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terça-feira, 6 de fevereiro de 1996

O país dos bodes expiatórios

Por Délis Ortiz


A quebra do Banco Econômico resultou no escândalo da pasta cor-de-rosa

Tirar máscaras era a ordem no começo da década. A imprensa vendeu, o leitor comprou, o povo acreditou, o Primeiro Mundo aplaudiu. Despencou o presidente e veio o efeito dominó: CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para tudo - empreiteiras, anões do orçamento, bingo, só para lembrar algumas. Mandatos caçados, renúncias, entra em cena o Ministério Público e a Polícia Federal. Devassas, inquéritos e poucos julgamentos.

Tudo remexido, dá a sensação de que tudo mudou. Será? O processo de mudança foi apenas instalado. A delação continua frenética, às vezes irresponsável. Primeiro a calúnia, depois a confirmação ou não dos fatos. Sabe-se, não comprovar o crime nem sempre prova a inocência. Há um cheiro de hipocrisia no ar.

Quando o PC, do esquema que derrubou o Collor, jogou na cara de deputados e senadores que eles lhe faziam uma cobrança hipócrita, muitos perderam o fôlego. O crime era doações e sobras de campanha. PC pagou pelos restos milionários. No mérito, somos moralistas. E na prática? A lei eleitoral mudou. Na eleição passada, o preço da campanha ficou menor, não podia ter efeitos especiais na TV, cenas de comícios, de pobres e de consternação. As doações de campanha exigiam bônus - papéis com nome, endereço, CGC do doador e, é claro, o valor. Para driblar o negócio, teve até a vista grossa dos observadores oficiais. Muitos dos beneficiários eram os algozes dos corruptos do esquema PC. Agora é a pasta cor-de-rosa. Ingênua como a cor é a pretensão de pensar que ali tenha alguma novidade. Empresários, banqueiros e até multinacionais financiam campanhas. Quem nunca recebeu uma ajuda para a campanha? Mas ninguém cobrou uma CPI de doações. A razão, rabo preso. Cada qual com uma trave maior que outro no olho, como levar adiante as acusações?! A manobra foi desviar a atenção para o autor da denúncia. O bandido passa a ser quem vazou a notícia.

Todos erram, sejamos solidários. Esse é o raciocínio político. Mas, como tudo o que é feio exige castigo, há de existir um bode espiatório que paga por todos. A lei, na época das doações documentadas na pasta rosa, não proibia explicitamente as doações, por isso as atenções se concentraram na busca do responsável pelo vazamento da informação. Das centenas de suspeitos do Banco Central, um só culpado, um só punido - não fez nem recebeu doação, não é político: o malquisto interventor do Econômico (a pasta estava lá). Responsável pelo banco, se a pasta estava no banco, o culpado. Caso encerrado.

Eleições municipais à vista. Na convocação extra do Congresso, o ensaio do que vai ser a batalha por espaço, que se traduz em poder, melhor dizendo, dinheiro. Vem agora a fatura do apoio dado ao governo no ano passado: verbas para o município. Todo mundo quer garantir uma obrazinha, para o eleitor pensar que o político que ficou em Brasília luta pelo bem-estar da cidade que lhe deu votos. Se for para ajudar outro candidato, bem; se o próprio parlamentar for o candidato a prefeito, melhor ainda. O jogo de cena continua. Os aliados protestam, mas continuam fiéis. Querem FHC como cabo eleitoral. Contatos despretensiosos escondem a maratona em busca de financiadores de campanha. Passou a metade da década e a ordem de mudança foi esquecida. Tudo igual, e os sepulcros estão cada vez mais caiados.

