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sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

A Trindade e o amor na teologia de Ricardo de São Victor

Por Ricardo Barbosa de Souza

Carlos Fernandes

Trindade, embora ocupe lugar de estaque e importância na doutrina cristã, encontra pouca ou quase nenhuma relevância para a experiência cristã. Para a grande maioria dos cristãos, a Trindade não tem praticamente nada a dizer sobre o dia-a-dia da vida. Na verdade, ela só interessa aos teólogos e filósofos que se deliciam com a especulação de temas absolutamente irrelevantes para o cotidiano da experiência humana. No entanto, a Trindade revela não apenas a natureza do Deus cristão, mas também seu caráter. A partir da Trindade é que podemos concluir que o Deus que a Bíblia revela é, essencialmente, um Deus relacional. Ao revelar-se como Pai, Filho e Espírito Santo, Deus mostra não apenas suas ações na história da salvação do homem como também revela sua natureza afetiva, fraterna e relacional. Deus é uma amizade eterna, onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo gozam da mais intensa e perfeita comunhão de amor e reciprocidade.

Um dos pensadores da história da igreja, que refletiu e trouxe uma grande contribuição ao desenvolvimento do aspecto relacional da Trindade, foi Ricardo de São Victor (? -1173). Ele explorou o amor humano através de uma análise psicológica das relações interpessoais e conduiu que a pessoa é mais humana e mais próxima de Deus quando transcende a si mesma em amor por outra pessoa. Fundamentalmente, para ele, a experiência humana de amor tem suas raízes no mistério da Trindade. Para Ricardo, não há nada mais perfeito do que a caridade (caridade como expressão concreta de amor para com o próximo). Portanto, se Deus possui a plenitude de tudo que é bom e perfeito, ele possui a plenitude da caridade. Se Deus é a perfeição do amor, o homem, sendo criado conforme a imagem de Deus, deve refletir esta perfeição ao máximo possível. Crescer na experiência do amor e da caridade é crescer em direção à imagem de Deus e tornar-se mais unido a ele. É baseado nesta experiência de amor compartilhado que Ricardo conclui que não pode haver uma só pessoa em Deus, pois o exercício do amor exige mais do que uma pessoa. Onde existe apenas uma pessoa, não existe caridade. Daí, sua conclusão lógica de que, se Deus é amor, não pode existir solitariamente, não pode ser um Deus uno.

Ricardo reconhece a necessidade de haver mais do que uma pessoa em Deus. Para ele, um Deus que não tem alguém com igual dignidade com quem possa compartilhar plenamente seu amor não pode ser um Deus plenamente realizado. Ele se expressa assim: "Temos aprendido que, naquele supremo e totalmente perfeito bem, existe a plenitude e a perfeição de toda a bondade. No entanto, onde existe a plenitude de toda a bondade, não pode faltar a caridade. Porque nada é melhor do que a caridade. No entanto, ninguém pode dizer que tem caridade baseado apenas no amor que tem para consigo. Torna-se necessário que o amor seja direcionado para uma outra pessoa para que seja caridade. Por isso, onde não existe a pluralidade de pessoas não pode existir a caridade. Mas você pode dizer que, mesmo que houvesse uma só pessoa na Divindade, ainda assim ele teria caridade para com a sua criação. De fato, o Senhor tem. Mas certamente ele não poderia expressar a caridade suprema para com a pessoa criada porque, se Ele amasse supremamenre alguém que não pudesse ser supremamente amado, a caridade seria imperfeita".

"Crescer na experiência da caridade e crescer em direção à imagem de Deus e tornar-se mais unido a ele."

Para Ricardo de São Victor, Deus é amor porque subsiste numa pluralidade de pessoas. Mesmo antes que houvesse mundo criado, Deus já existia como um Deus de amor. As relações de amizade e reciprocidade existem desde toda a eternidade em Deus. Ao nos criar segundo sua imagem e semelhança, Deus nos cria para amar e ser amados. Ele afirma que, a partir da Trindade, "não há nada mais glorioso, nada mais magnificente, do que desejar não ter nada que não possa ser compartilhado". Para ele, o significado da pessoa humana só pode ser compreendido a partir das relações de amizade e amor que construímos.

Aqui já podemos perceber a relevância deste tema para a vida. Para o homem moderno, o significado de ser pessoa, de ser alguém, está intimamente relacionado com as realizações profissionais e suas conquistas sociais. O homem é o que é por causa daquilo que possui. Se não possuirmos aquilo que a sociedade reconhece como essencial para a vida, não somos ninguém. No pensamento de Ricardo de São Victor, baseado na natureza trinitária de Deus, o homem encontra sua identidade pessoal nas relações de amizade e amor que constrói com Deus e seu semelhante. Jesus, ao definir qual é o maior de todos os mandamentos, disse que é "amar a Deus de todo o coração e alma, e ao próximo como a si mesmo". A natureza fundamental da experiência espiritual cristã é a amizade que nasce do encontro com o Deus de amor.

A Trindade nos livra do egoísmo e da vida autocentrada para uma experiência de amizade e amor com Deus e o próximo. E, a partir dela, nos encontramos como pessoas, não nas conquistas profissionais e sociais, mas nas relações de afeto e comunhão. O grande desafio da espiritualidade cristã é o de encontrar na Trindade os Fundamentos para nossa experiência de amor e amizade.

Gostaria de terminar citando C. S. Lewis: "Não existe investimento seguro. Amar é ser vulnerável. Ame qualquer coisa e seu coração irá certamente ser espremido e, possivelmente, partido. Se quiser ter a ceteza de mantê-lo intato, não deve dá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Evite todos os envolvimentos, feche-o com segurança no esquife ou no caixão do seu egoísmo. Mas nesse esquife - seguro, sombrio, imóvel, sufocante - ele irá mudar. Não será quebrado, mas se tornará inquebrável, impenetrável, irredimível. O único lugar fora do céu onde você pode manter-se perfeitamente seguro contra todos os perigos e perturbações do amor é o inferno".


Ricardo Barbosa de Souza é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília (DF).

Revista Vinde - Edição 3

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