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sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

O clarão de fé que incomoda o poder

A Fábrica de Esperança completa seu primeiro aniversário sob as trevas da difamação

Por Marcelo Dutra

Carlos Fernandes
A Fábrica de Esperança foi idealizado pelo Rev. Caio Fábio

No meio do quadro sombrio de violência e miséria que vem sendo pintado da cidade do Rio de Janeiro, um facho de luz se sobressai, acenando com a perspectiva de recuperação dos princípios de dignidade, tal como as cidades-refúgios dos tempos do Velho Testamento. Um dos mais ousados projetos sociais da América Latina passou a significar uma expressiva diferença na qualidade de vida de 180 mil habitantes do complexo de Acari, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que está entre os cinco maiores bolsões de violência e miséria do mundo. Debaixo de calúnias dos governantes do Rio, a Fábrica de Esperança festeja seu primeiro aniversário no dia 17 de dezembro, prestando serviços através de 17 projetos comunitários que beneficiam cerca de 200 pessoas por mês com atendimento médico, odontológico e jurídico, sem falar nos diversos cursos profissionalizantes. O sonho de cidadania, que parecia impossível, vira realidade, levando ao pé da letra a afirmação do apóstolo Paulo de que "agora permanecem a fé, a esperança e o amor" (1 Coríntios 13:13).

Para o idealizador da Fábrica de Esperança, reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, 40 anos, que sempre bifurcou seu ministério em evangelização e ação social, é difícil falar de Deus a quem não tem acesso a coisas básicas, como três refeições diárias. "Como pregar o Evangelho para um sujeito que não consegue raciocinar direito e está no limite da resistência humana? É preciso que esta pessoa veja o amor de Deus na prática; só então vamos poder falar de graça e misericórdia", argumenta. Com este propósito, o reverendo fundou a organização não-governamental Vinde (Visão Nacional de Evangelização) que, após 15 anos de atividades, adquiriu maturidade para encarar o desafio de aceitar a oferta dos empresários paulistas Alípio Gusmão e Salo Seibel, proprietários da antiga Formiplac. Os sócios - um presbiteriano e outro judeu - consideraram inviável a retomada das atividades da fábrica após um incêndio que destruiu a quase totalidade das instalações, em 1992.

Carlos Fernandes
A Fábrica de Esperança recebe investimentos
de Viviane Senna (acima) para escola de
informática (abaixo)

PARCERIAS - Foi então que surgiu a idéia de transformar os 55 mil metros quadrados da Formiplac num manancial de bênçãos para os habitantes das 16 favelas que formam o complexo de Acari, região geograficamente exduída dos benefícios sociais, na definição do jornalista Zuenir Ventura em seu livro Cidade Partida. O primeiro obstáculo a nublar o sonho do reverendo Caio Fábio foi a falta de dinheiro. A Vinde, que é mantida por doações voluntárias, não poderia bancar sozinha um projeto daquelas proporções. A solução foi partir para o sistema de parcerias.

Carlos Fernandes

A Xerox do Brasil foi a primeira empresa privada a assinar contratos com a Fábrica, investindo em escolas de treinamento técnico e oficinas profissionalizantes. Recentemente, inaugurou um projeto orçado em 60 mil dólares para treinar e capacitar adolescentes e adultos no desmonte e recuperação de máquinas copiadoras. O Instituto Ayrton Senna investirá, nos próximos três anos, cerca de 210 mil dólares na escola de informática. Atualmente funcionam três laboratórios de informática com cerca de 560 alunos. Para Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna e irmã do piloto brasileiro morto em maio do ano passado, estes cursos são importantes porque dão oportunidade de trabalho aos adolescentes que só seriam engraxates, catadores de papel, camelôs ou até mesmo aviões do tráfico.

Outra parceira de expressão é a indústria de refrigerantes Pepsi. A idéia é simples: a Vinde fica responsável pela venda dos refrigerantes desta marca em igrejas evangélicas cadastradas e parte do lucro é repassada à Fábrica de Esperança. Dezenas de outras parcerias oferecem uma série de oficinas que vão desde cursos de sapateiro e cabeleireiro até o de teatro. Uma creche abriga 50 crianças da comunidade, que tem a terça parte de seus habitantes formada por meninos e meninas de zero a 14 anos.

