quarta-feira, 3 de janeiro de 1996

Os 'robocops' do governador

A polícia que investiga a Fábrica de Esperança pode estar sendo influenciada pelo prejulgamento de Marcello Alencar

Por Carlos Fernandes

A condenação pública da Fábrica de Esperança gerou
indignação e a suspeita de que a polícia estaria sendo
obrigada a conseguir provas da suposta conivência dos
diretores do projeto com o tráfico de drogas

A condenação pública do megaprojeto social da Fábrica de Esperança pelo governador do Estado do Rio, Marcello Alencar, colocou em xeque a independência da polícia, que se viu obrigada a buscar, a todo custo, provas de que há conivência entre diretores da Fábrica e o tráfico de drogas em Acari. No entanto, surge um obstáculo a essa lógica canhestra numa das conclusões da sindicancia administrativa promovida na Fábrica de Esperança por uma comissão especialmente criada pelo reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, presidente da Vinde (Visão Nacional de Evangelização), que coordena o projeto social. Após uma semana e meia de investigações, a comissão formada por um juiz, um delegado federal e um tenente-coronel da PM - todos apo-sentados - constatou não haver qualquer indício de cumplicidade por parte dos 186 funcionários da Fábrica de Esperança com a droga achada numa parte isolada da Fábrica, no ano passado. Acreditar que há conivência entre a Fábrica de Esperança e o tráfico de drogas é o mesmo que imaginar que todo o aparelho policial está a serviço do crime organizado e nem um pouco preocupado em combatê-lo. Com seus 17 projetos sociais, alguns deles de cursos profissionalizantes, a Fábrica, na verdade, incomoda não apenas os maus policiais - que entram nas favelas vizinhas para extorquir -, mas também o tráfico que, obviamente, não quer abrir mão de seu celeiro de aviões e fogueteiros, aqueles meninos que transportam a droga e atuam como sentinelas nas bocas-de-fumo.

LISTA DO BICHO - O reverendo Caio Fábio já lembrou que o fato de o número de policiais envolvidos com o crime ter crescido no Rio não significa que o governador Marcelo Alencar compactua com a corrupção na polícia. Preocupado com a isenção da polícia no episódio da Fábrica, o reverendo Caio Fábio solicitou a cooperação do Ministério Público Estadual nas investigações. O promotor designado foi Antonio José Moreira, o mesmo que chefiou as investigações da lista de propinas do jogo do bicho, onde foi encontrado o nome do governador Marcello Alencar, em julho do ano passado.

Aparentemente, o delegado titular da 40a. DP, Mário Azevedo, teve uma posição isenta. "Aqui não se faz política", disse o delegado ao reverendo Caio Fábio, o primeiro dirigente da Fábrica de Esperança a depor como testemunha inquérito que apura a apreensão drogas no projeto social. O passado delegado, porém, pode não ajudá-lo a manter a isenção por muito tempo. Toda a polícia sabe que, há alguns anos, ele foi encontrado conversando com um dos maiores contraventores do Rio, o capitão Ailton Guimarães.

A Polícia Militar também não fica atrás nas suspeitas. Embora o tenente-coronel Marcos Paes - um oficial comumente tratado pela imprensa como acima de qualquer suspeita - estivesse no comando da operação na Fábrica, ele tem no 9° batalhão uma tropa nada amistosa. Quase sempre policiais daquela unidade estão nos jornais, acusados de irregularidades e até corrupção. Foi no mínimo estranha, por exemplo, a atitude do tenente Aquino, que participou da operação na Fábrica. Além de conduzir Marcos Paes diretamente ao local onde estava a cocaína, numa área de 55 mil metros quadrados, o tenente Aquino foi visto à paisana, dias depois, acompanhando os depoimentos de diretores da Fábrica. Normalmente a Polícia Militar se limita à ação ostensiva, longe da delegacia.

Para ter certeza de que houve conivência de funcionários da Fábrica com o tráfico de drogas em Acari, a polícia precisaria, ao menos, prender o chefe do negócio ilícito, conhecido como Viriato. Acontece que nenhum estranho entra na Favela de Acari - vizinha à Fábrica - sem ser notado pelo exército de olheiros e fogueteiros do tráfico. É um território independente do estado. Além das dificuldades naturais, a polícia do Rio é hoje uma força totalmente subordinada ao governo do estado. Com exceção da consciência crítica representada pelo chefe da Polícia Civil, delegado Hélio Luz, a instituição está encurralada pelas pressões da sociedade, agravadas pelo aumento do número de sequestros. À medida em que cresce o clamor da sociedade, acirra-se a disputa entre as duas corporações policiais do estado.

