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sexta-feira, 1 de março de 1996

Pastor Nilson Fanini: Governo encerrou briga entre Globo e Record

Líder mundial dos batistas revela interferência do Planalto na 'guerra santa'

Marcelo Dutra e Omar de Souza

Fotos de Frederico Mendes

Carlos Fernandes
Duas semanas antes das acusações lançadas pelo O Globo, o pastor Fanini garantia que era o principal acionista da TV Record Rio

Pouca gente percebeu a trégua que houve entre as TVs Globo e Record depois de meses de confronto. Numa entrevista exclusiva concedida à revista VINDE, no início de janeiro, em Niterói, o pastor Nilson do Amaral Fanini deu pelo menos uma pista para explicar a repentina paz. Fanini revelou que a guerra santa acabou por influência direta do governo, que deu um basta aos ataques mútuos numa reunião com diretores das emissoras. "Houve uma ordem da presidência da República para que se fizesse uma reunião com a diretoria das redes Globo e Record no sentido de forçar uma parada nas denúncias de um lado e de outro, pois estavam indo longe demais", afirmou o pastor Fanini.

O pastor paranaense Nilson Fanini, 63 anos, tornou-se o primeiro brasileiro a ocupar a presidência da Aliança Batista Mundial, entidade que representa os mais de 100 milhões de batistas do planeta. Como evangelista, já pregou em 87 países. Além de pastorear há 31 anos a Primeira Igreja Batista de Niterói, também preside o Reencontro, organização assistencial que atende milhares de pessoas de Niterói e municípios vizinhos. O programa do mesmo nome que comanda é um dos mais antigos evangelísticos de TV em rede nacional. Recentemente, teve o nome cogitado para uma eventual candidatura a presidente da República.

Mas a este impressionante e elogiável histórico de vida juntou-se, no fim de janeiro, um episódio extremanente confuso: uma reportagem do jornal O Globo acusa o pastor Fanini de ter vendido 51% das ações da TV Record Rio de forma irregular. Esta acusação contradiz as informações anteriormente prestadas pelo líder batista. Na entrevista à VINDE, duas semanas antes, ele garantia ser ainda acionista majoritário. Procurado depois pela nossa reportagem para contar sua versão, o pastor Fanini não respondeu até o fechamento desta edição, em meados de fevereiro.

O que significa para a igreja evangélica brasileira, e mais especificamente para a denominação batista, o fato de o senhor ter sido eleito presidente da Aliança Batista Mundial?

Foi uma escolha divina. É uma honra muito grande para mim e para o país ter um brasileiro à frente de 200 pastores que representam, por sua vez, várias nações da Terra, num trabalho que reúne mais de 100 milhões de cristãos.

Como ocorrem as eleições para a escolha de um novo presidente da ABM?

Para cada mandato elege-se o representante de um continente diferente. O meu vai de 1995 até o ano 2000. Nas próximas eleições, tudo indica que o presidente será da África. Ele precisa ter um certo currículo. Deus vinha me preparando. Já preguei em 87 países, o que me tornou bastante conhecido no mundo como evangelista. Na minha posse, em Buenos Aires, desafiei os representantes das 128 nações a dobrar o número de batistas na Terra até o ano 2000. Ou seja, o objetivo é atingirmos 200 milhões de pessoas, 500 mil igrejas e 72 mil universidades e colégios em toda a Terra.

Conjectura-se que o senhor pode vir a se candidatar à presidência da República. Como surgiu isto?

Houve essa passeata muito grande (promovida pela Igreja Universal do Reino de Deus), com 1 milhão de pessoas em todo o país, e alguém citou meu nome. A imprensa diz que, dessa vez, foi o Laprovita (Vieira, deputado federal), mas ele nem me consultou. O resultado é que fui procurado por diversos jornais do país e tive que me declarar contrário à idéia. Talvez amanhã Deus queira, mas, no momento, já me deu uma tarefa muito grande.

Carlos Fernandes
"Fui procurado pelos jornais e me declarei contrário à idéia de ser presidente da República. Talvez amanhã Deus queira, mas não no momento."

Pesquisas indicam que os evangélicos brasileiros estão decepcionados com a atuação dos seus representantes políticos. O que o senhor acha?

Igreja é uma coisa, política é outra. A igreja não pode ser palanque nem partido político. Agora, que a política precisa de sal e luz, é uma realidade. É uma decepção dupla: quando se elege uma pessoa e ela falha, ela falha como cidadão e como crente.