Carlos Fernandes
Adolescentes trocam a ociosidade na favela por
treinamento nas oficinas profissionalizantes da Xerox

Vários segmentos do setor empresarial estão atentos aos progressos do empreendimento social da Vinde e mostram-se interessados em participar. Em reunião da Câmara de Comércio Americana para o Brasil, no Rio, em outubro, o empresário Sérgio Andrade de Carvalho, construtor de shopping centers do porte do Nova América Factory Shopping, no Rio, manifestou seu contentamento com o trabalho feito pela Fábrica de Esperança. "O mais difícil para um empresário é ter o equilíbrio entre o sonho e o poder de realização, e o reverendo Caio Fábio tem isto 'na medida cerca", elogiou o empresário engajado em obras sociais no Rio.

Motivos para comemorar o primeiro aniversário não faltam. A meta é de que 70 serviços estejam na linha de montagem da Fábrica dentro dos próximos três anos. "Se é para concretizar a esperança, as parcerias são bem-vindas", sinaliza a supervisora geral da Fábrica, Cristina Christiano. No dia 18 de dezembro, um culto em ação de graças reunirá pastores, empresários, funcionários e jornalistas nas dependências da Fábrica de Esperança. Mas a festa mesmo é dos cidadãos de Acari.

Os telefones da esperança A partir de agora todas as doações à Fábrica poderão ser abatidas no Imposto de Renda. As doações podem ser feitas através do sistema automático Disque-Esperança.

  • Disque 0900-7850-05 para doar RS 5
  • Disque 0900-7850-10 para doar RS 10
  • Disque 0900-7850-20 para doar R$ 20
Carlos Fernandes
Fernando Henrique assinou decreto
transformando a Fábrica de Esperança
em empresa de utilidade pública federal

Utilidade pública federal e estadual Júlio Cézar de Souza tem 13 anos e mora com o pai, a madrasta e mais quatro irmãos na favela Parque União, próxima a Acari. Trabalhava como ajudante de pedreiro para reforçar o orçamento doméstico, mas agora é um dos alunos do curso de informática da Fábrica de Esperança e sonha em ser digitador. "Estou tentando melhorar de vida, talvez consiga arrumar um bom emprego no futuro", diz.

A Fábrica de Esperança é um oásis na vida de milhares de famílias, sobretudo por levar a mensagem do Evangelho àqueles desfavorecidos pela sociedade. Tem feito isto seguindo um antigo, mas atualíssimo conselho de Jesus no sermão do Monte das Oliveiras: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Deus que está nos céus." Na área social, a Fábrica vem se tornando uma referência na batalha pela recuperação do conceito de cidadania. Além de um tribunal de pequenas causas, que já está em funcionamento, ela conta com o Centro Comunitário de Defesa da Cidadania. Só no mês de setembro, o CCDC contabilizou 6 mil atendimentos, providenciando documentos como certidões de nascimento, carteiras de identidade e certificados de óbito.

Recentemente, a Fábrica de Esperança recebeu um grande incentivo para seu sustento. No dia 23 de agosto, o presidente Fernando Henrique assinou um decreto considerando-a de utilidade pública federal. Em seguida foi a vez do governador do Rio, Marcello Alencar, sancionar projeto de lei dedarando-a entidade de utilidade pública estadual. Os atos permitem à Fábrica receber incentivos financeiros dos governos federal e estadual, além da concessão de subvenções para cobrir despesas de custeio.

Extraído Solidariedade. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1995, a. 1, ed. 2, p. 53-54, dez. 1995.

