sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

A fé na mira dos fuzis

Por Omar de Souza

Aqueles que pensavam que a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento do bloco comunista decretariam o fim das perseguições religiosas, demonstraram uma ingenuidade que não encontra justificativa sequer no Livro de Deus. Mesmo o mais positivo dos cristãos sabe que inquisições, torturas, resistências e afins são realidades que comporão o cenário da proclamação do Evangelho na Terra até a volta daquele que nos alertou sobre elas. Mais que isso: aprendeu com a História a astúcia da estratégia do inimigo e reconhece que, tanto quanto nos tempos da Cortina de Ferro, é tempo de mobilização espiritual, de intercessão por nações, regimes e povos que tentam calar a verdade que põe a nu suas mazelas. Eles ainda existem, e não são poucos.

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Jorge A. Barros, editor-chefe da revista VINDE, foi ao Peru e Colômbia para fazer reportagens sobre a perseguição à igreja naqueles países

Logo ali, no canto superior esquerdo da América do Sul, mais precisamente na Colômbia, os crentes estão sofrendo com a crueldade desta constatação. Enviamos até lá o editor-chefe de VINDE, Jorge Antonio Barros, que conheceu in loco o drama dos cristãos perseguidos na região de Urabá, onde cerca de 150 evangélicos, entre líderes, pastores e membros de congregações já foram assassinados por guerrilheiros de esquerda e grupos paramilitares de direita incomodados com o discurso pacificador. Com a ajuda da missão Portas Abertas que - está completando 40 anos - Jorge descobriu ex-guerrilheiros convertidos e registrou testemunhos de irmãos colombianos que viram a face da morte e o punho da intolerância de perto. Com uma mochila, uma câmara fotográfica e dois prêmios Esso de jornalismo nas costas, Jorge passou 20 horas em 13 vôos, durante uma semana, percorrendo Medellin, Bogotá e Turbo, na Colômbia; além de Lima e Acayucho, no Peru. Na bagagem, trouxe a reportagem exclusiva e já tem pronta para a próxima edição uma matéria sobre o mártir da igreja peruana, Romulo Sauñe, assassinado pelo Sendero Luminoso em 92.

Intolerância, aliás, parece ter-se tornado o mote deste fim de milênio. As atitudes de um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e suas consequências deixaram claro que nem o "país maravilhoso, sem vulcão nem terremoto", como costuma se gabar o povo brasileiro, está livre do furacão da guerra santa. Esta é outra lição que se repete à exaustão: quase todos os conflitos que começaram em nome da religião logo foram absorvidos pelos interesses políticos e muitos terminaram em tragédias. A genuína luta que devemos travar não está na dimensão da carne e do sangue, mas no âmbito espiritual. Por ignorar esta cristalina verdade bíblica, alguns dos que ostentam um discurso evangélico passaram a municiar o inimigo. É possível que um em cada dois crentes já tenha quebrado estátuas, rasgado figuras ou tocado fogo em quadros de santos ou orixás ao reconhecer que só o Senhor é digno de adoração. É um direito, assegurado pela Constituição, fazermos o que quisermos com o que nos pertence. O próprio bispo Sérgio Von Helde, pivô da polêmica que ocupou várias páginas e muitos minutos dos noticiários, poderia fazer a estátua de Maria Aparecida em pedacinhos. Mas nunca diante de uma câmera de televisão, num ato ostensivo que só serviu para criar dois tipos de manchete, ambos incondizentes com a verdade: os membros da Universal (e, por tabela, os evangélicos em geral) não respeitam os outros credos e a "maioria católica brasileira" foi uma vítima de ofensa religiosa. Como se não fosse ofensiva a instituição de um feriado em homenagem a um objeto de adoração exclusivo de uma religião.

Falando em religiosidade, é interessante perceber as formas pelas quais ela se manifesta. Quem assiste à apresentação de um cantor como o reverendo Al Green, uma das estrelas do Free Jazz Festival em sua versão 95, logo percebe os altos teores - sem qualquer referência ao tabaco que patrocina o evento, acreditem - da fé que ele abraçou. A mesma fé que transformou vidas como a de Anthony Garotinho, político fluminense que colocou Jesus no palanque de sua vida; que leva a bailarina Tatiana Glass a enxergar o esplendor e o poder do Criador nos gestos e movimentos mais simples; que impulsiona pessoas a dedicar tempo, dinheiro, suor e, se preciso, sangue para manter acesa a chama da esperança em Acari. Por isso, parabéns à Fábrica pelo seu primeiro aniversário e aos leitores pelo segundo número da revista VINDE. Um feliz natal a todos e até janeiro.

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Extraído Epístola da Redação. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1995, a. 1, ed. 2, p. 3, dez. 1995.

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