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sexta-feira, 5 de janeiro de 1996

A religião do mundo

Por Ciro Fernandes D'Araújo

O que vemos no século 20 é um mundo dominado por uma nova e poderosa religião. São construções que se levantam até o céu, superando em muito os templos, santuários, igrejas e mesquitas antigas. Dentro destas novas. catedrais predomina um espírito sério, ascético, e uma atmosfera contrita. Os padrões arquitetônicos apregoam uma nova confissão de fé. Também dentro desses santuários vemos miríades de pessoas sentadas diante de telas, observando a formação de imagens e desenhos que inspiram uma reação tecno-mágica. Estas pessoas interagem com uma realidade metafísica simplesmente pressionando botões, numa liturgia que faz lembrar a ordem e o silêncio dos mosteiros.

Podemos encontrar esses templos nos mais diversos lugares do mundo: Nova Iorque, Tóquio, São Paulo, Londres, Moscou. Cairo. Em qualquer país encontramos tais estruturas que definem a mais universal de todas as religiões. É possível perceber também a grande semelhança na arquitetura, nas vestimentas rituais dos sacerdotes e, especialmente, na mesma confissão de fé proclamada por todos: "Por si só, o dinheiro move o mundo" (Publilius Syrus, séc. I a.C.). O dinheiro assumiu em nossa sociedade muitas das características antes reservadas às religiões. Ele congrega as mais diversas partes do mundo numa mesma fé e sistema de julgamento mútuo. Ele exige grande fé e um conjunto de sacerdotes que executem rituais e sacramentos incompreensíveis aos meros leigos. Seus missionários (banqueiros e corretores) levam a fé aos lugares mais remotos do planeta, procurando pregar a todas as nações a mensagem em que crêem: a fé no crédito, nas taxas de juros, e no sagradíssimo demonstrativo de resultados. Os avaliadores de crédito e gerentes de bancos são os guardiões de segredos e de confissões indevassáveis.

Até mesmo aos termos consagrados milenarmente pelas religiões se emprestou novos significados. Redenção passou a significar resgate futuro de um título emitido. Credo tomou o significado de crédito. Perdão releva dívida que se tornou um grande pecado. Milagre se tornou um crescimento econômico brusco e inesperado. Essa religião tem uma credibilidade que o cristianismo, o budismo ou o islamismo nunca tiveram. Ela se baseia totalmente no raciocínio. Todos os seus rituais são explicados por um sistema de fé baseado apenas na razão humana. Sua teologia leva um novo nome: Economia.

"O dinheiro assumiu em nossa sociedade muitas das características antes reservadas às religiões"

Banqueiros e economistas assumem o papel dos pregadores, que em suas mensagens pintam o dinheiro como aquele que resolve todos os problemas e o instrumento central do bom, belo e certo. Cada vez mais, o credo religioso tem-se unificado, afirmando sua vitória sobre as heresias regionalistas. Vemos também a chegada de uma nova dispensação que trouxe o fim da Grande Inquisição dos tempos modernos, com sua suprema blasfêmia pronunciada contra a natureza divina do dinheiro: a heresia marxista. O poder e o mistério desta nova religião aumentaram com a universalização e a integração dos mercados de capital mundiais. Houve a crescente separação entre o dinheiro e o comércio de bens e criou-se uma geração de mestres gurus, entendidos na nova liturgia das finanças, enquanto se levantam profetas do apocalipse que afirmam terem visões das calamidades finais.

Desde suas origens, o dinheiro sempre esteve associado à religião. As primeiras moedas têm sua raiz no templo. A própria palavra moneta era o epíteto da deusa Juno (Hera), em cujos templos os romanos cunhavam suas moedas. As unidades monetárias mais simples eram o sal, as conchas, as pedras ou os dentes de animais, a que se atribuíam poderes especiais e metafísicos.

A invenção do dinheiro como meio de troca permitiu a grande expansão da produção mundial, através da divisão social do trabalho e da produção. Entretanto, o dinheiro adquiriu um novo atributo, que seus sacerdotes chamam "armazenamento de valor". Com tal salto divino, ele se tornou objeto de uma veneração ainda maior, pois se tornou sacramento do poder. O ouro, utilizado em templos desde os mais remotos tempos, se tornou o supremo receptáculo de riqueza e a mais sagrada relíquia desta nova religião. Quem possui tal graça está salvo da perdição deste tempo.

