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terça-feira, 2 de janeiro de 1996

Sós, mas muito bem acompanhados

Crescem nas igrejas os grupos de descasados, solteiros e viúvos

Por Maristela Velloso

O Grupo Grão, da Igreja Betânia oferece aos
"solitários" lazer, reuniões de oração e, às vezes,
até a chance de formar um par

Não é reunião de encalhados, grupo de complicados, nem agência de matrimônio. Mas, verdade seja dita, é mais ou menos assim que os preconceituosos de plantão costumam olhar um movimento muito recente, que cresce a cada dia em igrejas de várias denominações. Grupos de sós, de convívio, de amizade, de ajuda... o nome pode variar, mas a idéia é a mesma: reunir adultos solteiros, descasados e viúvos, que já não se identificam com o pessoal mais jovem, estão obviamente excluídos dos grupos de casais e, no caso das mulheres, também não se encaixam no perfil das senhoras.

A novidade tem motivos óbvios. Antes, a grande maioria das pessoas casava com menos de 30 anos de idade e o número de divorciados de qualquer igreja não dava nem para compor uma turma de escola dominical. Hoje, deixou de ser incomum passar dos trinta sem casar. E, independentemente de qualquer análise sócio-teológica sobre o assunto, não se pode ignorar que o panorama familiar do mundo inteiro foi radicalmente alterado. Segundo o IBGE, em cada cinco famílias brasileiras, uma é chefiada por mulher. E quando chegam à igreja, onde esses diferentes todos vão congregar?

NECESSIDADE - Movidos pela mesma necessidade, surgiram, nos últimos anos, diversos grupos de sós. Ou, como se intitula o Grupo Grão, da Igreja Betânia, em Niterói, grupos de jovens há mais tempo. Essa é, na verdade, uma brincadeira dos próprios fundadores, que estavam na faixa dos 25 aos 35 anos, em 1992, mas reconheceram que era preciso criar um novo espaço para quem já não transitava confortavelmente entre os companheiros de Mocidade, o grupo jovem da igreja.

Naturalmente, o que se pretende não é uma separação absoluta, contrária à comunhão do corpo de Cristo. Mas há estudos, programas e lazer específicos para cada contexto de vida. Basicamente, a rotina dos grupos inclui reuniões de oração, estudos bíblicos, vigílias, encontros terapêuticos - onde todos falam sobre suas questões pessoais - noites de arte, passeios, churrascos, caminhadas ecológicas e retiros. A idéia é promover um espaço próprio para pessoas maduras, que precisam de cura, apoio, liberdade e lazer saudável, em companhia de semelhantes. E, principalmente, onde também se possa encontrar ajuda quando a barra pesar.

No ano passado, Eva Maximino, por exemplo, então com 44 anos de idade e 25 de casada, se viu sozinha diante do dilema da separação. Sem saber com quem compartilhar sua dor, ela procurou um grupos de ajuda do N.A (Neuróticos Anônimos). "Fiquei dois meses trancada em casa. É horrível", relembra Eva, para quem foi determinante encontrar pessoas que estavam no mesmo barco. Passada a tempestade, ela se reconciliou com o marido e guardou no coração o desejo de levar a experiência para dentro de sua igreja, em Cuiabá. "Além da ajuda de uns aos outros, seriam vários descasados juntos, buscando a ajuda de Cristo", imaginou. A conscientização de Eva gerou o Renascer, da Igreja Batista Nacional de Araés, hoje coordenado por Elizabeth Paulo Cavalcanti, comerciante, 44 anos, desquitada. Diferente do Grão, o Renascer é essencialmente voltado' para a comunhão de pessoas descasadas. O evento de estréia aconteceu em abril, sob o título I Encontro de Koinonia. Foi um sucesso, mas Elizabeth admite que precisa lidar com o preconceito das pessoas: "Todo mundo pensa que nosso alvo é promover encontros amorosos", ela diz.

Sobre essa questão, é bastante objetiva a visão da psicóloga Zenilda Machado da Silva, que está à frente do Grupo de Edificação e Amizade, na Igreja Presbiteriana de Vila Mariana, em São Paulo: "A finalidade não é essa, mas se acontecer, glórias a Deus; todos nós estamos em busca de alguém com quem tenhamos afinidades". Zenilda não quis identificar o casal, mas garante que, desde que foi fundado, há dois anos, o GEA já deu um fruto: "Eles estão namorando e tudo indica que vão se casar".

A maioria dos grupos não tem casos semelhantes para relatar e é curioso perceber os motivos. Primeiro, quem passa a ser casal deixa de ser só e perde a afinidade com os outros. Segundo, há muito mais mulheres do que homens em todas as igrejas.