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Délis Ortiz é jornalista, repórter de Política da Rede Globo de Televisão e membro da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.

quarta-feira, 3 de janeiro de 1996

Tráfico de influência via satélite

O embaixador Júlio César dos Santos e o comandante José Afonso Assunção: suspeitos de maracutaia no caso Sivam

Num desses vôos que o trabalho me obriga, a uns 10 mil metros do chão, fiquei entre a visão divina e a pequenez humana sobre imagens de coisas como grampos telefônicos, tráfico de influência via satélite, a ambiciosa empreitada de proteger a Amazônia, ditos e desmentidos políticos, enfim, histórias de bastidores que, por questões de segurança nacional e garantias democráticas, ninguém revela. Vista do alto, a rotina que ocupa os homens parece um ponto na visão global do universo. A opinião pública não parece muito interessada na questão do Sivam. O tema não mexe no dia-a-dia do cidadão comum: são um bilhão e meio de dólares, fortuna que vive na estratosfera da utopia. As histórias que envolvem o Sivam não cabem na vida de detalhes de nossa gente.

No entanto, é prato cheio para a agitação política. Quem é inocente, mas não parece, luta para convencer. Quem tem culpa faz malabarismos para posar de santo. E aí, tudo fica vulnerável. Até uma conversa fiada ao telefone pode ser o estopim de um grande incêndio. Relatórios técnicos são manuseados e discutidos. Todos tratam como feijão com arroz o que a Aeronáutica classifica tridimensional.

Se ninguém domina o assunto, qual é o parâmetro para julgar? O critério é aleatório. O que é pior: comprar porcaria por um preço menor ou pagar mais caro por um equipamento moderno e eficiente? E se for verdade que o mais caro é roubo? Desse jeito, o santuário ecológico a ser vigiado e sondado vira um terreno minado. É o negócio da China, não só pelo valor, mas por tratar da biodiversidade dos segredos que despertam o interesse do mundo inteiro. E aí? O Sivam é importante? Pode ser entregue para estrangeiros? Quem, no Brasil, poderia fazer o serviço? O setor da alta tecnologia não tem muito mercado no país. Quem arriscou anda mal das pernas.

Está aí um presidente com insônia, uma corrida insana da imprensa à cata de furos. Um monte de aliados, ora em dúvida, ora enleados em nebulosas versões sobre a conversa bruta com a voz do presidente e seus auxiliares. Ninguém mostrou a fita com a gravação inteira da escuta telefônica, mas os boatos de fontes fidedignas tratam, entre outras coisas, de namoricos presidenciais com gente da própria corte. O fantasma que atravessou o fosso do palácio e agora passeia pela Esplanada e pelo Congresso é a dúvida. Ninguém tem certeza de nada, nem o presidente. O bom senso manda decepar cabeças, suspender processos, agir rápido para barrar as desconfianças e a obscuridade amazônica de tratos e contratos. Só não se sabe ao certo como deter a espécie de ectoplasma político - o desconhecido. Seja qual for o fim desse enredo, os responsáveis pela verdadeira história devem estar rindo das conjecturas.

Tem um detalhe: do alto, onde até a Amazônia parece um pingo no planeta, o radar de Deus capta a desordem, a corrupção, a injustiça, seja lá o que for.

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Délis Ortiz é jornalista, repórter de Política da Rede Globo de Televisão e membro da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.

sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

O Brasil da vitrine

Por Délis Ortiz


"EL MANGO! EL MANGO!", gritavam algumas senhoras. Elas se acotovelavam entre os curiosos em busca de um bom ângulo para ver passar a recordação viva, também grisalha, dos tempos de estudante. Era o presidente Fernando Henrique Cardoso nas ruas de Caracas. Quase 30 anos separam o professor galã do que hoje os castelhanos chamam de Líder latino-americano. Lido e relido, nos idos de 68, na revolta dos estudantes, o sociólogo inebria também as platéias na Europa. Em Berlim, arranca lágrimas dos velhos companheiros de teses e deixa boquiaberta a juventude com a postulação de que a sociedade, fragmentada nos interesses, precisa de um líder sensível à real necessidade coletiva, capaz de aglutinar forças em busca do objetivo comum. Alemães, franceses, ingleses, todos aplaudem. O presidente conquista, pelo menos, um bom espaço na mídia internacional. Arranca manchetes como "o mais importante presidente da história do Brasil". O País visto lá de fora, por onde passa o presidente, não tem a mesma cara do Nordeste, da periferia, dos sem-terra, da violência. É a economia emergente, o terreno fértil para investimentos, o campo aberto para bons negócios. Para cada bilhão de dólares que os estrangeiros apostarem no Brasil, pelo menos cinco bilhões voltarão para os seus bolsos.