À medida que o poder do dinheiro cresceu, a maioria dos ensinamentos religiosos passou a advertir quanto ao poder corruptor que este ente espiritual possui. O verdadeiro Deus detesta idolatria e, com relação ao deus-dinheiro, ninguém foi mais explícito na denúncia de seu poder espiritual do que Jesus. Ao dizer que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no céu, Jesus afirmava a força perniciosa que o culto ao dinheiro provoca. Todavia, a própria igreja caiu na idolatria deste novo deus e mergulhou fundo em seu sistema, adquirindo propriedades e riqueza, tornando-se a instituição mais rica e, portanto, a mais corrupta do mundo medieval. O poder do dinheiro para corromper, controlar e dominar a vida dos homens tornou-se um tema repetido no discurso de místicos, poetas e dramaturgos. Shakespeare já dizia: "Este escravo amarelo/Formará e destruirá religiões, bendirá amaldiçoados/Tornará a velha lepra adorada, coroará ladrões/E lhes dará títulos, mesuras e atenções/Com senadores sentados no anfiteatro". Outro grande dramaturgo, Dickens, escreveu: "Essa misteriosa moeda de papel (...)/(...) quando o vento sopra (...)/(...) De onde veio, para onde vai ?"

Lá pelo século 19, o advento da revolução industrial quebrou as barreiras impostas pela religião e pela moral. O poeta Heine chegou a dizer: "O dinheiro é o deus da nossa era e Rothschild é seu profeta". A felicidade dada pelo dinheiro, mediante a aquisição e propriedade das coisas, é mensurável, tendo assim uma vantagem no que tange à felicidade proporcionada por outros sistemas de fé. O mundo, que nunca antes esteve pronto para aceitar universalmente qualquer dos sistemas de fé oferecidos para sua salvação, adotou a religião do dinheiro sem qualquer restrição.

O dinheiro também exige disciplina e moral. Trata-se de um sistema de leis e regras cuja transgressão se tornou pecado. Perder tempo é um dos piores. O verdadeiro pecado, imperdoável, é a falta de crédito. O dinheiro exige abnegação e disciplina, que se tornarim indispensáveis à salvação da pior de todas as maldições: a ineficiência. Foi no Oriente que a religião do dinheiro mais mostrou sua eficiência em produzir o milagre do crescimento econômico. As antigas religiões budistas, xintoístas e até o marxismo foram abandonados em favor de uma fé que realizou um milagre insofismável: o desenvolvimento. Atualmente, Japão, Taiwan e Coréia parecem ser os celeiros missionários da nova religião, à medida que uma multidão de adoradores ergue seus olhos para os gráficos e dados estatísticos projetados nas telas.

Enquanto isso, os Estados Unidos continuam como o centro do pensamento teológico, fornecendo as bases dogmáticas da religião, enquanto seus sacerdotes continuam a fazer exegese dos textos sagrados: os livros santos de Smith, Ricardo, Malthus, Keynes, Schumpeter, Fredman e outros grandes profetas. Como se não bastasse o crescimento universal dessa religião secular, vimos, aturdidos, mais recentemente, a rendição da fé evangélica a esse deus. O surgimento da chamada teologia da prosperidade nada mais é do que o curvar dos joelhos dos cristãos ante a força esmagadora desse deus malévolo. E, como em muitos outros momentos da história, estamos vendo que o pior inimigo de Jesus está se tornando o maior amor dos crentes. Até Jesus já foi relido a partir dessa nova ótica. Agora Ele não entra mais em Jerusalém montado num jumentinho. Se quiserem que Ele entre lá devem mandar buscá-lo de Rolls Royce e com cachê de astro de cinema. E para tudo isto dão-se justificativas superespirituais. Paulo, entretanto, diria: "Anátema! Isto é outro evangelho".

