Evangélica conta tudo o que viu no congresso de Moon
Por Jaqueline Rodrigues

Quando fui convidada a participar do Congresso das Américas em Montevidéu, no Uruguai, já sabia do que se tratava: uma conferência promovida pela Igreja da Unificação - a famosa seita do "reverendo" Moon. Sob o pomposo nome de Revitalizando o Cristianismo Para Unificação das Américas, o evento reuniu cerca de 800 evangélicos brasileiros na capital uruguaia, com todas as despesas de transporte, hospedagem e alimentação custeadas pela organização. Uma proposta extremamente sedutora, aceita com prazer incontestável por dezenas de irmãos que certamente jamais haviam saído de suas cidades, quanto mais para uma viagem internacional. Já no aeroporto, podia-se ter uma idéia do que nos esperava: entre pastores, diáconos e obreiros de diversas denominações que compunham nosso grupo, a expectativa comum era a de aproveitar a viagem ao máximo e, de quebra, ouvir in loco as doutrinas da seita que, num passado recente, foi acusada de promover lavagens cerebrais em seus jovens seguidores.
O vôo até Montevidéu transcorreu na maior normalidade, apenas com alguns episódios curiosos, como o do irmão que, após sua refeição, levantou-se e bateu na barriga, num gesto de satisfação, dizendo para seus companheiros: "Ah, agora sim." Ou de outro passageiro que furtivamente colocou em sua bagagem travesseiros, cobertores e talheres - mas esse, graças a Deus, não era evangélico nem estava conosco.
Uma vez em terra, pudemos ter a primeira impressão do extremo profissionalismo com que o Movimento da Unificação promove estes encontros. Com certeza, se uma das suas intenções é demonstrar organização e opulência, isso foi conseguido rapidamente. Hospedagem em hotéis de ótimo nível - os melhores da cidade, com 4 e 5 estrelas -, traslados em ônibus refrigerados e com guias turísticos, refeições com horas marcadas e inúmeros detalhes que foram previstos com antecedência e executados estritamente conforme o programa. Reunir quase mil brasileiros, conseguir cumprir todos os horários e não registrar nenhum imprevisto sério foi uma façanha que o staff do congresso conseguiu realizar para nossa perplexidade, acostumados que estamos com atrasos, extravios e muita bagunça.
É claro que todos os participantes tinham a curiosidade de ver de perto o famigerado Sun Myung Moon, o coreano de 76 anos que em pouco mais de quatro décadas conseguiu reunir milhões de seguidores em 160 países do mundo. Quando ele surgiu de trás das cortinas, acompanhado pela sra. Hak Ja Han, sua mulher, eu pude perceber o respeito que seus seguidores têm por ele, e até mesmo a emoção que sentem em sua presença. Para o auditório composto por evangélicos, por outro lado, sua aparição causou arrepios. Afinal, estávamos diante daquele que é proclamado por seus discípulos como o Senhor do Segundo Advento, aquele que deverá restaurar a linhagem celestial, tarefa que, para eles, não foi cumprida por Adão e Jesus, seus supostos precursores. "Isto é uma heresia", comentou alguém atrás de mim, enquanto outro espectador murmurava lá de trás: "Misericórdia!" Enquanto isso, Moon discursava em seu idioma - que às vezes dá a impressão de que o falante está brigando com os interlocutores. Ouvi-lo dizer que Jesus teria fracassado em sua missão foi muito duro para mim e não pude esconder de ninguém que estava chorando, pois eu sentava na primeira fila. Frente a frente com o herege.
Além do líder, vários outros pastores da seita fizeram conferências, que na verdade eram monólogos que tínhamos de ouvir calados. Um dos organizadores até nos tripudiou, dizendo que tinham nos trazido até ali, oferecendo-nos do bom e do melhor, para que fizéssemos nossa parte que era apenas escutá-los. Somente no final de cada palestra, era aberto um tempo de poucos minutos para perguntas - que, aliás, eram respondidas como melhor lhes conviesse. Se alguém se animasse a contestar, ouvia como resposta que era assim que eles criam e acabou-se. O tempo só esquentou quando um pastor discutiu com um conferencista e mandou-o calar a boca. Nesse momento, formou-se um bolo de gente na minha frente, o palestrante foi afastado e muitos evangélicos condenaram a atitude do pastor. Algo assim como uma briga entre irmãos. Isso motivou mais um discurso que tivemos que ouvir sobre educação, boas maneiras etc. Como crianças de uma escola interna que precisam seguir as rígidas regras de disciplina de seus tios e tias. Lamentável constatar que, na verdade, o que os organizadores queriam mesmo era comprar o nosso silêncio.
Mas quem foi apenas em busca de turismo não decepcionou-se. Além da hospedagem em hotéis confortáveis, tínhamos todas as noites jantares em uma aprazível estância-fazenda chamada La Redención, para onde éramos transportados em modernos ônibus refrigerados. Lá, tínhamos oportunidade de conversar com os outros irmãos, ouvir histórias e algumas pérolas, como a de uma irmã que dizia estar clamando a Deus para pesar a mão sobre os hereges, enquanto saboreava a comida oferecida por eles mesmos. Nesses jantares, os organizadores programaram números musicais, com cantores evangélicos que aproveitaram a oportunidade para soltar a voz - além, é claro, de vender uns disquinhos e agendar apresentações.
Na véspera de - nossa partida, fomos brindados com um passeio a Punta del Este, para conhecer o mais famoso balneário uruguaio. Nesse clima mais descontraído, pudemos trocar impressões sobre tudo o que tínhamos visto e ouvido. Conversei com uma pessoa que ficou mais tranqüila quando eu lhe disse que estava achando um absurdo as doutrinas de Moon. Ela me confidenciou que tinha pensado que eu era um de seus discípulos e estaria infiltrada entre os irmãos. Ser confundida com uma espiã de Moon foi menos chocante do que perceber, aqui e ali, alguns evangélicos comentando que as coisas faladas não eram tão feias assim e que talvez até fosse possível trabalhar junto com eles. Tive a impressão de que o ecumenismo defendido pelos adeptos do Movimento da Unificação não é uma coisa tão utópica quanto parece. E que, lamentavalmente, alguns crentes estão se deixando levar por aquele canto da sereia. Nem que para isso seja preciso levá-los para um outro país e sustentá-los por uma semana. É assim que se adestram as consciências.
Extraído Denúncia. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 18-19, abr. 1996.