MAIS MULHERES - O psiquiatra e psicoterapeuta Frederico Vasconcelos - 43 anos, casado e pai de cinco filhos - convi-dado a coordenar os estudos no último retiro do Grão, inclui um dado interessante entre as explicações mais comuns: "Tem mais mulheres nas igrejas porque elas são realmente mais sensíveis e voltadas para a questão espiritual, mas é preciso admitir que também existe preconceito inverso; elas costumam achar que, depois de uma certa idade, se os homens estão disponíveis é porque são desqualificados". De qualquer forma, não dá para ignorai- que é muito mais fácil ver mulheres falando de suas fraquezas e que pouquíssimos homens se separam sem outro relacionamento engatilhado.

Frederico ressalta, ainda, que é funda-mental superar o auto-preconceito. Segundo ele, lidar com o olhar crítico dos outros é menos complexo, porque a opinião alheia pode mudar conforme as circunstâncias. Mas quando não há mudança interior, a pessoa acaba aprisionada pela visão que tem de si mesma. "Sofremos muitas desilusões, o sonho acabou, mas está na hora de refazermos o sonho na perspectiva cristã", recomenda o psiquiatra a todos aqueles que, na sua opinião, podem estar "estreitados pelos próprios afetos".

Não é à-toa que, embora distantes e sem contato nenhum, os grupos de sós têm perfis muito semelhantes e caminham mais ou menos na mesma direção. Na falta de um pastor que se disponha a cuidar do trabalho, essas ()velhinhas machucad4s acabam achando sombra nas pastagens de psicólogos, psiquiatras e demais interessados no bem-estar da alma. Mas, segundo o reverendo Eduardo Rosa Pedreira, da Igreja Presbiteriana da Gávea, no Rio, aqueles que se encontram nessa condição não devem se enganar, esperando que alguém se interesse por seu caso. "Precisamos admitir que a Igreja é uma comunidade essencialmente familiar, que não dá muito espaço para separados. Essas próprias pessoas devem buscar uma solução, como estão buscando e, nessa atitude, já começarem a vencer os preconceitos", sentencia.

O grupo Oásis, do Rio de Janeiro, já existe há seis anos e, além de promover encontros sociais, realiza obras assistenciais

CELIBATO - O reverendo Eduardo, casado, 31 anos, cuida pessoalmente dos estudos do Grupo Ágape, formado há sete meses por iniciativa de Denise Luna, uma professora de inglês de 39 anos que se separou há três e estava prestes a abandonar a igreja. "Tem umas alas evan-gélicas muito xiitas por aí, que acham que a pessoa separada deve viver no celibato", denuncia. Como não conse-guia compreender sozinha a orientação que a Bíblia oferece a este respeito, ela propôs ao reverendo Eduardo que fosse criado o grupo, também no sentido de que as pessoas dessa faixa de idade pudessem se reunir em outras atividades sociais. "Só fazem programas para crianças, jovens e casais?", questiona. Procurada por VINDE, Denise não hesitou em aproveitar a oportunidade para sugerir que a Visão Nacional de Evangelização organize um grande evento para os não casados de todo o Brasil. Está aí uma boa idéia. Ainda não se sabe de nenhum seminário ou congresso que reúna pessoas ou grupos de cidades diferentes, mas há terapeutas que vêm, há algum tempo, se dedicando à restauração de pessoas com dificuldades existenciais, decorrentes de perdas afetivas, sepa-rações, divórcios ou vida soltitária. Como o casal de psicólogos Ageu Heringer Lisboa e Margarete Bonucelli, de São Paulo, e a psicóloga Fátima Fontes, de Recife, que estão à frente do Projeto Re-Destinação. Eles são psico-dramatistas e trabalham com grupos de, no máximo, 50 pessoas, fazendo encontros semanais durante um período de aproximadamente quatro meses; um tempo em que homens e mulheres experimentam um processo de vivência terapêutica e encontram oportunidade para mergulhar na auto-compreensão e descoberta do outro.

"Não é bom que o homem viva só"

São os seguintes contatos com os grupos de sós:

RIO DE JANEIRO:
Grupo Oásis - Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro tel. 021 262 2330
reuniões aos domingos, às 17h, na Catedral

Grupo Ágape - Igreja Presbiteriana da Gávea rel. 021 274 3148
encontros toda primeira sexta-feira do mês, às 20h

Grupo Grão - Igreja Presbiteriana Betânia, de Niterói tel. 021 711 7539,
reuniões de oração toda quarta-feira e um evento mensal, divulgado em boletim

SÃO PAULO:
Grupo de Edificação e Amizade - Igreja Presbiteriana de Vila Mariana,
encontros uma vez por mês, contatos com Zenilda Machado tel. 011 524 4651

Ageu Heringer Lisboa e Margarete Bonuccelli - Psicólogos e psicodramatistas,
coordenadores de encontros do Projeto Re-Destinação tel. 011 570 5475

