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segunda-feira, 18 de março de 1996

Exército de solidariedade

Fábrica de Esperança 'invade' favelas com projeto social e espiritual

Por Danielle Franco

Fotos de Frederico Mendes

Voluntários de diversos estados do Brasil dedicaram o período de férias à participação no projeto Exército da Esperança

Nem bem começou o ano e duas favelas da cidade do Rio de Janeiro, as de Parada de Lucas e do Morro Santa Marta, em Botafogo, já foram invadidas por uma nova operação do Exército. Mas desta vez não é uma nova mobilização das Forças Armadas. O contingente que entrou em ação foi de voluntários que participaram do novo 'projeto desenvolvido pela Vinde - Visão Nacional de Evangelização - em parceria com a Fábrica de Esperança. A tropa do Exército da Esperança - 22 homens e mulheres - foi dividida em duas turmas, em janeiro e fevereiro, com o objetivo de formar missionários para o desenvolvimento de trabalhos evangelísticos em comunidades carentes, principalmente nas favelas.

O projeto, coordenado por André Fernandes, surgiu numa conversa com o reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, presidente da Vinde, sobre a possibilidade de se formar um exército de cristãos que, no período de férias, visitasse favelas não só para pregar, mas também para praticar os ensinamentos deixados por Jesus Cristo no que diz respeito à ação social. Os pioneiros vieram de vários estados do Brasil: São Paulo, Bahia, Ceará, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Eles se inscreveram usando os folders distribuidos nos congressos da Vinde e através do programa Pare & Pense. Todos os que preencheram os requisitos necessários - eram maiores de idade, evangélicos, receberam carta de recomendação de suas lideranças e tinham muita disposição - foram selecionados.

O trabalho social abriu
espaço para a evangelização
Dentistas fizeram aplicação de
flúor e orientaram as crianças

Depois de participar de palestras e aulas teóricas, os voluntários se hospedaram na casa de Angelita e José Carlos Aleixo, membros da Igreja Obra em Restauração, localizada na entrada da favela de Parada de Lucas. "A comunidade acolhe muito bem essas iniciativas porque os moradores não recebem nenhum tipo de assistência", explicou Angelica. "Com a convivência, acabam pedindo oração e muitos se convertem." Feliz por ter participado do projeto, o dentista cearense Antônio Sérgio Teixeira de Menezes, 28 anos, falou com empolgação sobre a experiência. "Nós abordamos as pessoas na ruas, visitamos as casas e, através da amizade, levamos a Palavra de Deus. Foi muito edificante", acrescentou.

O pastor Reginaldo Torquato Brandão, que dividiu a coordenação do projeto com André, contou que o trabalho recebeu apoio da associação das igrejas evangélicas locais, que cedeu dois horários diários na rádio comunitária. "O espaço foi utilizado para pregar a Palavra e prestar serviços de utilidade pública", disse. O pastor Aser Fernandes, que liderou um dos grupos, considerou a experiência inesquecível. "Depois do Exército da Esperança, nossas vidas nunca mais serão as mesmas", afirmou.

O projeto foi tão bem-sucedido que os coordenadores pretendem repetir a experiência em julho deste ano e no início de 1997. Se depender desses soldados de Cristo, o Exército da Esperança veio para mudar para melhor a paisagem das favelas do Rio.


Extraído Atitude. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 5, p. 29, mar. 1996.

quarta-feira, 3 de janeiro de 1996

A reação da fé

Evangélicos participam da passeata que parou o Rio

Fotos: Frederico Mendes

A passeata foi uma festa da cidadania e reuniu evangélicos, personalidades e representantes da sociedade civil

Foi um milagre. Pela primeira vez na história da Igreja Evangélica brasileira, cidadãos batistas, presbiterianos, da Assembléia de Deus e dezenas de outras denominações se engajaram num movimento cívico de massa em que o objetivo não era o evangelismo. Pelo menos 3 mil evangélicos participaram da caminhada Reage Rio, no dia 28 de novembro do ano passado, junto com uma multidão de cariocas que foram para a avenida Rio Branco pedir paz para o Rio de Janeiro. Organizados em alas, como as demais entidades presentes (de estudantes, aposentados, negros e mulheres, entre outras), os evangélicos se destacaram pela criatividade e pela euforia dos gritos de guerra, como "o nosso general é Cristo".

Moradores do complexo de Acari formavam o bloco de apoio à Fábrica de Esperança portando faixas com sugestivos dizeres: "O sonho de Deus não pode virar pó"; "Nós confiamos na Fábrica de Esperança", avisos claros de que não aceitam as acusações do governador do estado, Marcello Alencar, de que a Fábrica é posto de estoque de drogas. Logo atrás, estudantes e funcionários do Seminário de Teologia Batista do Sul, alunos do Colégio Batista e membros da Igreja Batista Itacuruçá, na Tijuca, traziam bandeiras, faixas e camisetas com o slogan "Se chover amor, o Rio vai transbordar de paz". Choveu foi água. Das 14h45 às 16h50, a cidade ficou debaixo de um dilúvio pra Noé nenhum botar defeito.