As obras assistenciais do Reencontro já existem há 20 anos. Como está este trabalho atualmente?

Me baseio na mensagem que Deus colocou no meu coração: que Jesus ia de cidade em cidade pregando, ensinando e curando. Baseado nesse tema, pregando o Evangelho total para o homem total, o Reencontro marcha. Com isso, hoje temos 29 especialidades clínicas, 56 médicos, 22 dentistas, enfermeiros que já perdi o número e assistentes sociais. Em 1995 atendemos quase 120 mil pessoas. Temos também as cruzadas no Brasil e no mundo, programas de rádio e televisão e também a Liga Bíblica, que já distribuiu 18 milhões de novos testamentos.

O programa começou durante o regime militar. Houve problemas com censura?

Me censuravam, não deixavam falar muitas coisas, mas nunca tive problemas sérios.

Como foi o processo para conseguir a concessão da TV Rio na década de 80?

Eu e o Arolde de Oliveira (deputado federal), então diretor do Dentel, fizemos uma empresa e começamos a concorrer com muitos pretendentes, entre eles o Jornal do Brasil, a Editora Abril e o Paulo Maluf. O Leitão (de Abreu), chefe de gabinete do presidente Figueiredo, sugeriu que se desse a concessão para "um pastor que tem aí, que ele não vai botar no ar mesmo". Aí, ele me deu. Só que, com a ajuda de Deus, eu botei no ar. Sem um tostão da igreja, do Reencontro ou de qualquer evangélico. O dinheiro veio da minha família, que é dona da Kepler-Weber S.A.

Seria a primeiro emissora evangélica do país?

Inicialmente nós tentamos, mas depois descobri que uma televisão no Brasil, principalmente em VHF, não consegue sobreviver só com programação evangélica. Eu estava sempre no vermelho. Mas depois que entrou em rede. o custo foi dividido.

Foi assim que a TV Rio acabou se tomando Rede Record?

O nome é fantasia. A razão social é Rádio Difusão Ebenezer Ltda. O nome fantasia pode ser mudado a qualquer momento. Para fazer a rede, ficou Record Rio.

O senhor ainda tem ligações com a TV Rio?

Detenho ainda 51% das ações e estou negociando a venda para um grupo de 6 empresários, que detêm os outros 49% das ações. Portanto, é necessário que eu assine centenas de cheques pela empresa, pois ainda sou sócio majoritário.

Os mesmos que detêm o controle da emissora no restante do Brasil?

Do lado da Rede Record, não sei dizer. Sei que a TV Rio tem um contrato de filiada com a Rede Record. A programação é selecionada por nós. O que eu quero dizer é que está-se cumprindo hoje a finalidade para a qual eu a criei, ela está glorificando e defendendo o nome de Deus.

Na época em que a Record foi comprada em São Paulo falou-se em 45 milhões de dólares. Este é o preço de uma emissora de TV?

A Record de lá é outra coisa completamente diferente. Aqui é outra empresa, não tém nada a ver com a Record de São Paulo.

Como presidente da Aliança Batista Mundial, o senhor é remunerado?

Boa pergunta. É bom que se diga que não recebo um tostão da ABM, eles só me ajudam com as passagens. É tudo por amor ao Evangelho.

A que o senhor atribui o crescimento dos evangélicos no Brasil nos últimos anos?

Hoje o crescimento dos evangélicos é duas vezes e meia mais rápido do que o da população brasileira. Não é só quando Caio Fábio, Fanini, Billy Graham enchem o Maracanã. Hoje o que vale é essa garra, esse exército de irmãozinhos e irmãzinhas que fazem reuniões nos colégios, nas fábricas, nas Forças Armadas. E mais: a mídia. Hoje nós temos boas emissoras de rádio e de televisão evangélicas.

O senhor acredita que o crescimento quantitativo foi acompanhado de crescimento qualitativo?

Sim e não. Há muitas igrejas por aí que não estão batizando. Em outras falta espiritualidade. Além disso, a liderança tem que estar cada vez melhor preparada. O pastor tem que ser quase um super-homem, visitar, pregar, evangelizar etc. Mas, na maioria dos casos, está havendo, graças a Deus, um bom crescimento.

Carlos Fernandes
"Uma pessoa me ligou do Planalto contando que o presidente queria uma reunião entre diretores da Globo e Record. Estavam indo longe demais."