RECIFE:
Fátima Fontes - Psicóloga e Psicodramatista tel. 081 241 7517

CUIABÁ:
Grupo Renascer - Igreja Batista Nacional de Araés contatos com Elizabeth Cavalcanti tel. 065 621 3445

Fátima Fontes, psicóloga de Recife, criou
uma classe de escola dominical para sós

A possibilidade de atuarem juntos em alguma frente de ação social também é uma tendência forte entre os grupos. Ainda que estejam precisando curar feridas e memórias, adultos solteiros, descasados e viúvos costumam ter compromisso e disposição para servir. É o que vem demonstrando o pioneiro Grupo Oásis, que existe há seis anos na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, liderado por Elza Barbosa Pimentel, aposentada, 58 anos. A faixa de idade da maioria dos integrantes do grupo é ligeiramente mais elevada do que a dos outros - varia entre 40 e 55 anos -, mas o "fenômeno 20% de homens e 80% de mulheres" se repete. Elza acha normal: "Só nos bares e estádios de futebol é que não é assim", brinca.

Eles seguem a todo vapor. Encontram-se várias vezes por semana, fazem eventos sociais e culturais regularmente e são presença certa na Madrugada do Carinho, que leva comida, roupas e cuidados higiênicos aos desabrigados toda sexta-feira à noite, em parceria com igrejas batistas. Elza tem orgulho em destacar: "O reverendo Guilhermino Cunha já disse que tudo o que o Oásis faz é bem sucedido". Este, aliás, é um aspecto predominante na vivência dos sós que começam a se organizar dentro das igrejas. A princípio, soam exóticos e polêmicos. Mas essa natureza marginal é justamente o que os torna simpáticos. "O que me atraiu ao grupo foi a liberdade; ninguém precisa ser nada para entrar", observa Elizabeth Albuquerque, aeroviária, solteira, 36 anos, recém-chegada ao Grão. Apesar de solteiro e perfeitamente adequado à Mocidade da Betânia, o engenheiro Ricardo Fonseca, 29 anos, também preferiu estar com os polêmicos: "É uma questão de afinidade", diz.

Casais e crianças também acabam atraídos pela atmosfera de liberdade e aceitação do trabalho. Antônio Fernando e Regina Araújo, de 36 e 32 anos, têm duas filhas pequenas, um casamento estável e todas as condições próprias para ingresso no grupo de casais. Mas são assíduos frequentadores do Grão e, curiosamente, até o momento de responderem sobre o assunto, nem tinham percebido que poderiam estar participando de um grupo de sós. "O que nós sentimos é que estão todos buscando maturidade", revelam.

A observação procede, mas não é unânime. Até que se atente para a seriedade, a profundidade e a beleza do termo congregar, muitas iniciativas terão que ultrapassar a barreira do preconceito. Há dois anos, a psicóloga Fátima Fontes, casada, 37 anos, criou uma classe de escola dominical especial para sós, na Igreja Batista Emanuel, na Boa Viagem, em Recife. "Encheu de mulher, chamaram de classe de velho e o pastor, que era solteiro, não apareceu", ela conta. Na condição de estudante da alma humana, FátiMa entende que o que Deus quer é que tenhamos, antes de tudo, uma vida plena: "Minguem está fazendo apologia da solidão; a Bíblia mesmo fala que 'é melhor serem dois do que um' (Ec. 4:9), mas precisamos assumir as nossas histórias. Não vamos esquecer que Jesus foi um solteiro".

Aproveitando o assunto, vale citar: para o escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850) autor de quase cem romances e criador de pelo menos 2000 personagens, "cada idade tem a sua juventude". Para o Autor da vida e Criador de todas as coisas, "tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu" (Ec,3:1).1v4

Noviça Rebelde, não!

Maristela Velloso

Maristela Veloso, jornalista,
34 anos, divorciada, uma filha,
faz parte do grupo Grão

O Grão foi criado a partir da conscientização de um grupo de pessoas jovens, mas que já não se identificavam com as atividades dos mais novos e queriam um espaço próprio. Não era uma questão de idade, mas de universo de interesses. Na brincadeira, a gente costumava dizer que não dava mais para ficar vendo A Novica Rebelde todo fim de semana. Por outro lado, os adolescentes mais velhos se recusavam a passar para a chamada Mocidade porque não queriam andar com os amigos de seus pais a turma do papo cabeça. Assim nasceu o Grão, cujo nome - idéia de Léa Saltes, uma das integrantes - refere-se ao grão de mostarda que "cresce, se torna maior que todas as hortaliças e deita grandes ramos a ponto de as aves dos céus poderem aninhar-se à sua sombra" (Mc.4:32).

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...