O pastor e professor Silvino Neto, diretor do curso de Educação do Seminário, que organizou a participação da instituição na passeata, acredita que "está na hora de os evangélicos começarem a exercitar cidadania". A seminarista Denaise Mello acrescenta: "Nós não fazemos parte do mundo, mas estamos nele. As pessoas precisam da gente".

A paz em Cristo, proclamada pelo bloco dos cristãos, quase foi abalada, por volta das 19h, quando um bando de funkeiros se infiltrou no grupo e, com ameaças e brigas, por pouco não promove uma dispersão dos evangélicos. Alguns, assustados, deixaram a avenida. A maioria não arredou pé e ainda revidou, gritando frases de apoio à Fábrica de Esperança.

SEM PARANÓIA - Membros e pastores da Igreja Evangélica Maranata levaram a faixa "Permanecem a fé, a Fábrica de Esperança e o amor". O pastor Sílvio Passos, da Maranata de Duque de Caxias — tradicional cenário da violência do Grande Rio — é convicto defensor da participação evangélica em atos públicos. "É nossa obrigação buscar a paz para a nossa cidade, pois nós também estamos insatisfeitos. As balas perdidas também atingem as cabeças dos nossos filhos", diz. Ele acha que o cristão não pode viver em paranóia: "Somos cidadãos do céu, mas também brasileiros. Ir para a rua é demonstrar que estamos interessados em requerer das autoridades que façam jus aos votos que demos a elas".

Pequeno, mas muito animado, um grupo de jovens da Igreja Universal do Reino de Deus se uniu aos irmãos da Maranata. Eles vieram de Duque de Caxias e se identificavam pela camiseta com os dizeres "Uma nova geração sem drogas". Se inspirados pelo fato de um dos organizadores do evento ser o pastor presbiteriano Caio Fábio D'Araújo Filho, se movidos simplesmente pela ira santa contra a violência do Rio de Janeiro, o fato é que os evangélicos cariocas botaram o bloco na rua para dizer, alto e em bom som, a que vieram, reagiram e ultrapassaram os portões dos templos.

Comissão: Fábrica não foi usada como depósito de drogas


A droga apreendida na caldeira desativada
pode ter sido plantada ou deixada por
traficantes em fuga

Não há indícios da conivência de funcionários da Fábrica de Esperança no episódio em que foram descobertas drogas naquele local. Esta foi a principal condusão da comissão de sindicância interna formada pelo reverendo Caio Fábio para investigar, em caráter administrativo, o incidente em que foram encohtradas drogas no interior da Fábrica. A comissão, que trabalhou durante uma semana e meia ouvindo funcionários e inspecionando as instalações do empreendimento social em Acari, concluiu também que o local não era usado como depósito de drogas. No entender do juiz aposentado José Gonçalo Rodrigues, que integrou a comissão, a quantidade & drogas encontrada na Fábrica "representa patrimônio para os traficantes", sendo normalmente armazenadas em lugares protegidos e de difícil acesso (os chamados paióis), e não em locais abertos ao público e por onde transitam diariamente centenas de pessoas.

A comissão, que além de Gonçalo era integrada pelo tenente-coronel PM José da Costa Santos e pelo delegado da Polícia Federal Neemias Carvalho Miranda - também já aposentados -, considera viáveis duas outras hipóteses: a de que as drogas foram deixadas por traficantes em fuga da polícia e a de que o material poderia ter sido plantado com o objetivo de prejudicar a Fábrica ou algum de seus dirigentes e funcionários. Esta segunda alternativa é citada em duas cartas recebidas pela Fábrica e Esperança na semana seguinte à ocorrência. Já a suspeita de que algum traficante poderia ter deixado os tóxicos de passagem pelas instalações da Fábrica é reforçada pela precariedade do sistema de segurança do empreendimento. Na ocasião do episódio, apenas 16 homens se revezavam na vigilância do local, divididos em turnos, e todos desarmados. Além disso, a área dos fundos, com muitos setores abandonados e cercada por muros, só contava com a observação de um segurança, cujo posto não permitia uma visibilidade completa da área. Esse sistema de segurança já era utilizado pelos antigos responsáveis pela empresa Formiplac.

A comissão de sindicância interna sugeriu à direção da Fábrica a instalação de mais postos de observação, maior iluminação e a introdução de um sistema de comunicação por rádio, a fim de melhorar as condições de segurança. Além disso, há a sugestão de que a vigilância seja feita em rondas, o que possibilitaria melhor vigilância da área de 55 mil metros quadrados ocupada pela Fábrica.

Gonçalo lembrou que o trabalho da comissão se limitou a observar ar as condições de segurança interna das instalações, além de analisar as condições em que se deu a localização das drogas tm um trecho desativado da Fábrica.

