história da salvação do homem como também revela sua natureza afetiva, fraterna e relacional. Deus é uma amizade eterna, onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo gozam da mais intensa e perfeita comunhão de amor e reciprocidade.

Um dos pensadores da história da igreja, que refletiu e trouxe uma grande contribuição ao desenvolvimento do aspecto relacional da Trindade, foi Ricardo de São Victor (? -1173). Ele explorou o amor humano através de uma análise psicológica das relações interpessoais e conduiu que a pessoa é mais humana e mais próxima de Deus quando transcende a si mesma em amor por outra pessoa. Fundamentalmente, para ele, a experiência humana de amor tem suas raízes no mistério da Trindade. Para Ricardo, não há nada mais perfeito do que a caridade (caridade como expressão concreta de amor para com o próximo). Portanto, se Deus possui a plenitude de tudo que é bom e perfeito, ele possui a plenitude da caridade. Se Deus é a perfeição do amor, o homem, sendo criado conforme a imagem de Deus, deve refletir esta perfeição ao máximo possível. Crescer na experiência do amor e da caridade é crescer em direção à imagem de Deus e tornar-se mais unido a ele. É baseado nesta experiência de amor compartilhado que Ricardo conclui que não pode haver uma só pessoa em Deus, pois o exercício do amor exige mais do que uma pessoa. Onde existe apenas uma pessoa, não existe caridade. Daí, sua conclusão lógica de que, se Deus é amor, não pode existir solitariamente, não pode ser um Deus uno.

Ricardo reconhece a necessidade de haver mais do que uma pessoa em Deus. Para ele, um Deus que não tem alguém com igual dignidade com quem possa compartilhar plenamente seu amor não pode ser um Deus plenamente realizado. Ele se expressa assim: "Temos aprendido que, naquele supremo e totalmente perfeito bem, existe a plenitude e a perfeição de toda a bondade. No entanto, onde existe a plenitude de toda a bondade, não pode faltar a caridade. Porque nada é melhor do que a caridade. No entanto, ninguém pode dizer que tem caridade baseado apenas no amor que tem para consigo. Torna-se necessário que o amor seja direcionado para uma outra pessoa para que seja caridade. Por isso, onde não existe a pluralidade de pessoas não pode existir a caridade. Mas você pode dizer que, mesmo que houvesse uma só pessoa na Divindade, ainda assim ele teria caridade para com a sua criação. De fato, o Senhor tem. Mas certamente ele não poderia expressar a caridade suprema para com a pessoa criada porque, se Ele amasse supremamenre alguém que não pudesse ser supremamente amado, a caridade seria imperfeita".

"Crescer na experiência da caridade e crescer em direção à imagem de Deus e tornar-se mais unido a ele."

Para Ricardo de São Victor, Deus é amor porque subsiste numa pluralidade de pessoas. Mesmo antes que houvesse mundo criado, Deus já existia como um Deus de amor. As relações de amizade e reciprocidade existem desde toda a eternidade em Deus. Ao nos criar segundo sua imagem e semelhança, Deus nos cria para amar e ser amados. Ele afirma que, a partir da Trindade, "não há nada mais glorioso, nada mais magnificente, do que desejar não ter nada que não possa ser compartilhado". Para ele, o significado da pessoa humana só pode ser compreendido a partir das relações de amizade e amor que construímos.

Aqui já podemos perceber a relevância deste tema para a vida. Para o homem moderno, o significado de ser pessoa, de ser alguém, está intimamente relacionado com as realizações profissionais e suas conquistas sociais. O homem é o que é por causa daquilo que possui. Se não possuirmos aquilo que a sociedade reconhece como essencial para a vida, não somos ninguém. No pensamento de Ricardo de São Victor, baseado na natureza trinitária de Deus, o homem encontra sua identidade pessoal nas relações de amizade e amor que constrói com Deus e seu semelhante. Jesus, ao definir qual é o maior de todos os mandamentos, disse que é "amar a Deus de todo o coração e alma, e ao próximo como a si mesmo". A natureza fundamental da experiência espiritual cristã é a amizade que nasce do encontro com o Deus de amor.

A Trindade nos livra do egoísmo e da vida autocentrada para uma experiência de amizade e amor com Deus e o próximo. E, a partir dela, nos encontramos como pessoas, não nas conquistas profissionais e sociais, mas nas relações de afeto e comunhão. O grande desafio da espiritualidade cristã é o de encontrar na Trindade os Fundamentos para nossa experiência de amor e amizade.

Gostaria de terminar citando C. S. Lewis: "Não existe investimento seguro. Amar é ser vulnerável. Ame qualquer coisa e seu coração irá certamente ser espremido e, possivelmente, partido. Se quiser ter a ceteza de mantê-lo intato, não deve dá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Evite todos os envolvimentos, feche-o com segurança no esquife ou no caixão do seu egoísmo. Mas nesse esquife - seguro, sombrio, imóvel, sufocante - ele irá mudar. Não será quebrado, mas se tornará inquebrável, impenetrável, irredimível. O único lugar fora do céu onde você pode manter-se perfeitamente seguro contra todos os perigos e perturbações do amor é o inferno".


Ricardo Barbosa de Souza é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília (DF).

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...