sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

Bispo Renato Suhett

"Macedo perdeu o controle da Universal" O bispo do amor revela por que deixou a Igreja do Reino de Deus

Por Jorge Antonio Barros

Apesar de ter sido líder da Igreja Universal por três anos e vivido sob o mesmo teto que o líder máximo, bispo Edir Macedo, o bispo e cantor gospel Renato Suhett, 34 anos, garante desconhecer qualquer irregularidade administrativa ou financeira na denominação evangélica que, hoje, mais provoca escândalos, no país. Justamente por seu estilo light, dedicado apenas ao povo de Deus, sem falar em política ou constranger ninguém a fazer doações à igreja, Suhett acredita que foi discriminado por seus próprios pares a ponto de ser enviado pelo bispo Macedo como missionário da Universal nos Estados Unidos.

Ali, acompanhado da mulher, a produtora de modas Lúcia, Suhett viveu por dois anos uma espécie de exílio involuntário. Durante esse tempo era impedido de vir ao Brasil até mesmo para ver a família. Quando a igreja que ele findava começava a crescer, ouvia do bispo Macedo o seguinte conselho: 'É hora de mudar de templo para você não ficar orgulhoso' o que Deus falava a Macedo, porém, não era a mesma palavra que ouvia Suhett, triste por ter deixado de gravar suas músicas.

Movido por "divergências doutrinárias", Suba: decidiu há três meses desobedecer o antigo líder e amigo. Voltou ao Brasil com a mulher e praticamente a roupa do corpo. "Não tenho nem uma bicicleta'; garante. Agora só quer voltar a gravar (lança seu disco este mês) e implantar a Igreja do Senhor Jesus Cristo, o nome mais simples que poderia dar à denominação que poderá causar um dos maiores rachas já sofridos pela Universal. Ao final de seu programa Tarde Amiga, transmitido diariamente pela rádio Brasil AM, Suhett deu a seguinte entrevista à VINDE:

Fotos Divulgação
O bispo Renato Suhett morou três anos com o bispo Macedo, em São Paulo.

Qual a maior crise que a Igreja Evangélica atravessa hoje no Brasil?

A questão doutrinária. Nós temos um fundamento, que é o Senhor Jesus. A doutrina é o terreno. É óbvio que precisa haver o terreno sobre o fundamento. Tem que ter os dois, mas o fundamento é o mais importante. Por causa das doutrinas estão colocando separações. As igrejas estão se separando não somente entre si, mas estão se separando dos ímpios. E aí, onde está o amor? Os ímpios são colocados para serem salvos. Se você se nega a estar com eles, quem é que vai 'pregar para eles'? Pedro não queria comer com os ímpios na frente de Tiago, e Paulo o repreendeu cara a cara. Nós estamos na mesma maré.

E qual é a pior crise da Igreja Universal?

A inércia. Os bispos que comandam igreja têm uma certa liberdade de agir, alguns seguem por uma vertente mais acirrada, aguerrida, que atingiu seu ápice com o bispo Sérgio Von Helde, cuja maneira de pregar é agressiva. O episódio da santa foi a "confirmação da mentalidade de que Deus está no meio deles e fora dali não conta com mais ninguém. Nem todos os pastores pensar assim. O povo não pensa assim. Há uni divisão.

O episódio da santa caracterizou uma perda de controle do bispo Macedo?

Sim. Penso que o Von Helde não avisou ao bispo com antecedência sobre o que pretendia fazer.

Apesar dessa crise, a Universal é a Igreja Pentecostal que mais cresce no Brasil. Como o senhor explica essa contradição: uma igreja em crise e em crescimento?

O crescimento da Igreja Universal é questionável. Na liderança se dizia que a igreja tem uma porta aberta na frente e outra atrás, bem maior. Ela traz as pessoas pelos meios de comunicação, mas muita gente também sai para outras igrejas. A Universal tem funcionado como um pronto-socorro, que dá injeção para o doente, cura e alivia no momento. Mas tratamento de recuperação tem que ser feito pela Palavra e isso falta na igreja. Falta doutrina de amor, do Evangelho.

Qual a consequência mais negativa do chute na imagem da santa para os evangélicos?