JORNALISMO COMPROMETIDO - Ao contrário da maioria dos órgãos de imprensa, o jornal Folha Universal de propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus, optou pelo caminho dos ataques pessoais e acusações inverídicas contra o reverendo Caio Fábio. Na edição de 3 de dezembro, o jornal publica inverdades (diz que foram apreendidos sete mil sacolés de cocaína, errando por, cinco mil) e faz declarações estapafúrdias e sem a menor veracidade, como a de que " a Fábrica de Esperança nasceu de uma reunião entre a cúpula da Rede Globo, a Cúria Metropolitana, o reverendo Caio Fábio e a Visão Mundial".

Além disso, a matéria classifica como "malcriação" as respostas que o reverendo Caio Fábio deu ao governador, após Marcelo Alencar, no dia seguinte ao episódio, ter ocupado a imprensa com acusações precipitadas. A Folha Universal em sua cobertura, demonstrou a subserviência da Igreja Universal ao governo do estado, ao qual está intimamente ligada - um de seus líderes, Aldir Cabral, recebeu a Secretaria de Trabalho como retribuição pela colaboração na campanha de Marcello.

O governador é chamado de inteligente e tem seu governo elogiado. Certamente, os servidores públicos estaduais - que estão sem aumento salarial há um ano e meio - não concordarão com isso. Mas a Folha Universal não se importa e parece se empenhar no sentido de ser um boletim do governo estadual. Provavelmente, Marcello Alencar deve estar mais satisfeito com a Folha Universal do que com o próprio Diário Oficial do Estado.

Cartas anônimas acusam a polícia


As cartas foram encaminhadas ao Ministério Público

A comissão de sindicância interna, que investigou as responsabilidades pela droga encontrada na Fábrica, encaminhou ao Ministério Público Estadual duas cartas anônimas - uma delas com envelope timbrado da Polícia Militar - informando que a cocaína foi plantada na Fábrica por policiais militares do 9º. Batalhão. Os informantes anônimos dão detalhes sobre irregularidades praticadas por policiais sob as ordens do tenente-coronel Marcos Paes, comandante daquela unidade. Como a carta beneficia a direção da Fábrica, os integrantes da comissão se eximiram de emitir qualquer juízo de valor sobre as peças encaminhadas ao Ministério Público.

O promotor Antonio José Campos Moreira informou à comissão já ter encaminhado as cartas à justiça e também à Corregedoria da Polícia Militar, que vai investigar as denúncias. Uma das cartas, cujo autor assina como sargento da PM, faz uma série de acusações, entre as quais a de que a droga encontrada na Fábrica já fora apreendida em uma operação anterior e se encontrava em poder de policiais. Dizendo que "não aguenta mais ficar calado", o autor da carta afirma que participou da ação na Fábrica e viu como "foi montado todo o esquema". Em outro trecho, a carta afirma que o comandante Paes faz todo o possível para se promover, inclusive reter drogas apreendidas para que "futuramente, em uma operação, possa chamar a atenção de todos através da mídia, mostrando que ele está trabalhando".

A outra carta enviada ao reverendo Caio Fábio afirma que o coronel Paes forjou o flagrante de drogas na Fábrica. O autor da carta diz que não pode identificar-se, por ser soldado do 9º. Batalhão, e em um de seus trechos relata que "o citado oficial é primo de sangue ou de consideração do conhecido traficante ou fraudador de seguros Carlinhos Martincar, sócio e receptador de armas do também conhecido Carlinhos do Fubá". A carta acusa o comandante do 9º. Batalhão de ser "mais um braço do crime organizado", e que o episódio teria tido um duplo resultado em seu favor: ganhar notoriedade e jogar a sociedade contra a Fábrica de Esperança, que estaria atrapalhando o comércio de drogas no local.

Embora as cartas sejam anônimas, moradores do Conjunto Amarelinho confirmam que é comum os policiais entrarem na favela trazendo drogas - o que eles chamam de "flagrante" - numa sacola de supermercado. Os moradores denunciam policiais do 9º. Batalhão da PM como responsáveis pela maioria dos atos de violência cometidos na área. Segundo eles, é comum também, nas incursões policiais, ocorrerem extorsões e execuções sumárias. Os moradores denunciam, também, que o comandante do 9º. Batalhão PM, tenente-coronel Marcos Paes, sempre se faz acompanhar por agentes já conhecidos na comunidade como achacadores e truculentos. O coronel Marcos Paes não foi encontrado pela reportagem.

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