Os 'robocops' do governador

A polícia que investiga a Fábrica de Esperança pode estar sendo influenciada pelo prejulgamento de Marcello Alencar

Por Carlos Fernandes

A condenação pública da Fábrica de Esperança gerou
indignação e a suspeita de que a polícia estaria sendo
obrigada a conseguir provas da suposta conivência dos
diretores do projeto com o tráfico de drogas

A condenação pública do megaprojeto social da Fábrica de Esperança pelo governador do Estado do Rio, Marcello Alencar, colocou em xeque a independência da polícia, que se viu obrigada a buscar, a todo custo, provas de que há conivência entre diretores da Fábrica e o tráfico de drogas em Acari. No entanto, surge um obstáculo a essa lógica canhestra numa das conclusões da sindicancia administrativa promovida na Fábrica de Esperança por uma comissão especialmente criada pelo reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, presidente da Vinde (Visão Nacional de Evangelização), que coordena o projeto social. Após uma semana e meia de investigações, a comissão formada por um juiz, um delegado federal e um tenente-coronel da PM - todos apo-sentados - constatou não haver qualquer indício de cumplicidade por parte dos 186 funcionários da Fábrica de Esperança com a droga achada numa parte isolada da Fábrica, no ano passado. Acreditar que há conivência entre a Fábrica de Esperança e o tráfico de drogas é o mesmo que imaginar que todo o aparelho policial está a serviço do crime organizado e nem um pouco preocupado em combatê-lo. Com seus 17 projetos sociais, alguns deles de cursos profissionalizantes, a Fábrica, na verdade, incomoda não apenas os maus policiais - que entram nas favelas vizinhas para extorquir -, mas também o tráfico que, obviamente, não quer abrir mão de seu celeiro de aviões e fogueteiros, aqueles meninos que transportam a droga e atuam como sentinelas nas bocas-de-fumo.

LISTA DO BICHO - O reverendo Caio Fábio já lembrou que o fato de o número de policiais envolvidos com o crime ter crescido no Rio não significa que o governador Marcelo Alencar compactua com a corrupção na polícia. Preocupado com a isenção da polícia no episódio da Fábrica, o reverendo Caio Fábio solicitou a cooperação do Ministério Público Estadual nas investigações. O promotor designado foi Antonio José Moreira, o mesmo que chefiou as investigações da lista de propinas do jogo do bicho, onde foi encontrado o nome do governador Marcello Alencar, em julho do ano passado.

Aparentemente, o delegado titular da 40a. DP, Mário Azevedo, teve uma posição isenta. "Aqui não se faz política", disse o delegado ao reverendo Caio Fábio, o primeiro dirigente da Fábrica de Esperança a depor como testemunha inquérito que apura a apreensão drogas no projeto social. O passado delegado, porém, pode não ajudá-lo a manter a isenção por muito tempo. Toda a polícia sabe que, há alguns anos, ele foi encontrado conversando com um dos maiores contraventores do Rio, o capitão Ailton Guimarães.

A Polícia Militar também não fica atrás nas suspeitas. Embora o tenente-coronel Marcos Paes - um oficial comumente tratado pela imprensa como acima de qualquer suspeita - estivesse no comando da operação na Fábrica, ele tem no 9° batalhão uma tropa nada amistosa. Quase sempre policiais daquela unidade estão nos jornais, acusados de irregularidades e até corrupção. Foi no mínimo estranha, por exemplo, a atitude do tenente Aquino, que participou da operação na Fábrica. Além de conduzir Marcos Paes diretamente ao local onde estava a cocaína, numa área de 55 mil metros quadrados, o tenente Aquino foi visto à paisana, dias depois, acompanhando os depoimentos de diretores da Fábrica. Normalmente a Polícia Militar se limita à ação ostensiva, longe da delegacia.

Para ter certeza de que houve conivência de funcionários da Fábrica com o tráfico de drogas em Acari, a polícia precisaria, ao menos, prender o chefe do negócio ilícito, conhecido como Viriato. Acontece que nenhum estranho entra na Favela de Acari - vizinha à Fábrica - sem ser notado pelo exército de olheiros e fogueteiros do tráfico. É um território independente do estado. Além das dificuldades naturais, a polícia do Rio é hoje uma força totalmente subordinada ao governo do estado. Com exceção da consciência crítica representada pelo chefe da Polícia Civil, delegado Hélio Luz, a instituição está encurralada pelas pressões da sociedade, agravadas pelo aumento do número de sequestros. À medida em que cresce o clamor da sociedade, acirra-se a disputa entre as duas corporações policiais do estado.

JORNALISMO COMPROMETIDO - Ao contrário da maioria dos órgãos de imprensa, o jornal Folha Universal de propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus, optou pelo caminho dos ataques pessoais e acusações inverídicas contra o reverendo Caio Fábio. Na edição de 3 de dezembro, o jornal publica inverdades (diz que foram apreendidos sete mil sacolés de cocaína, errando por, cinco mil) e faz declarações estapafúrdias e sem a menor veracidade, como a de que " a Fábrica de Esperança nasceu de uma reunião entre a cúpula da Rede Globo, a Cúria Metropolitana, o reverendo Caio Fábio e a Visão Mundial".