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Ciro Fernandes D'Araujo é estudante de Economia na PUC/Rio e filho mais velho do reverendo Caio Fábio.

quarta-feira, 3 de janeiro de 1996

Ame a Deus de todo o coração.
A religião, não!

Por Reverendo Caio Fábio D'Araujo Filho

O enterro de Rabin, em Israel: "Já vimos que a fé genuína pode se transformar em
fervor religioso e em fanatismo", diz Caio Fábio

"E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém, e enviou mensageiros que o antecedessem. Indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos para lhe preparar pousada. Mas não o receberam porque o aspecto dele era de quem decisivamente ia para Jerusalém. Vendo isto, os discípulos Tiago e João perguntaram: Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir? Jesus, porém, voltando-se os repreendeu (e disse: Vós não sabeis de que espírito sois). (Pois o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.) E seguiram para outra aldeia." Lucas 9:51-56

O texto de Lucas, transcrito ao lado, nos mostra como a fé genuína pode ser transformada em religião fanática sem que seus atores percebam. Se não, veja: temos os "discípulos Tiago e João" tentando montar uma estratégia logística para receber Jesus numa aldeia samaritana. O esquema do evento foi montado, mas os samaritanos perceberam que Jesus tinha outra agenda no coração "porque o aspecto dele era de quem, decisivamente, ia para Jerusalém". Por isso não insistiram no programa e deixaram Jesus livre para passar. Tiago e João não gostaram. Mas como não podiam se insurgir contra o Mestre, resolveram fazer a corda quebrar do lado mais fraco, o dos samaritanos.

O FENÔMENO RELIGIOSO - Olhando para aquele episódio, é possível afirmar que amar a Deus é preciso, mas amar a religião pode ser perigoso. Aqui a gente vê como o amor a Deus pode se perverter em amor à religião. Ama a religião de modo adoecido quem ama ao grupo a que pertence e aos projetos desse grupo mais do que ao próximo. A religião é fenômeno humano de natureza histórica e circunstancial, extremamente mutável e manipulável, sofrendo de uma tendência terrível para o absolutismo e o autoritarismo que se põe a serviço dos homens e seus projetos, não de Deus. Ora, as coisas são frequentemente assim porque a religião parece ter também uma vocação quase intrínseca para o fanatismo.

A história toda dá testemunho disso. É por esta razão que muito facilmente o sentido de missão religiosa se transforma em projeto de dominação em nome de Deus. Tiago e João tinham uma missão: preparar um evento. Mas seu afã religioso de cumprir a missão a qualquer preço lhes cegou para o fato óbvio: Jesus não queria pousar ali. Isto porque quando a missão passa a ser um fim em si mesma, surge sempre o espírito da dominação. Nesse caso, tudo aquilo que aparentemente contrarie o projeto religioso é interpretado como uma declaração de guerra, aí as armas são sacadas e é hora de fazer "fogo cair do céu".

AS PRODUÇÕES DO FANATISMO Já vimos que a fé genuína pode se transformar em fervor religioso e este em fanatismo guerrilheiro. A questão agora é saber quais são os elementos que alimentam e estimulam o fanatismo religioso. Outra vez eu penso que o episódio descrito por Lucas nos ajudará imensamente a discernir aquilo do que o fanatismo se alimenta.

Antes de tudo, deve-se dizer que o fanatismo se alimenta do preconceito. Em nenhum outro momento se vê nos Evangelhos os discípulos tomados por crises de tirania, senão aqui nesta geografia do preconceito. Tiago e João eram discípulos de Jesus, mas também eram judeus. E judeus não se davam com samaritanos.

Yitzhak Rabin ao lado de Bill Clinton e Yasser Arafat, num aperto de mãos que selaria
o Acordo de paz de Oslo, no dia 13 de setembro de 1993.