Os escândalos atuais envolvendo líderes da Igreja Universal do Reino de Deus são resultado desse crescimento quantitativo sem o devido preparo qualitativo?

Neste caso há uma guerra empresarial, não religiosa. São duas redes que estão lutando por espaço. Recebi um telefonema há poucos dias do Palácio do Planalto. A pessoa me pedia para orar pela situação e me contou que houve uma ordem direta da presidência da República para que se fizesse uma reunião com a diretoria das redes Globo e Record no sentido de forçar uma parada nas denúncias de um lado e de outro, pois estavam indo longe demais. E esta reunião foi realizada.

Esta reunião foi com o próprio Ministro das Comunicações, Sérgio Motta?

Não posso declarar. Mas orei a Deus para que cultivássemos o valor religioso das mensagens da Record.

Como o senhor analisa os escândalos envolvendo os evangélicos no Brasil e no mundo por conta dos métodos da IURD?

Não me cabe criticar. A Igreja Universal tem tirado 6 milhões de pessoas das garras do diabo, e nisto realiza um grande trabalho. Agora, é uma igreja adolescente. Está formando a doutrina, a teologia, os pastores. É natural que algumas coisas aconteçam. Tem coisas que eu fazia na minha adolescência e não faço mais hoje. Houve um momento em que a Associação Evangélica Brasileira se manifestou contrária aos métodos da Universal.

A cúpula da IURD reagiu com um documento contendo a assinatura de vários pastores, inclusive do senhor. Qual o motivo de seu apoio?

Era uma questão de liberdade religiosa. A Universal tem direito à liberdade. Aquilo foi Nilson Fanini quem assinou, não foi o presidente da Aliança. A Igreja Batista não tomou partido, nem para um lado nem para o outro.

O senhor crê que esteja havendo uma perseguição contra a igreja evangélica?

Ultimamente estão perseguindo muito os evangélicos. Quando, por exemplo, um deputado católico ou espírita faz umas e outras, nunca se diz que ele é católico ou espírita. Mas quando é um evangélico, dizem até a qual igreja pertence. Isso é discriminação e é inconstitucional.

Enfim, como o senhor se posiciona em relação à IURD?

Eu admiro o trabalho fantástico que a Igreja Universal faz, mas com algumas coisas não concordo, como talvez eles não concordem com algumas coisas da minha igreja. Discordo dos métodos da IURD, mas devemos respeitar um ao outro.


Extraído Entrevista. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 5, p. 6, mar. 1996.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996

Universal reúne fiéis contra a Globo

Por Danielle Franco

Fotos de Pauty Araújo
Os fiéis da Universal tomaram a Cinelândia com faixas e cartazes

Abriga entre a Igreja Universal do Reino de Deus e a Rede Globo de Televisão teve mais um episódio no dia 6 de janeiro, quando os representantes da IURD organizaram uma manifestação em defesa do bispo Edir Macedo, que está sob investigação policial. Convocados a participar do 1° Encontro da Paz, milhares de fiéis da IURD se concentraram nas principais capitais do país. Na Cinelândia, centro do Rio, a manifestação reuniu pastores de várias denominações, embora nenhum líder nacional tenha comparecido.

Alguns dos mais exaltados incitavam o povo a pronunciar palavras de ordem contra a Rede Globo. Num momento de tensão, o bispo Romualdo pediu que os fiéis, munidos de pedrinhas de isopor, se dirigissem à câmera da Globo e imaginassem que estavam "derrubando Golias". A manifestação terminou às 18h com uma oração na qual se pediu "misericórdia para os inimigos".

Em São Paulo, a manifestação a favor do bispo Macedo reuniu 80 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, segundo a Polícia Civil. O coordenador do evento, Mário Luiz de Souza, acredita ter contado com o apoio de todos os evangélicos do país: "Quem não se pronunciou a nosso favor também não acusou, ficou calado." Ficar calado, aliás, parecia ser a palavra de ordem. Quatro fiéis da Igreja Universal disseram que "não podiam falar nada". O padre Marco Antônio Janom, da Igreja Católica de Vila Formosa, diz não acreditar que a Igreja Universal ataque a católica: "O objetivo deles é falar de Jesus." O rabino da Congregação Israelita do Tucuruvi, Mário Najmanovich, afirma apoiar qualquer manifestação pela liberdade religiosa, e ataca: "Toda informação que a Rede Globo produz sobre judeus, ciganos e evangélicos é distorcida."