A gente tenta abrir uma igreja nova e encontra barreira, porque os donos de cinemas e teatros não querem alugá-los para nenhum evangélico. Eles nos vêem como incitadores à agressividade. Estou tentando abrir uma igreja desde o início de outubro. O pastor Manuel Ferreira, da Assembléia de Deus de Madureira, teve dificuldades terríveis para alugar o Maracanã [para a cruzada do pastor Jimmy Swaggart], mesmo depois que já estava tudo certo. O Juizado de Menores quis impedir o culto. Levaram três dias em luta para liberar o que já estava liberado. Com isso, a Igreja Católica cresceu, o gigante adormecido despertou e se beneficiou. O tiro saiu pela culatra.

Em que outra ocasião o tiro saiu pela culatra?

Sempre que a igreja foi para a rua ou para a imprensa pedir justiça. Toda vez que tentou defender o bispo Macedo, ou qualquer pastor, ou qualquer doutrina, ou falou contra o Espiritismo. Tudo isso era antipático. A justiça pertence a Deus. Quando o homem quer fazer justiça, faz fumaça. Mas a fumaça vai para o vento e o tiro, para trás.

Como os evangélicos se posicionam sobre o episódio da santa?

Em sua maioria, são contra aquela atitude. Acham que foi um ato impensado. Porém, a IURD procurou manifestar na televisão que os evangélicos estariam divididos, uns a favor, outros contra. Qualquer pessoa de bom senso é contra.

"O bispo Edir Macedo pode pensar em ter um presidente da República da igreja dele. Mas ele se candidatar, de jeito nenhum"

A Igreja Católica, por outro lado, disse que não sabe se vai perdoar. A atitude cristã não deveria ser o de perdoar o bispo Von Helde?

A Igreja Católica também se faz de vítima. A IURD pega o episódio e se diz perseguida, mas ela afrontou. A Igreja Católica se diz ofendida, quer tirar partido. É partidária, cínica, falsa. Não precisa levar chute para se revelar.

Na prática, em que esse episódio afetou a Universal?

Houve queda do número de membros da Universal. Eles podem ter voltado para a Igreja Católica ou, decepcionados, podem não querer mais estar em igreja nenhuma. Dou graças a Deus por ter saído antes deste episódio, porque, se eu saísse agora seria chamado de covarde.

Como foi a sua saída?

Depois de pensar e orar eu falei com o bispo Macedo pelo telefone. Eu lhe disse que havia uma divergência doutrinária no meu coração, que a igreja estava se tornando muito agressiva, partindo para um lado muito legalista. O povo não estava feliz e eu tampouco. Expliquei que sairia bem, sem nenhuma crise pessoal. Reiterei que os direitos autorais sobre meus discos eram da igreja. Os quatro LPs, mais dois discos em espanhol. Alguns outros pastores saíram da igreja pedindo indenização, dinheiro, até chantageando. Fiz a minha obrigação de servir a Deus.

Como ele reagiu?

Ele disse que eu estava errado por pensar que havia uma predisposição da liderança contra mim. Eu comentei: "Olha, bispo, eu tenho sido muito pressionado. Isso não parte do senhor, não?" Ele foi bastante tratável, queria conversar, mas era uma decisão do meu coração com Deus.

Quando o senhor começou a pensar em sair da Igreja Universal?

Há um ano eu comecei a sentir que as nossas diferenças eram muito grandes, mas eu tentei contornar, achando que eu é que estava errado. As diferenças foram aumentando.

Houve uma gota d'água paro o senhor tomar essa decisão?

Não. Foi uma coisa progressiva. Fui vendo a escassez do amor, que começa na relação entre pastor e membros, depois entre os próprios membros e cada um dos obreiros. pastores e bispos, entre eles mesmos. Quando a gente vê que é uma voz seca, tem que tomar uma atitude: ou fica como voz no deserto, ou sai. Eu estava sendo objeto de chacota, de gozação, porque era "bispo do amor". Não sei por que colocaram essa oposição.

O senhor acha que houve uma conspiração dos outros bispos contra o senhor?

Não. Isso traz a ideia de que eles sentaram para conversar a respeito. Eu fui bispo do Brasil e esse ergo exerce um tremendo poder sobre o trabalho da igreja. Eu fiquei no lugar do bispo Macedo, durante quase três anos. Houve um desejo de mostrar ao bispo que aquele meu trabalho baseado no amor, na graça de Deus, na Palavra não surtia efeito. Não houve uma conspiração, mas uma predisposição.

Há uma estratégia da Universal para a ocupação de cargos políticos?

Existe uma estratégia política de colocar candidatos da igreja para defendê-la, ajudá-la a crescer sem nenhuma barreira.

Só para a Igreja Universal, ou para os evangélicos como um todo?

