
Num desses vôos que o trabalho me obriga, a uns 10 mil metros do chão, fiquei entre a visão divina e a pequenez humana sobre imagens de coisas como grampos telefônicos, tráfico de influência via satélite, a ambiciosa empreitada de proteger a Amazônia, ditos e desmentidos políticos, enfim, histórias de bastidores que, por questões de segurança nacional e garantias democráticas, ninguém revela. Vista do alto, a rotina que ocupa os homens parece um ponto na visão global do universo. A opinião pública não parece muito interessada na questão do Sivam. O tema não mexe no dia-a-dia do cidadão comum: são um bilhão e meio de dólares, fortuna que vive na estratosfera da utopia. As histórias que envolvem o Sivam não cabem na vida de detalhes de nossa gente.
No entanto, é prato cheio para a agitação política. Quem é inocente, mas não parece, luta para convencer. Quem tem culpa faz malabarismos para posar de santo. E aí, tudo fica vulnerável. Até uma conversa fiada ao telefone pode ser o estopim de um grande incêndio. Relatórios técnicos são manuseados e discutidos. Todos tratam como feijão com arroz o que a Aeronáutica classifica tridimensional.
Se ninguém domina o assunto, qual é o parâmetro para julgar? O critério é aleatório. O que é pior: comprar porcaria por um preço menor ou pagar mais caro por um equipamento moderno e eficiente? E se for verdade que o mais caro é roubo? Desse jeito, o santuário ecológico a ser vigiado e sondado vira um terreno minado. É o negócio da China, não só pelo valor, mas por tratar da biodiversidade dos segredos que despertam o interesse do mundo inteiro. E aí? O Sivam é importante? Pode ser entregue para estrangeiros? Quem, no Brasil, poderia fazer o serviço? O setor da alta tecnologia não tem muito mercado no país. Quem arriscou anda mal das pernas.
Está aí um presidente com insônia, uma corrida insana da imprensa à cata de furos. Um monte de aliados, ora em dúvida, ora enleados em nebulosas versões sobre a conversa bruta com a voz do presidente e seus auxiliares. Ninguém mostrou a fita com a gravação inteira da escuta telefônica, mas os boatos de fontes fidedignas tratam, entre outras coisas, de namoricos presidenciais com gente da própria corte. O fantasma que atravessou o fosso do palácio e agora passeia pela Esplanada e pelo Congresso é a dúvida. Ninguém tem certeza de nada, nem o presidente. O bom senso manda decepar cabeças, suspender processos, agir rápido para barrar as desconfianças e a obscuridade amazônica de tratos e contratos. Só não se sabe ao certo como deter a espécie de ectoplasma político - o desconhecido. Seja qual for o fim desse enredo, os responsáveis pela verdadeira história devem estar rindo das conjecturas.
Tem um detalhe: do alto, onde até a Amazônia parece um pingo no planeta, o radar de Deus capta a desordem, a corrupção, a injustiça, seja lá o que for.