Além disso, a matéria classifica como "malcriação" as respostas que o reverendo Caio Fábio deu ao governador, após Marcelo Alencar, no dia seguinte ao episódio, ter ocupado a imprensa com acusações precipitadas. A Folha Universal em sua cobertura, demonstrou a subserviência da Igreja Universal ao governo do estado, ao qual está intimamente ligada - um de seus líderes, Aldir Cabral, recebeu a Secretaria de Trabalho como retribuição pela colaboração na campanha de Marcello.

O governador é chamado de inteligente e tem seu governo elogiado. Certamente, os servidores públicos estaduais - que estão sem aumento salarial há um ano e meio - não concordarão com isso. Mas a Folha Universal não se importa e parece se empenhar no sentido de ser um boletim do governo estadual. Provavelmente, Marcello Alencar deve estar mais satisfeito com a Folha Universal do que com o próprio Diário Oficial do Estado.

Cartas anônimas acusam a polícia


As cartas foram encaminhadas ao Ministério Público

A comissão de sindicância interna, que investigou as responsabilidades pela droga encontrada na Fábrica, encaminhou ao Ministério Público Estadual duas cartas anônimas - uma delas com envelope timbrado da Polícia Militar - informando que a cocaína foi plantada na Fábrica por policiais militares do 9º. Batalhão. Os informantes anônimos dão detalhes sobre irregularidades praticadas por policiais sob as ordens do tenente-coronel Marcos Paes, comandante daquela unidade. Como a carta beneficia a direção da Fábrica, os integrantes da comissão se eximiram de emitir qualquer juízo de valor sobre as peças encaminhadas ao Ministério Público.

O promotor Antonio José Campos Moreira informou à comissão já ter encaminhado as cartas à justiça e também à Corregedoria da Polícia Militar, que vai investigar as denúncias. Uma das cartas, cujo autor assina como sargento da PM, faz uma série de acusações, entre as quais a de que a droga encontrada na Fábrica já fora apreendida em uma operação anterior e se encontrava em poder de policiais. Dizendo que "não aguenta mais ficar calado", o autor da carta afirma que participou da ação na Fábrica e viu como "foi montado todo o esquema". Em outro trecho, a carta afirma que o comandante Paes faz todo o possível para se promover, inclusive reter drogas apreendidas para que "futuramente, em uma operação, possa chamar a atenção de todos através da mídia, mostrando que ele está trabalhando".

A outra carta enviada ao reverendo Caio Fábio afirma que o coronel Paes forjou o flagrante de drogas na Fábrica. O autor da carta diz que não pode identificar-se, por ser soldado do 9º. Batalhão, e em um de seus trechos relata que "o citado oficial é primo de sangue ou de consideração do conhecido traficante ou fraudador de seguros Carlinhos Martincar, sócio e receptador de armas do também conhecido Carlinhos do Fubá". A carta acusa o comandante do 9º. Batalhão de ser "mais um braço do crime organizado", e que o episódio teria tido um duplo resultado em seu favor: ganhar notoriedade e jogar a sociedade contra a Fábrica de Esperança, que estaria atrapalhando o comércio de drogas no local.

Embora as cartas sejam anônimas, moradores do Conjunto Amarelinho confirmam que é comum os policiais entrarem na favela trazendo drogas - o que eles chamam de "flagrante" - numa sacola de supermercado. Os moradores denunciam policiais do 9º. Batalhão da PM como responsáveis pela maioria dos atos de violência cometidos na área. Segundo eles, é comum também, nas incursões policiais, ocorrerem extorsões e execuções sumárias. Os moradores denunciam, também, que o comandante do 9º. Batalhão PM, tenente-coronel Marcos Paes, sempre se faz acompanhar por agentes já conhecidos na comunidade como achacadores e truculentos. O coronel Marcos Paes não foi encontrado pela reportagem.

sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

O clarão de fé que incomoda o poder

A Fábrica de Esperança completa seu primeiro aniversário sob as trevas da difamação

Por Marcelo Dutra

Carlos Fernandes
A Fábrica de Esperança foi idealizado pelo Rev. Caio Fábio

No meio do quadro sombrio de violência e miséria que vem sendo pintado da cidade do Rio de Janeiro, um facho de luz se sobressai, acenando com a perspectiva de recuperação dos princípios de dignidade, tal como as cidades-refúgios dos tempos do Velho Testamento. Um dos mais ousados projetos sociais da América Latina passou a significar uma expressiva diferença na qualidade de vida de 180 mil habitantes do complexo de Acari, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que está entre os cinco maiores bolsões de violência e miséria do mundo. Debaixo de calúnias dos governantes do Rio, a Fábrica de Esperança festeja seu primeiro aniversário no dia 17 de dezembro, prestando serviços através de 17 projetos comunitários que beneficiam cerca de 200 pessoas por mês com atendimento médico, odontológico e jurídico, sem falar nos diversos cursos profissionalizantes. O sonho de cidadania, que parecia impossível, vira realidade, levando ao pé da letra a afirmação do apóstolo Paulo de que "agora permanecem a fé, a esperança e o amor" (1 Coríntios 13:13).