Para a Universal. Esporadicamente, um ou outro pode ter essa abertura, como o Aldir Cabral, secretário de Trabalho e Ação Social do Estado do Rio de Janeiro, um homem que fala pelas outras denominações por decisão dele. Mas a igreja elege candidatos para trabalhar para ela, não está pensando em ninguém.

O bispo Macedo já pensou em se candidatar a um cargo político?

Se pensasse a esposa dele seria a primeira a se opor. Ele pode pensar em ter um presidente da República da igreja dele. Mas ele se candidatar, de jeito nenhum.

Existem candidatos que se aproveitam dos votos da Universal?

Os candidatos são escolhidos dentro da igreja. Não há como um candidato vir de fora para se aproveitar.

O senhor conviveu muito tempo com o bispo Macedo, morou na mesma casa que ele. Durante esse período em que a Igreja Universal cresceu, ganhou dimensões internacionais, o poder subiu à cabeça dele?

Era isso que ele colocava, referindo-se a mim. A Igreja Universal no Brasil cresceu e alcançou dinamismo durante o meu bispado. Eu falo isso sem medo, sem risco de estar exagerando, errando ou me auto-elogiando. É fato, nós abríamos cerca de dez igrejas por semana em São Paulo, fazendo discípulos. Brasília começou a crescer, Minas e Curitiba cresceram razoavelmente. Na medida em que ele falou que poderia subir à minha cabeça, sendo eu bispo do Brasil e ele bispo mundial, acredito que o poder possa ter subido à cabeça dele sim. Existe uma megalomania na IURD, que o bispo Macedo tem também, de achar que a igreja é maior do que o é de fato. Na última campanha política lançou um candidato ao senado. Se ela tivesse esse suposto número de membros, teria eleito o senador.

"O crescimento da Igreja Universal é questionável. Na liderança se dizia que a igreja tem uma porta aberta na frente e outra atrás, bem maior"
Fotos Divulgação

A Igreja Universal parece sofrer de uma certa paranoia de perseguição. Ela sofre perseguição?

Nunca vi a igreja como a "pobrezinha perseguida". As vezes sofre perseguições como consequência do que ela mesma aprontou. Se você mexe com casa de abelha, a abelha vai persegui-lo. Se você reclama por estar sendo perseguido, causa comoção popular, mas não corresponde à realidade.

Com que intenção a Igreja Universal comprou a Rede Record?

Até hoje eu não sei. A Record serviu como ponto de discórdia dentro e fora da igreja. Quando o bispo comprou a Record eu ainda era pastor no Rio de Janeiro. Não participei das transações. Mas pensei que a Record havia sido comprada para pregar o Evangelho, para ser uma TV cristã. Hoje ela é uma nau perdida no oceano da TV brasileira, porque quando você a quer evangélica, você a tem mais secular; quando a quer secular, ela parece evangélica. É uma TV sem identidade.

Na época, os jornais denunciaram que ela fora adquirida com dinheiro do exterior. O senhor viu alguma coisa sobre isso?

Vi nos jornais, mas por dentro, não. Como ela poderia receber ajuda do exterior?

O dinheiro teria sido mandado antes para o exterior, e retornado para a compra da emissora?

Eu não poderia dizer nem sim nem não. A igreja não tem nenhuma fonte de renda no exterior. Veja bem, quando não respondo a essas perguntas, é porque eu não sei mesmo. Posso parecer cínico, mas não é não. Quando eu morava com o bispo, eu coloquei bem claro que não queria me envolver com problemas econômicos. Então foi feita uma divisão: outra pessoa se encarregaria das finanças da igreja e eu me ficaria com a parte espiritual.

Quem se encarregava da outra parte?

O deputado federal Ademir Laprovita Vieira, um homem de confiança, um ancião da igreja.

Ele sabe tudo sobre a Igreja Universal?

Ele é um deputado da Universal, é o presidente de honra e de fato. Cuidava da parte econômica. Eu ficava na parte espiritual, me esquivava quando tinha reuniões administrativas, coisa de advogados. Sou arredio, não entendo e faço questão de não entender. Talvez seja um erro meu. Segundo a Associação Evangélica Brasileira, os métodos de arrecadação da IURD são agressivos e levam muita gente ao constrangimento. Como o senhor vê isso?

Se eu digo que a igreja está dentro de uma vertente agressiva e hiperlegalista, isso pressupõe que vai se pedir oferta com esse espírito, que caracteriza a maneira de pregar, de tratar os membros, os obreiros, de falar na rádio, de agir na televisão. Obviamente, a maneira agressiva de pedir oferta faz aumentar o poder econômico da igreja.