Neste ou noutro hemisfério, o tratamento é o mesmo dispensado aos mais importantes chefes de Estado do planeta. Charmoso, poliglota, diplomata nato. Com certeza, porém, não são pelos belos olhos do tucano que o mundo lhe estende o tapete vermelho. A pompa cinco estrelas ostentada em Frankfurt para o visitante era, na verdade, para a Amazônia, para o fim dos monopólios, para o mercado que ele representa. Mas de que adianta ser bem representado lá fora? Qual o retorno para o cidadão que ficou na corda bamba do emprego, equilibrando o orçamento apertado? Parece um país de duas caras. A do paraíso para investidores estrangeiros e purgatório para os nativos.

São, na verdade, dois mundos. O econômico, sem fronteiras, e o social, absolutamente compartimentado. No primeiro, apenas um elo une qualquer um a qualquer parte - o dinheiro. No segundo, o do perdido é exatamente o responsável pelo distanciamento nas relações - a miséria. E na balança humana, que falta numa bandeja é justo o que sobeja noutra. Para um pretendente a líder, a guerra é essa: a busca do equilíbrio.

Fernando Henrique conquistou o cenário internacional
frequentado por lideres como o presidente Bóris Yeltsin

Nada do que FHC acenou lá fora teve efeito imediato aqui dentro. Isto leva tempo. É coisa para Fazer diferença só a partir do ano 2000. Nossa miséria con-tinua nossa. Bilhões de dólares vão entrar, milhões de brasileiros vão morrer, doentes, famintos, mal-educados. É a velha história da água que corre para o mar. Outro dia, no proselitismo capitalista, um grande empresário me perguntou: "Você sabia que um lingote de alumínio custa 40% mais barato que o pãozinho de 50 gramas? É um absurdo", reclamou. Não resisti e retruquei: "O senhor sabia que ninguém come lingote de alumínio?" Não vi reação. Os dois mundos, do dinheiro e da miséria, ignoram um ao outro. Cegos, não percebem o risco de serem engolidos um pelo outro.

A esperança nos faz apostar que há de fazer diferença, sim, a entrada de capitais. Pelo menos empregos, salários, progresso e competitividade hão de vir juntos. Os exemplos vizinhos nos fazem temer a modernidade. É o grande dilema do século - a alta tecnologia versus recursos humanos. Os impérios econômicos se lançam em busca da eficiência, qualidade e baixo custo. Substituem seus homens por computadores e robôs. Os imperadores políticos se descabelam, ou pelo menos deveriam, em busca de solução para os desempregados da modernidade.

Cada viagem de FHC ao primeiro mundo é como uma volta ao futuro. FHC é um privilegiado. Pode ver o direito e o avesso das questões. Se não resumir os encontros diplomáticos e comerciais a sessões de exibicionismo. Se não perder de vista a realidade além dos tapetes. Se insistir na equação social. Os giros de FHC pelos continentes hão de ser uma bênção, para de e para nós. Se para cada decolagem houver uma aterrisagem consciente. Que FHC dê vôos ainda mais altos, mas que carregue o Brasil real nas asas desse Boeing. Os candidatos a passageiros dessa esperança só precisam embarcar pela fé.

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Délis Ortiz é jornalista, repórter de Política da Rede Globo de Televisão e membro da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...