Para o idealizador da Fábrica de Esperança, reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, 40 anos, que sempre bifurcou seu ministério em evangelização e ação social, é difícil falar de Deus a quem não tem acesso a coisas básicas, como três refeições diárias. "Como pregar o Evangelho para um sujeito que não consegue raciocinar direito e está no limite da resistência humana? É preciso que esta pessoa veja o amor de Deus na prática; só então vamos poder falar de graça e misericórdia", argumenta. Com este propósito, o reverendo fundou a organização não-governamental Vinde (Visão Nacional de Evangelização) que, após 15 anos de atividades, adquiriu maturidade para encarar o desafio de aceitar a oferta dos empresários paulistas Alípio Gusmão e Salo Seibel, proprietários da antiga Formiplac. Os sócios - um presbiteriano e outro judeu - consideraram inviável a retomada das atividades da fábrica após um incêndio que destruiu a quase totalidade das instalações, em 1992.

Carlos Fernandes
A Fábrica de Esperança recebe investimentos
de Viviane Senna (acima) para escola de
informática (abaixo)

PARCERIAS - Foi então que surgiu a idéia de transformar os 55 mil metros quadrados da Formiplac num manancial de bênçãos para os habitantes das 16 favelas que formam o complexo de Acari, região geograficamente exduída dos benefícios sociais, na definição do jornalista Zuenir Ventura em seu livro Cidade Partida. O primeiro obstáculo a nublar o sonho do reverendo Caio Fábio foi a falta de dinheiro. A Vinde, que é mantida por doações voluntárias, não poderia bancar sozinha um projeto daquelas proporções. A solução foi partir para o sistema de parcerias.

Carlos Fernandes

A Xerox do Brasil foi a primeira empresa privada a assinar contratos com a Fábrica, investindo em escolas de treinamento técnico e oficinas profissionalizantes. Recentemente, inaugurou um projeto orçado em 60 mil dólares para treinar e capacitar adolescentes e adultos no desmonte e recuperação de máquinas copiadoras. O Instituto Ayrton Senna investirá, nos próximos três anos, cerca de 210 mil dólares na escola de informática. Atualmente funcionam três laboratórios de informática com cerca de 560 alunos. Para Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna e irmã do piloto brasileiro morto em maio do ano passado, estes cursos são importantes porque dão oportunidade de trabalho aos adolescentes que só seriam engraxates, catadores de papel, camelôs ou até mesmo aviões do tráfico.

Outra parceira de expressão é a indústria de refrigerantes Pepsi. A idéia é simples: a Vinde fica responsável pela venda dos refrigerantes desta marca em igrejas evangélicas cadastradas e parte do lucro é repassada à Fábrica de Esperança. Dezenas de outras parcerias oferecem uma série de oficinas que vão desde cursos de sapateiro e cabeleireiro até o de teatro. Uma creche abriga 50 crianças da comunidade, que tem a terça parte de seus habitantes formada por meninos e meninas de zero a 14 anos.

Carlos Fernandes
Adolescentes trocam a ociosidade na favela por
treinamento nas oficinas profissionalizantes da Xerox

Vários segmentos do setor empresarial estão atentos aos progressos do empreendimento social da Vinde e mostram-se interessados em participar. Em reunião da Câmara de Comércio Americana para o Brasil, no Rio, em outubro, o empresário Sérgio Andrade de Carvalho, construtor de shopping centers do porte do Nova América Factory Shopping, no Rio, manifestou seu contentamento com o trabalho feito pela Fábrica de Esperança. "O mais difícil para um empresário é ter o equilíbrio entre o sonho e o poder de realização, e o reverendo Caio Fábio tem isto 'na medida cerca", elogiou o empresário engajado em obras sociais no Rio.

Motivos para comemorar o primeiro aniversário não faltam. A meta é de que 70 serviços estejam na linha de montagem da Fábrica dentro dos próximos três anos. "Se é para concretizar a esperança, as parcerias são bem-vindas", sinaliza a supervisora geral da Fábrica, Cristina Christiano. No dia 18 de dezembro, um culto em ação de graças reunirá pastores, empresários, funcionários e jornalistas nas dependências da Fábrica de Esperança. Mas a festa mesmo é dos cidadãos de Acari.

Os telefones da esperança A partir de agora todas as doações à Fábrica poderão ser abatidas no Imposto de Renda. As doações podem ser feitas através do sistema automático Disque-Esperança.

  • Disque 0900-7850-05 para doar RS 5
  • Disque 0900-7850-10 para doar RS 10
  • Disque 0900-7850-20 para doar R$ 20
Carlos Fernandes
Fernando Henrique assinou decreto
transformando a Fábrica de Esperança
em empresa de utilidade pública federal

Utilidade pública federal e estadual Júlio Cézar de Souza tem 13 anos e mora com o pai, a madrasta e mais quatro irmãos na favela Parque União, próxima a Acari. Trabalhava como ajudante de pedreiro para reforçar o orçamento doméstico, mas agora é um dos alunos do curso de informática da Fábrica de Esperança e sonha em ser digitador. "Estou tentando melhorar de vida, talvez consiga arrumar um bom emprego no futuro", diz.