MANIFESTO - A postura da Igreja Universal tem motivado manifestações de entidades evangélicas internacionais. A Fraternidade Evangélica Latino-Americana, com sede em Buenos Aires, Argentina, que representa 60 milhões de cristãos evangélicos no continente, expediu um documento conjunto com a Aliança Cristã de Igrejas Evangélicas da República Argentina (ACIERA). Na nota, a entidade declara "ser necessário deixar clara nossa posição frente a práticas estranhas à nossa fé", além de afirmar que a IURD não pertence a nenhuma das organizações signatárias do manifesto. Em outro trecho, a declaração afirma que repudia os métodos de proselitismo e arrecadação de fundos "que não estão de acordo com as normas bíblicas, a moral pública e as leis de cada país", acrescentando que é preocupante o uso abusivo da palavra seita, que vem sendo aplicada em referência aos evangélicos em geral e aos pentecostais em particular. "Do mesmo modo", prossegue o manifesto, "o uso do termo evangélico não pode ser aplicado a igrejas cujas doutrinas e práticas não condizem com o que os cristãos evangélicos aceitam como princípios derivados da Palavra de Deus". A declaração termina lembrando que esses fatos lamentáveis não são surpreendentes, pois foram anunciados pelo Senhor Jesus Cristo.

Colaborou Sandra Silva, de São Paulo.

Fotos de Pauty Araújo
O protesto levou às ruas membros de várias denominações evangélica

As diversas faces de um conflito

Briga Universal x Globo permite abordagens maniqueístas a uma questão complexa

A guerra entre as emissoras Globo e Record é apenas uma das vertentes da polêmica... que envolve a disputa pelo poder político nos sistemas de comunicação de massa

Nos filmes e novelas é muito fácil. O mocinho é o sujeito bacaninha, imaculado, cheio de boas intenções, geralmente bonito e elegante, enquanto o vilão é o calculista incapaz de um gesto altruístico e disposto a usar os mais sórdidos expedientes para alcançar seus objetivos. Na vida real, porém, a coisa é bem mais complicada, ainda que os veículos de comunicação brasileiros aparentemente se deixem influenciar pela tradição folhetinesca do país. A guerra que travam as Organizações Globo e a cúpula da Igreja Universal do Reino de Deus demonstra esta tendência maniqueísta da mídia. Jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão posicionados dos dois lados procuram reduzi-la a uma mera rusga religiosa. Tal simplismo tem levado muitas pessoas, principalmente evangélicos, a fazer de Roberto Marinho e o bispo Edir Macedo anjos ou demônios ao sabor de novas denúncias recíprocas.

Há, pelo menos, meia dúzia de batalhas inventadas durante a discussão dos ataques da Globo e dos métodos da Universal. Nos programas de debates da Rede Record e nas rádios e jornais controlados pela IURD aduba-se o terreno do que é plantado nas igrejas da denominação: a TV Globo é a filial mais poderosa do inferno e, portanto, suas acusações nada mais são que investidas demoníacas para destruir a grande obra da Universal. Eventualmente, o reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, presidente da Associação Evangélica Brasileira - AEVB - é citado como cúmplice e pau mandado de Roberto Marinho. A conveniência desta abordagem é que da dispensa explicações sobre os métodos de arrecadação nas igrejas à base de intimidação, a aplicação do dinheiro, a filosofia do dá ou desce etc. O pastor e teólogo batista Ariovaldo Ramos não tem dúvida de que, em qualquer igreja que respeita os princípios básicos de disciplina, denúncias como as que foram feitas contra os principais líderes da IURD gerariam, no mínimo, inquéritos internos. "A imprensa aumentou, mas não inventou", lembra.

Por outro lado, quando a Globo mobiliza todo seu arsenal contra a Universal, mira em outros alvos. As manchetes do jornal e os noticiários da TV que levam o nome do grupo de Roberto Marinho vendem a idéia de que uma grande ameaça paira sobre a sociedade cristã - leia-se católica -brasileira. Quando colocam a função eclesiástica de Edir Macedo entre aspas, mas não usam o mesmo critério para identificar, por exemplo, o arcebispo do Rio, dom Eugênio Sales, as Organizações Globo e vários outros veículos bombardeiam sobre o povo a concepção de que Igreja, com i maiúsculo, só há uma, com sede no Vaticano. Os efeitos respingam em toda a sociedade evangélica brasileira, que acaba adotando um mote semelhante e enxergando os católicos como adversários.

