Chute na estátua da "santa" atinge evangélicos por tabela
Por Omar de Souza
![Carlos Fernandes](https://images2.imgbox.com/e7/30/3Hih8oYp_o.png)
Um ato de intolerância religiosa foi suficiente para deflagrar uma guerra religiosa que nada tem de santa. Na madrugada do dia 12 de outubro, o bispo Sérgio Von Helde, da Igreja Universal do Reino de Deus, chutou a estátua de Maria Aparecida, padroeira católica, diante das câmeras da TV Record. Os golpes dados pelo bispo podem não ter sido suficientemente fortes para quebrar a imagem, mas produziram uma cadeia de efeitos indiretos que colocaram os evangélicos em situação constrangedora. Como, por exemplo, o bispo Renato Suhett, recém-saído da Igreja Universal, que tenta alugar um local para realizar os cultos da igreja que pretende abrir, e só encontra respostas negativas. E, mais: a Igreja Católica capitalizou as repercussões do episódio a seu favor na tentativa de recuperar o prestígio que vem perdendo no país.
Era tudo o que a mídia afinada com as lideranças católicas precisava. No mesmo dia 12 de outubro, o Jornal Nacional, da Globo, mostrou as cenas do programa em que o bispo Von Helde desafiava uma estátua da santa a mover-se enquanto dava leves golpes com o pé na base da imagem. No dia seguinte, vários jornais estamparam na capa a reprodução da imagem da TV. O teor das matérias era sempre o mesmo, sugerindo que a maioria católica brasileira teria se sentido agredida pelos ataques à figura de Aparecida. Diversos líderes religiosos foram consultados, mas o destaque invariavelmente ia para os bispos católicos. Todos falavam do "insulto à padroeira", porém nenhum deles questionava a imposição de um feriado nacional exclusivamente católico num país onde, pelo menos no texto da Constituição, não há religião oficial.
INQUÉRITO - Enquanto religiosos católicos, como dom Aloísio Lorsheider, cardeal-arcebispo de Aparecida, e dom Eugênio Sales, do RR, apontavam o "fanatismo" do pastor da Universal, a igreja comandada pelo bispo Edir Macedo enfrentava problemas em diversas frentes. O presidente Fernando Henrique Cardoso reprovou a "manifestação de intolerância", ainda que se tenha calado quanto ao apedrejamento de um templo da Universal no bairro de Olaria, subúrbio do Rio, e a invasão de outra igreja, em Brasília, por um grupo de manifestantes supostamente católicos, que agrediu os fiéis. Von Helde - que, comenta-se, vai publicar um livro sobre o episódio - foi convocado a depor em inquérito instaurado pelo delegado do 27° Distrito Policial, no bairro do Aeroporto, em São Paulo, acusado de vilipêndio a objeto de culto. A TV Record, comprada pela Igreja Universal; passou a perder anunciantes e profissionais, inclusive o jornalista Chico Pinheiro, editor-chefe do Jornal da Record. Os donos de cinemas e teatros no Rio se recusam a alugar as salas para a realização dos cultos da igreja do bispo Renato Suhett, alegando que os evangélicos são "incitadores à agressividade". A crise levou o bispo Edir Macedo a colocar sua voz no ar para desculpar-se com os católicos, a esta altura falando pretensiosamente sobre a possibilidade de "perdoar" seus detratores. O pastor Ronaldo Didini, que defendeu a atitude do colega no programa 25ª Hora, foi afastado e enviado para a África do Sul.
O chute do bispo prejudicou, por tabela, a comunidade evangélica brasileira que, mesmo compartilhando o repúdio à adoração de imagens de escultura, não concordou com o ato de intolerância. A cúpula católica, por sua vez, contabilizou os golpes do bispo Von Helde como lucro. Há muito tempo não se via tanto espaço dedicado à igreja romana, a mesma que nunca protestou contra um grupo musical paulista chamado Devotos de Nossa Senhora Aparecida, cujo repertório é pródigo em palavrões e baixarias. A Rede Vida de televisão, controlada pelo clero católico, enxergou na polêmica uma grande oportunidade de pleitear mais verbas e aumentar sua área de alcance, no sentido de "combater as seitas evangélicas".
Extraído Intolerância. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1995, a. 1, ed. 2, p. 48, abr. 1995.