quarta-feira, 3 de janeiro de 1996

A arte da comunhão

Artista plástico descobre em sua obra um instrumento do Espirito Santo

Por Vilmar Madruga

Vai longe o tempo em que a imagem do artista estava ligada à daquele sujeito esquisicão, de hábitos e temperamentos singulares a diferenciá-lo dos humildes mortais. Não menos distante está a ideia romântica do pintor de rua, boina de lado, tendo no fundó a Torre Eiffel ou a Catedral de Notre Dame. A velocidade dos meios de comunicação, a interatividade via Internet e a própria perplexidade do homem diante do momento histórico em que vive vieram alterar o conceito do que seja produzir arte em nossos dias, assim como a postura de quem a produz e consome.

Está mais dificil entender ou levar arte para casa hoje. Ela não quer mais ser um produto para combinar com o sofá, ou com o tom da madeira dos móveis da sala. Estas questões passaram a me interessar desde que, depois de uma noite inteira de embate com uma grande tela, experimentei um enorme vazio após sua conclusão. Senti que qualquer pessoa com uma habilidade média e um certo domínio técnico poderia realizar tão bem ou melhor a obra que acabara de produzir. Faltava um sopro para que ela fosse algo realmente importante, senão para mudar alguém, pelo menos para mudar a mim mesmo.

Ao contrário da maioria das outras vezes, saí do estúdio experimentando um grande desconforto. Só mais tarde entendi que Deus havia preparado aquela noite para me falar profundamente. Desde então, não há nada no meu trabalho que não passe antes pela vontade do Pai. A arte adquiriu um novo significado para mim.

Por quatro anos coordenei as oficinas de arte do Instituto Penal Vieira Ferreira Netto, em Niterói onde, através da arte, pude ver o Espírito Santo ganhar espaço naquelas vidas amarguradas e aparentemente sem saída. Foram reunidos mais de 100 trabalhos produzidos pelos detentos na mostra A Cor do Cárcere, no Museu Histórico do Rio de Janeiro.

Meu trabalho também cresceria na direção de um simbolismo cristão. É daquela época uma caixa de vidro preta forrada de espelhos, com areia no fundo, onde repousam cinco pães de cerâmica. Doei a peça para a Vinde e fiquei feliz com a interatividade que o reverendo Caio Fábio propunha àqueles que a encontrassem em seu gabinete, quando perguntavam o que significavam aqueles cinco pãezinhos dentro de uma caixa de espelhos. O pastor pedia que o interlocutor se pusesse de joelhos para ver a obra. Sob o efeito dos espelhos, os pães pareciam se multiplicar infinitamente sobre um deserto. O reverendo Caio, então, realçava o conceito da obra: "Para ver milagres é preciso estar de joelhos".

Num outro trabalho desta época, uma mancha de sangue escorre sobre duas telas totarnente brancas, onde se pode ler, apenas no relevo da tinta, a passagem de Isaías 61. Foi maravilhoso tornar explícita, na minha pintura, a revolução conceitual que Deus começava a fazer na minha vida. Finalmente, o vazio é preenchido pelo Espírito do Senhor Deus, pregando boas novas, proclamando aos cativos a verdadeira liberdade. Aquela que homem nenhum pode dar ou tirar.

Atualmente estou trabalhando a questão do sacrifício. Numa de minhas telas, uma grande área é coberta de barro vermelho, numa alusão à criação e ao sangue derramado na cruz. No canto esquerdo, uma tela totalmente branca ostenta uma coroa impregnada da ferrugem deixada por um punhado de pregos. Meu trabalho tem crescido dentro do tempo e da estratégia que Deus tem para a minha vida. Depois de desejar, durante muito tempo, um atelier onde eu pudesse negociar minha produção, livre da ganância e do autoritarismo do mercado artístico, vejo-me há três anos em minha própria galeria de arte, em Búzios, na badalada Rua das Pedras. Ali, de minha porta, posso ler escrito na fachada da simpática igrejinha da Assembléia de Deus logo em frente: "Eu sou a Porta".


Vilmar Madruga é artista plástico e diretor da Galeria de Arte da Universidade Federal Fluminense.

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