DISPUTA POLÍTICA - O restante da grande imprensa aponta outra face da chamada "guerra santa": a disputa pelo poder político. Reportagens de revistas como Veja e IstoÉ chamam atenção para o rápido crescimento do sistema de comunicação da IURD que, se ainda é pequeno comparado à Globo, já é suficiente para garantir a publicidade da igreja e a projeção de seus aliados, particularmente os que ocupam cargos políticos. Se é verdade que, por ser dono da Globo, Roberto Marinho tem o país em suas mãos, a mais evidente ameaça a seu poder se chama Edir Macedo. Mas é ingenuidade intelectual limitar a briga ao âmbito político.

Muitos pastores preferem conjecturar a respeito de um quarto tipo de batalha, igualmente maniqueísta. São os que resumem o episódio à questão pessoal envolvendo o bispo Edir Macedo e o pastor dissidente Carlos Magno de Miranda. Neste círculo de discussão, eminentemente evangélico, os protagonistas alternam a condição de mocinhos e bandidos. Enquanto o bispo Macedo é classificado como "um homem ousado, responsável por uma grande obra", seu detrator é "o traidor ressentido por ter sido excluído da cúpula da IURD". Na mesma roda, os papéis podem se inverter. Há os que defendem o pastor Carlos Magno como "um exemplo de coragem nas denúncias", ao mesmo tempo que celebram o desprestígio do principal líder da Universal.

PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA - É possível identificar ainda outras duas formas maniqueístas de se enxergar o episódio. Uma delas, entre política e intelectual, coloca a elite brasileira, com a Globo como principal agente, organizada contra os evangélicos - explicação que só faz sentido quando os crentes, ao invés de se associarem aos interesses da classe dominante, procuram posicionar-se em favor dos oprimidos e sem voz, como orienta o livro de Provérbios, capítulo 31, versículos 8 e 9, o que nem sempre acontece. A outra, interessante na intenção, mas limitada na abrangência, identifica evangélicos pela postura, dividindo-os entre éticos ou não. De fato, é de uma miopia quase insana assimilar explicações pouco convincentes sobre a gana por dinheiro demonstrada pela cúpula da IURD nas imagens da fatídica fita de vídeo. Só que a questão não reside apenas na probidade - ou ausência dela - de quem freqüenta os templos. Em artigo publicado na edição de janeiro do jornal A Raiz, o bispo Tico Oscar, líder da Igreja de Nova Vida em São Paulo, lembra que a prioridade da Igreja, antes da necessidade de provar sua honestidade, é cumprir as determinações do Evangelho.

Além do simplismo, o reducionismo também afeta as análises que vêm sendo feitas sobre a guerra Globo x Universal. Muitos falam em perseguição religiosa, esquecendo que, pelo menos por enquanto, apenas um grupo está sob ataque direto. E seria pretensioso demais, inclusive no que diz respeito às práticas eclesiásticas, achar que a IURD representa toda a comunidade evangélica brasileira. Outros falam em perseguição diabólica, mas não lembram da farta munição que muitos crentes, famosos ou não, vêm fornecendo ao inimigo, seja na exploração da boa-fé de milhares ou nos escândalos locais, como adultérios e cheques sem fundo. "O que está havendo, para ser misericordioso, não é perseguição, mas muita imaturidade", afirma o pastor Ariovaldo Ramos. "A perseguição de fato dependerá muito do quanto de atenção, reflexão e arrependimento haverá em meio a isso tudo."

COMBINAÇÃO DE FATORES - A verdade é que cada linha de pensamento tem suas argumentações. Além da santidade que lhe é atribuída, a guerra que travam a Igreja Universal do Reino de Deus e as Organizações Globo é mais complexa, até porque uma análise menos apaixonada demonstra que há mais gente envolvida no conflito. É o resultado da soma de vários fatores, tanto os citados nesta matéria como outros que possam ainda estar por ser revelados, posto que, a cada dia, as partes diretamente envolvidas trazem à tona algo novo. Fato é - e a História comprova - que o Evangelho escandaliza sempre, seja quando é proclamado e vivido de forma genuína ou nas ocasiões em que é utilizado como fachada. No primeiro caso, porque incomoda quem não quer compromisso com o Reino de Deus. No segundo, porque a prática não condiz com o discurso. Nos dois, porque a sociedade sempre reage aos novos fenômenos. Se nem todos os fatos recentes favorecem a Igreja Evangélica brasileira, ao menos comprovam que ela não é mais ignorada.