A Fábrica de Esperança é um oásis na vida de milhares de famílias, sobretudo por levar a mensagem do Evangelho àqueles desfavorecidos pela sociedade. Tem feito isto seguindo um antigo, mas atualíssimo conselho de Jesus no sermão do Monte das Oliveiras: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Deus que está nos céus." Na área social, a Fábrica vem se tornando uma referência na batalha pela recuperação do conceito de cidadania. Além de um tribunal de pequenas causas, que já está em funcionamento, ela conta com o Centro Comunitário de Defesa da Cidadania. Só no mês de setembro, o CCDC contabilizou 6 mil atendimentos, providenciando documentos como certidões de nascimento, carteiras de identidade e certificados de óbito.

Recentemente, a Fábrica de Esperança recebeu um grande incentivo para seu sustento. No dia 23 de agosto, o presidente Fernando Henrique assinou um decreto considerando-a de utilidade pública federal. Em seguida foi a vez do governador do Rio, Marcello Alencar, sancionar projeto de lei dedarando-a entidade de utilidade pública estadual. Os atos permitem à Fábrica receber incentivos financeiros dos governos federal e estadual, além da concessão de subvenções para cobrir despesas de custeio.

Extraído Solidariedade. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1995, a. 1, ed. 2, p. 53-54, dez. 1995.

As doze 'marcelladas'

Ao atacar a Fábrica de Esperança e seus organizadores, antes mesmo da conclusão de qualquer investigação, o governador Marcello Alencar cometeu 12 falhas:

Carlos Fernandes
Marcello enganou o reverendo Caio, dizendo que não tinha nada contra a Fábrica
  1. Diz ter recebido informações sobre o uso ilícito da Fábrica de Esperança, em janeiro deste ano, mas não tomou providencias durante mais de 11 meses, acompanhando inclusive o presidente da República em visita às suas instalações;
  2. Disse ao prefeito César Maia que as crianças levam e trazem drogas desde janeiro, mas as primeiras crianças entraram na Fábrica apenas no final de maio;
  3. Disse que os titulares da Fábrica estavam construindo um projeto de milhões de dólares, usado como fachada para guardar apenas dois quilos de cocaína;
  4. Cobrou dos responsáveis pela Fábrica que dessem total garantia de que não haveria mais invasões furtivas de bandidos que vivem na favela vizinha à Fábrica, esquecendo-se que o Estado, com todo seu aparato, não tem sido capaz de coibir com eficácia as ações dos criminosos;
  5. Afirmou que os vigilantes da Fábrica obstruíram a entrada dos policiais, mas os portões da Fábrica estavam abertos e o vigilante apenas disse que iria informar o fato à administração;
  6. Declarou que os policiais invadiram a Fábrica porque sistematicamente os administradores impediam a entrada da polícia, esquecendo-se de que uma das sete entradas da Fábrica é guardada por dois policiais militares, 24 horas por dia, no Centro Comunitário de Defesa da Cidadania. A chave desse portão fica em poder do administrador daquele órgão do governo;
  7. Exigiu impecabilidade da vigilância da Fábrica de Esperança, quando os policiais do Centro de Defesa da Cidadania estavam mais próximos do local onde a droga foi encontrada, do que os vigilantes da Fábrica;
  8. Acusou os diretores da Fábrica de transigirem com os bandidos, esquecendo de que o muro construído pela Fábrica de Esperança - com 4 metros de altura por 3,50 de comprimento - é reto, ao contrário do muro construído em zigue zague pela Prefeitura do Rio, por conta de ação do tráfico de drogas. O próprio prefeito César Maia declarou em artigo publicado nos jornais que o poder público tem tido eventualmente que negociar com traficantes a construção de obras públicas;
  9. Acusou a administração da Fábrica de Esperança de tentar desvalorizar a investigação policial, ao criar uma comissão de sindicância interna, esquecendo-se de que tal iniciativa apenas denota o desconforto no qual os diretores do projeto se viram, antes as declarações precipitadas do governador de que o local era "depósito e ponto de distribuição de drogas". O governador sugeriu até que os diretores "arrumem seus culpados";
  10. Acreditou que a Fábrica de Esperança era um lugar de ilícito penal, mas ainda assim sancionou o projeto de lei transformando a Fábrica em entidade de utilidade pública estadual, em data posterior à sua conversa com o prefeito, que lhe teria feito denúncias sobre a Fábrica;
  11. Iludiu o reverendo Caio Fábio, em encontro no Palácio Guanabara, no dia 12 de julho deste ano, dizendo-lhe que não tinha nada contra o reverendo, exaltando as atividades da Fábrica, aceitando receber uma oração em seu favor e dizendo, ainda, que gostaria de visitar a entidade para conhecer seus projetos. Na verdade, já havia afumado diversas vezes, inclusive ao prefeito, que supunha haver atividades irregulares na Fábrica de Esperança;
  12. Acusou peremptoriamente a Fábrica de Esperança de ser depósito e centro de distribuição de drogas, sem saber que, no mesmo dia, durante as diligências policiais nas dependências da Fábrica, cerca de 15 policiais que participaram da operação pediram para almoçar no restaurante da instituição, comendo assim comida que pretensamente teria sido comprada com dinheiro ilícito.