O dinheiro é bem aplicado na pregação do Evangelho?

A Record e muitas rádios foram compradas. Penso que o dinheiro era aplicado nisso. Nunca vi riqueza de pastores, bispos, sujeitos comprando carros, ou propriedades. O dinheiro é aplicado dentro da igreja, se bem ou mal, não sei.

Que o senhor saiba, então, ninguém usava o dinheiro em benefício próprio?

Eu nunca vi. O pastor da IURD não tem nada. Uma vez fui à rádio El-Shaddai dar uma entrevista. Eles pensavam que eu era milionário porque era bispo da IURD. E Deus sabe que eu saí sem um tostão. Eu não tenho uma bicicleta.

Mas durante um certo tempo o bispo Macedo era apresentado pela imprensa como dono de automóveis importados...

Ele tinha um Mercedes em nome dele. Pegaram esse carro. Na confusão entrou o carro e tudo. Os carros que usávamos eram de propriedade da igreja, penso que os dos bispos também, mas não posso afirmar.

No período em que o senhor conviveu com ele, como era a vida dele, seus atos?

Normais, de uma pessoa simples. Nós tocávamos violão, fizemos duas músicas juntos.

Não havia nenhum luxo pessoal?

Não mesmo. Ah. uma coisa que ele gosta é de carro importado. Ele usava esses carros e permitia que nós os usássemos também. Mas nunca o vi preso a nada de luxo.

"Nunca vi riqueza de pastores ou bispos. Os direitos autorais dos discos são doados à !URD. O dinheiro é aplicado dentro da igreja. O pastor não tem nada"
Fotos Divulgação

Como Macedo reagia às acusações feitas pela imprensa e pela sociedade?

Ficava triste ou nervoso, principalmente pelo modo como as coisas chegavam até ele. O bispo não compra jornal, nem ouve rádio ou vê televisão. Geralmente as notícias chegam a ele através de informantes, que quase nunca dizem a coisa como ela é. Há pessoas que ficam se solidarizando com ele para tirar proveito. O pessoal falava: "Olha, nós estamos contigo". Vinha um advogado e falava: "Eles se levantaram, mas eu já fiz algo contra eles". E o bispo acreditava.

O bispo Macedo é um homem que anda só?

Ele anda com a esposa ou com a filha. Gosta de estar sempre junto de um ou dois pastores. É uma pessoa normal. Não andava com guarda-costas, mas parece que agora tem.

Quando o bispo Von Helde foi indiciado, houve um tumulto causado por homens armados que o acompanhavam. A Universal tem seguranças armados?

No meu tempo não tinha segurança armado. Perto da igreja do Brás, em São Paulo, ocorreram vários roubos de carros. Foi pedida proteção à polícia, que dava uma olhada. Mas segurança pessoal, nunca. A coisa não chegou a este nível. Agora, aumentou o perigo ou a paranoia.

Por que o bispo Macedo controla e comanda a igreja de fora do Brasil?

No meu tempo, eu era bispo do Brasil justamente para ele não ter esse trabalho. Ele estava com a visão de comandar a igreja universalmente, de abrir trabalhos no exterior. Ele mora em Nova Iorque, mas mantém o pessoal controlado, faz mudanças. Quando eu não servia mais dentro daquela estratégia. fui tirado.

Qual foi a emoção de retornar ao Brasil e se desligar da igreja na qual tinha criado raízes?

Não deu tempo de sentir essa emoção ainda. Eu me sinto feliz, não por ter me desligado da igreja, mas por estar fazendo algo que Deus a cada dia confirma no meu coração.

Se o senhor tivesse hoje a oportunidade de encontrar-se com o bispo Macedo, o que diria a ele?

O que eu já falei: que ele deveria trazer de volta, dentro dele, aquele homem que saiu da Igreja Nova Vida. As raízes dele são muito boas. Quando ele prega a inspiração do amor, a palavra de Jesus, é muito bacana. Eu tenho respeito por ele, sempre foi meu amigo, mas, a gente ouve comentários, fica sabendo que as pessoas não podem mais se aproximar da gente. Outros, que eram amigos, deixaram de ligar. Virei persona non grata. Saí da IURD para pregar o que eu sempre preguei, o amor. a palavra e a graça de Deus.

O senhor está querendo dizer que a IURD se desviou da graça de Deus?

Ela se desviou da graça.


Extraído Entrevista com Renato Suhett. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1995, a. 1, ed. 2, p. 6-10, dez. 1995.

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