É aqui que a fé pode virar religião e a religião, fanatismo. Quando nosso fervor de fé se mistura aos nossos preconceitos culturais e esses às nossas frustrações pessoais, especialmente aquelas provocadas pelos "execráveis" samaritanos das nossas histórias. O espírito exclusivista também aparece como um dos energizadores do fanatismo religioso. Foi por isso que Tiago e João reagiram tão fortemente. Eles estavam sutilmente tomados pela idéia de que Jesus lhes pertencia. Não eram eles que pertenciam a Jesus. Era o contrário. O fanatismo sempre nos passa a idéia de que Deus está sob a nossa tutela. A gente pensa que tem de defender os interesses de Deus com fervor guerrilheiro, esquecidos de fato de que tais causas nada mais são que nossos e próprios caprichos sob a máscara da religiosidade e da verdade. Além disso, o fanatismo religioso frequentemente se serve do sobrenatural na intenção de usá-lo como elemento de validação de suas ações e exageros. A idéia é de que se o sobrenatural acontece, ele autentica o contexto no qual se manifestou. A prova dos nove em relação à verdade do episódio seria tirada com "fogo do céu". Assim é que todos os dias vemos grupos fanáticos tentando sustentar ações loucas a partir da afirmação de que os milagres que acontecem no seu meio dão genuinidade a tudo o que eles praticam. A lógica é simples: contra milagres até a verdade tem de se curvar.

FANATISMO E PODER - O fanatismo religioso também desenvolve fortíssima relação com o poder, seja ele de que tipo for. A razão é simples: o fanatismo não sobrevive na relatividade. Ele depende fundamentalmente de critérios absolutos, tanto no plano das idéias (dogmas), quanto no âmbito das demonstrações de força (seja a guerra, a economia ou o "fogo do céu"). É fácil perceber isto no episódio dos discípulos Tiago e João na aldeia dos samaritanos. Primeiro, eles imaginam que o poder para realizar seu show de superioridade racial e religiosa lhes seria disponibilizado por Deus, pelo fato de Jesus ser solidário com seu ridículo descontentamento. O trabalho que eles realizaram na preparação para o evento não poderia ser desperdiçado. Por isso, fogo neles. E Jesus é solicitado a endossar a decisão de fazer churrasco samaritano: "queres que façamos descer fogo do céu?" Além disso, eles também pensaram que eram os executivos da Empresa Multi-Universal da Energia Divina: "queres que mandemos descer fogo do céu?" Se Jesus quiser, eles mandam. Eles são os exatores de Deus na terra. E, por último, eles entendem o poder como algo que eventualmente pode ser utilizado para destruir os homens: "fogo para os consumir".

E EU COM ISSO? - Muita gente não está entendendo porque eu estou gastando todo este espaço para falar de fanatismo religioso. Afinal, gente fanática não lê a revista VINDE. Entretanto, nós não devemos nos esquecer de que aqueles que são o objeto do nosso estudo são pessoas muito boas e especiais, mas que viram-se contagiadas por esse espírito. Eles eram Tiago e João, e isto lhes aconteceu enquanto Jesus estava com eles, não foi dois mil anos depois. Ou seja, se aconteceu a eles, pode acontecer a você e a mim. Entretanto, no mesmo texto do Evangelho onde nós recebemos advertências sobre o fanatismo religioso, também aprendemos como ser salvos dele.

Para inocular em nós o antídoto antifanatismo, a gente tem de se perguntar sempre se nossa vida ainda guarda alguma relação com o espírito do Evangelho. Ou seja: a gente tem de ouvir a voz de Jesus denunciando: "Vós não sabeis de que espírito sois". Isto porque às vezes, sem pressentir, a gente vai se distanciando completamente do espírito amoroso, misericordioso, solidário e inclusivo de Jesus, e caímos na religião da exclusão, da vingança, do julgamento e da guerra. Além disso, a gente também tem de saber sempre que Jesus não tem nenhum tipo de relação com as ações de aniquilação humana, mesmo que feitas em nome de Deus. "O Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las". Sabendo disso tudo, vale reafirmar nosso chamado para amar a Deus com todos os recursos da emoção, da afeição, da força e da inteligência, e ao próximo com o mesmo interesse com o qual a gente trata de nossas próprias causas, sendo, entretanto, capazes de repudiar todas as tentativas de fanatização que nos surjam, mesmo aquelas mais carismaticamente fantasiadas de fé intrépida. Aquela do tipo que invoca "fogo do céu" para consumir os homens que não pertencem ao nosso grupo.

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...