Um chute na Fábrica de Esperança

Governador do Rio, Marcello Alencar, faz acusações aos responsáveis pelo maior projeto social do país

Por Carlos Fernandes


Carlos Fernandes
A passeata Reage Rio solidarizou-se com o drama vivido pela Fábrica de Esperança

Como se usasse uma boca com biqueira de metal, o governador do Estado do Rio, Marcelo Alencar chutou sem piedade a Fábrica de Esperança, o megaprojeto social da Vinde (Visão Nacional de Evangelização) e um dos símbolos do movimento Viva Rio, contra a violência e pela recuperação econômica e social do Rio. A apreensão de drogas numa área isolada da Fábrica, em Acari, no dia 23 de novembro, foi usada pelo governador, como um pretexto para atacar duramente os responsáveis pelo projeto social. Marcello lançou suspeitas sobre a idoneidade dos organizadores, afirmando estar convicto de que o local serve de fachada para depósito e distribuição de drogas. Irônico, chegou a chamar o projeto de "fábrica da desesperança".

A atitude do governador foi classificada dc "leviana, irresponsável e precipitada" pelo reverendo Caio Fábio D' Araújo Filho, idealizador do projeto, que se revelou perplexo com a reação de Marcelo Alencar. Em entrevista coletiva, no dia seguinte, Caio mostrou-se triste e afirmou que sua intenção nunca foi a de "bater de frente" com o governo do Estado. "O governador foi, no mínimo, precipitado, pois fez declarações antes de as investigações estarem conduídas", disse o reverendo. Ele desabafou, dizendo que o projeto é sério e lamentando que os traficantes possam ter escondido "essas porcarias" dentro da Fábrica. Ele admite que, por estar no meio de uma região perigosa ("aquilo é um barril de pólvora", afirmou), a Fábrica de Esperança está exposta a todos os tipos de riscos, inclusive a ação das quadrilhas da região. O fato de a apreensão ter ocorrido dias antes da passeata Reage Rio levou o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a imaginar que tudo pode ter sido "uma armação" com a intenção de esvaziar o movimento.

Apoios - Ao contrário da imagem da santa que não pode reagir, a sociedade civil respondeu prontamente às acusações do governador. Representantes de todos os segmentos da sociedade - entre religiosos, sindicalistas, políticos e organizações não-governamentais - deram apoio ao reverendo Caio Fábio e aos diretores da Fábrica de Esperança. manifestando repúdio à intenção do governador de tentar vinculá-los ao tráfico de drogas. Quatro dias depois dos dardos do governador, mais de quinhentas pessoas participaram de ato público em apoio à Fábrica. O antropólogo Rubem César Fernandes, coordenador do movimento Viva Rio e um dos organizadores da passeata, disse que Caio Fábio "é um homem rigoroso e está acima de qualquer suspeita". A senadora Benedita da Silva (PT-RJ), acusou Marcelo Alencar de investir no caos num momento em que a sociedade se une para pedir mais segurança. Benedita considerou um absurdo suspeitar-se que o reverendo Caio Fábio, pastor evangélico há 22 anos - reconhecido internacionalmente como um sacerdote engajado em ações sociais - tenha qualquer envolvimento com o tráfico de drogas.

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, presidente do Ibase e símbolo nacional da luta contra a fome e a miséria, solidarizou-se com o trabalho desenvolvido pela Fábrica de Esperança, considerando que ele é realizado "em condições excepcionais e em meio à mais profunda miséria". O reverendo Caio Fábio começou a receber centenas de mensagens de apoio vindas de todo o país e os jornais publicaram cenas de solidariedade ao seu trabalho e de repúdio às declarações do governador. Numa delas. Marcelo afirmou que as organizações não-governamentais devem se livrar de "aventureiros com capa de generosidade". Os parceiros da Fábrica demonstraram total solidariedade e manifestaram claramente a intenção de manter seu apoio. Representantes da Xerox do Brasil, Golden Cross e Curso Yázigi reafirmaram sua confiança nos responsáveis pela Fábrica, e confirmaram que todos os convênios em andamento serão integralmente mantidos. Viviane Senna, que estava no Japão, telefonou para informar que vai manter seus projetos.