sábado, 2 de dezembro de 1995

Bateu na trave

Chute na estátua da "santa" atinge evangélicos por tabela

Por Omar de Souza

Carlos Fernandes
A imagem da discórdia, reproduzida à exaustão pela mídia nacional

Um ato de intolerância religiosa foi suficiente para deflagrar uma guerra religiosa que nada tem de santa. Na madrugada do dia 12 de outubro, o bispo Sérgio Von Helde, da Igreja Universal do Reino de Deus, chutou a estátua de Maria Aparecida, padroeira católica, diante das câmeras da TV Record. Os golpes dados pelo bispo podem não ter sido suficientemente fortes para quebrar a imagem, mas produziram uma cadeia de efeitos indiretos que colocaram os evangélicos em situação constrangedora. Como, por exemplo, o bispo Renato Suhett, recém-saído da Igreja Universal, que tenta alugar um local para realizar os cultos da igreja que pretende abrir, e só encontra respostas negativas. E, mais: a Igreja Católica capitalizou as repercussões do episódio a seu favor na tentativa de recuperar o prestígio que vem perdendo no país.

Era tudo o que a mídia afinada com as lideranças católicas precisava. No mesmo dia 12 de outubro, o Jornal Nacional, da Globo, mostrou as cenas do programa em que o bispo Von Helde desafiava uma estátua da santa a mover-se enquanto dava leves golpes com o pé na base da imagem. No dia seguinte, vários jornais estamparam na capa a reprodução da imagem da TV. O teor das matérias era sempre o mesmo, sugerindo que a maioria católica brasileira teria se sentido agredida pelos ataques à figura de Aparecida. Diversos líderes religiosos foram consultados, mas o destaque invariavelmente ia para os bispos católicos. Todos falavam do "insulto à padroeira", porém nenhum deles questionava a imposição de um feriado nacional exclusivamente católico num país onde, pelo menos no texto da Constituição, não há religião oficial.

INQUÉRITO - Enquanto religiosos católicos, como dom Aloísio Lorsheider, cardeal-arcebispo de Aparecida, e dom Eugênio Sales, do RR, apontavam o "fanatismo" do pastor da Universal, a igreja comandada pelo bispo Edir Macedo enfrentava problemas em diversas frentes. O presidente Fernando Henrique Cardoso reprovou a "manifestação de intolerância", ainda que se tenha calado quanto ao apedrejamento de um templo da Universal no bairro de Olaria, subúrbio do Rio, e a invasão de outra igreja, em Brasília, por um grupo de manifestantes supostamente católicos, que agrediu os fiéis. Von Helde - que, comenta-se, vai publicar um livro sobre o episódio - foi convocado a depor em inquérito instaurado pelo delegado do 27° Distrito Policial, no bairro do Aeroporto, em São Paulo, acusado de vilipêndio a objeto de culto. A TV Record, comprada pela Igreja Universal; passou a perder anunciantes e profissionais, inclusive o jornalista Chico Pinheiro, editor-chefe do Jornal da Record. Os donos de cinemas e teatros no Rio se recusam a alugar as salas para a realização dos cultos da igreja do bispo Renato Suhett, alegando que os evangélicos são "incitadores à agressividade". A crise levou o bispo Edir Macedo a colocar sua voz no ar para desculpar-se com os católicos, a esta altura falando pretensiosamente sobre a possibilidade de "perdoar" seus detratores. O pastor Ronaldo Didini, que defendeu a atitude do colega no programa 25ª Hora, foi afastado e enviado para a África do Sul.

O chute do bispo prejudicou, por tabela, a comunidade evangélica brasileira que, mesmo compartilhando o repúdio à adoração de imagens de escultura, não concordou com o ato de intolerância. A cúpula católica, por sua vez, contabilizou os golpes do bispo Von Helde como lucro. Há muito tempo não se via tanto espaço dedicado à igreja romana, a mesma que nunca protestou contra um grupo musical paulista chamado Devotos de Nossa Senhora Aparecida, cujo repertório é pródigo em palavrões e baixarias. A Rede Vida de televisão, controlada pelo clero católico, enxergou na polêmica uma grande oportunidade de pleitear mais verbas e aumentar sua área de alcance, no sentido de "combater as seitas evangélicas".


Extraído Intolerância. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1995, a. 1, ed. 2, p. 48, abr. 1995.

Revista Vinde - Edição 3

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