O Brasil da vitrine

Por Délis Ortiz


"EL MANGO! EL MANGO!", gritavam algumas senhoras. Elas se acotovelavam entre os curiosos em busca de um bom ângulo para ver passar a recordação viva, também grisalha, dos tempos de estudante. Era o presidente Fernando Henrique Cardoso nas ruas de Caracas. Quase 30 anos separam o professor galã do que hoje os castelhanos chamam de Líder latino-americano. Lido e relido, nos idos de 68, na revolta dos estudantes, o sociólogo inebria também as platéias na Europa. Em Berlim, arranca lágrimas dos velhos companheiros de teses e deixa boquiaberta a juventude com a postulação de que a sociedade, fragmentada nos interesses, precisa de um líder sensível à real necessidade coletiva, capaz de aglutinar forças em busca do objetivo comum. Alemães, franceses, ingleses, todos aplaudem. O presidente conquista, pelo menos, um bom espaço na mídia internacional. Arranca manchetes como "o mais importante presidente da história do Brasil". O País visto lá de fora, por onde passa o presidente, não tem a mesma cara do Nordeste, da periferia, dos sem-terra, da violência. É a economia emergente, o terreno fértil para investimentos, o campo aberto para bons negócios. Para cada bilhão de dólares que os estrangeiros apostarem no Brasil, pelo menos cinco bilhões voltarão para os seus bolsos.

Neste ou noutro hemisfério, o tratamento é o mesmo dispensado aos mais importantes chefes de Estado do planeta. Charmoso, poliglota, diplomata nato. Com certeza, porém, não são pelos belos olhos do tucano que o mundo lhe estende o tapete vermelho. A pompa cinco estrelas ostentada em Frankfurt para o visitante era, na verdade, para a Amazônia, para o fim dos monopólios, para o mercado que ele representa. Mas de que adianta ser bem representado lá fora? Qual o retorno para o cidadão que ficou na corda bamba do emprego, equilibrando o orçamento apertado? Parece um país de duas caras. A do paraíso para investidores estrangeiros e purgatório para os nativos.

São, na verdade, dois mundos. O econômico, sem fronteiras, e o social, absolutamente compartimentado. No primeiro, apenas um elo une qualquer um a qualquer parte - o dinheiro. No segundo, o do perdido é exatamente o responsável pelo distanciamento nas relações - a miséria. E na balança humana, que falta numa bandeja é justo o que sobeja noutra. Para um pretendente a líder, a guerra é essa: a busca do equilíbrio.

Fernando Henrique conquistou o cenário internacional
frequentado por lideres como o presidente Bóris Yeltsin

Nada do que FHC acenou lá fora teve efeito imediato aqui dentro. Isto leva tempo. É coisa para Fazer diferença só a partir do ano 2000. Nossa miséria con-tinua nossa. Bilhões de dólares vão entrar, milhões de brasileiros vão morrer, doentes, famintos, mal-educados. É a velha história da água que corre para o mar. Outro dia, no proselitismo capitalista, um grande empresário me perguntou: "Você sabia que um lingote de alumínio custa 40% mais barato que o pãozinho de 50 gramas? É um absurdo", reclamou. Não resisti e retruquei: "O senhor sabia que ninguém come lingote de alumínio?" Não vi reação. Os dois mundos, do dinheiro e da miséria, ignoram um ao outro. Cegos, não percebem o risco de serem engolidos um pelo outro.

A esperança nos faz apostar que há de fazer diferença, sim, a entrada de capitais. Pelo menos empregos, salários, progresso e competitividade hão de vir juntos. Os exemplos vizinhos nos fazem temer a modernidade. É o grande dilema do século - a alta tecnologia versus recursos humanos. Os impérios econômicos se lançam em busca da eficiência, qualidade e baixo custo. Substituem seus homens por computadores e robôs. Os imperadores políticos se descabelam, ou pelo menos deveriam, em busca de solução para os desempregados da modernidade.

Cada viagem de FHC ao primeiro mundo é como uma volta ao futuro. FHC é um privilegiado. Pode ver o direito e o avesso das questões. Se não resumir os encontros diplomáticos e comerciais a sessões de exibicionismo. Se não perder de vista a realidade além dos tapetes. Se insistir na equação social. Os giros de FHC pelos continentes hão de ser uma bênção, para de e para nós. Se para cada decolagem houver uma aterrisagem consciente. Que FHC dê vôos ainda mais altos, mas que carregue o Brasil real nas asas desse Boeing. Os candidatos a passageiros dessa esperança só precisam embarcar pela fé.

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Délis Ortiz é jornalista, repórter de Política da Rede Globo de Televisão e membro da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.

Revista Vinde - Edição 3

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