Boa parte da opinião pública está convencida de que o governador teve a intenção de dar o maior destaque possível ao caso, numa tentativa de enfraquecer a passeata Reage Rio que, entre outras coisas, colocaria em xeque a política de segurança do Estado, num momento em que se evidencia o recrudescimento da violência. Segundo estatísticas do Instituto Médico Legal - IML -, o número de assassinatos no Estado do Rio, de janeiro a novembro, chegou a 4.269, numa trágica média de 12 homicídios por dia. Até outubro, a Secretaria da Segurança Pública contabilizou 88 sequestros, ao mesmo tempo em que cerca de 160 crianças estão desaparecidas. Entre assaltos a bancos, roubos e furtos de carros e cargas, foram registrados mais de 33 mil, deixando clara a ineficiência do governo do Estado do Rio no controle da violência.

Providências - O reverendo Caio Fábio anunciou providências imediatas, como um levantamento completo sobre todos os funcionários da Fábrica, inclusive de seus antecedentes, na tentativa de descobrir qualquer envolvimento ou eventual conivência de algum deles com as atividades dos traficantes do complexo de favelas da região. Uma comissão de sindicância interna foi instalada. Além disso, a segurança vai ser terceirizada e ampliada. Até então, havia apenas 16 homens em três turnos, para vigiar uma área de 55 mil metros quadrados. Lembrando que é "o maior interessado em que tudo seja esclarecido", Caio Fábio recorreu ao Ministério Público para investigar minuciosamente o ocorrido. Com relação às acusações de Marcelo Alencar, o reverendo explicou que esperará a conclusão das investigações para decidir que providências tomará, mas a possibilidade de interpelar judicialmente o governador não está afastada. "Uma coisa é certa: eu não vou agir da mesma forma precipitada que o governador está agindo", afirmou. Caio Fábio estranhou ainda o fato de o governador e o prefeito terem afirmado que já tinham suspeitas a respeito das atividades da Fábrica. "Se era assim, por que eles não nos avisaram?"

Dizendo que sua função não é policialesca - "nós não perguntamos quem são os pais das crianças e jovens que se beneficiam do nosso trabalho" o reverendo criticou o governador por não controlar a entrada de drogas no Estado.

A ameaça de Marcelo Alencar, que dedarou que a Fábrica de Esperança poderia até ser fechada em consequência do episódio, foi desaprezada pelo reverendo, que lembrou que o projeto não é um órgão governamental e não pode ser desativada pela vontade do governador. Ele reafirmou sua expectativa de que o movimento Reage Rio atingiria plenamente seus objetivos. "Se alguém pensou que ia desmobilizar a manifestação, o tiro saiu pela culatra; caminhamos unidos pela paz nas ruas", disse o pastor após participar do Reage Rio, que parou a cidade no dia 28 de novembro.

Uma força de paz em território minado

Por Zuenir Ventura

Carlos Fernandes
Zuenir: apoio total à Fábrica

A experiência da Fábrica de Esperança é um projeto pioneiro. E uma força de paz no "front" da guerra. Equivale àquelas operações da Cruz Vermelha, no meio do fogo cruzado. Além de vidas, a Fábrica de Esperança também quer salvar almas. Não quer apenas retirar as pessoas da linha de frente, mas dar a elas condições de viver com o mínimo de dignidade. A fábrica combate o bom combate. Quer transformar futuros soldados dessa guerra suja em grandes cidadãos. Eu digo isso com tranquilidade e total isenção porque acompanhei o projeto da Fábrica desde o começo.

Devo ter sido um dos primeiros a descobrir que estava acontecendo ali em Acari, numa das regiões mais áridas do Rio, uma história de esforços reais em favor da paz. Sou testemunha também de que a Fábrica foi madrinha do belo casamento entre a economista Clarice Pechman, fundadora do movimento Viva Rio, e Salo Seibel, do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), um dos sócios da Formitec, que doou à antiga fábrica ao pastor Caio Fábio. A Fábrica é o maior monumento à paz, à reconstrução da cidade, que já foi feito. Não conheço no país outro projeto social com essas dimensões. Mas a Fábrica não é apenas um marco simbólico do Viva Rio. Se fosse só simbólico, já seria bom. Mas, melhor ainda, é uma ação concreta que supre a ausência do poder público, numa área conflagrada.

Outro dado interessante nesse projeto é a participação dos evangélicos, representados pelo pastor Caio Fábio. Antes de conhecer o trabalho dele, na Fábrica, eu tinha uma visão maniqueísta sobre os evangélicos. Para mim, os movimentos dirigidos por eles eram todos suspeitos. Ali tive uma grande revelação. Comecei a descobrir o conteúdo social do projeto. Ao escrever Cidade Partida, me desfiz de muitos estereótipos que são reproduzidos por nós mesmos da imprensa. Um deles era a participação dos evangélicos em obras sociais. A Fábrica me revela o que é uma força de paz num território minado, em pleno centro urbano do Rio de Janeiro.


Zuenir Ventura, 64 anos, é escritor e jornalista há 39 anos. Colunista e editor especial do Jornal do Brasil, contou uma parte da história da Fábrica de Esperança no livro Cidade Partida, da Companhia das Letras.



Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...