quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996

As diversas faces de um conflito

Briga Universal x Globo permite abordagens maniqueístas a uma questão complexa

A guerra entre as emissoras Globo e Record é apenas uma das vertentes da polêmica... que envolve a disputa pelo poder político nos sistemas de comunicação de massa

Nos filmes e novelas é muito fácil. O mocinho é o sujeito bacaninha, imaculado, cheio de boas intenções, geralmente bonito e elegante, enquanto o vilão é o calculista incapaz de um gesto altruístico e disposto a usar os mais sórdidos expedientes para alcançar seus objetivos. Na vida real, porém, a coisa é bem mais complicada, ainda que os veículos de comunicação brasileiros aparentemente se deixem influenciar pela tradição folhetinesca do país. A guerra que travam as Organizações Globo e a cúpula da Igreja Universal do Reino de Deus demonstra esta tendência maniqueísta da mídia. Jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão posicionados dos dois lados procuram reduzi-la a uma mera rusga religiosa. Tal simplismo tem levado muitas pessoas, principalmente evangélicos, a fazer de Roberto Marinho e o bispo Edir Macedo anjos ou demônios ao sabor de novas denúncias recíprocas.

Há, pelo menos, meia dúzia de batalhas inventadas durante a discussão dos ataques da Globo e dos métodos da Universal. Nos programas de debates da Rede Record e nas rádios e jornais controlados pela IURD aduba-se o terreno do que é plantado nas igrejas da denominação: a TV Globo é a filial mais poderosa do inferno e, portanto, suas acusações nada mais são que investidas demoníacas para destruir a grande obra da Universal. Eventualmente, o reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, presidente da Associação Evangélica Brasileira - AEVB - é citado como cúmplice e pau mandado de Roberto Marinho. A conveniência desta abordagem é que da dispensa explicações sobre os métodos de arrecadação nas igrejas à base de intimidação, a aplicação do dinheiro, a filosofia do dá ou desce etc. O pastor e teólogo batista Ariovaldo Ramos não tem dúvida de que, em qualquer igreja que respeita os princípios básicos de disciplina, denúncias como as que foram feitas contra os principais líderes da IURD gerariam, no mínimo, inquéritos internos. "A imprensa aumentou, mas não inventou", lembra.

Por outro lado, quando a Globo mobiliza todo seu arsenal contra a Universal, mira em outros alvos. As manchetes do jornal e os noticiários da TV que levam o nome do grupo de Roberto Marinho vendem a idéia de que uma grande ameaça paira sobre a sociedade cristã - leia-se católica -brasileira. Quando colocam a função eclesiástica de Edir Macedo entre aspas, mas não usam o mesmo critério para identificar, por exemplo, o arcebispo do Rio, dom Eugênio Sales, as Organizações Globo e vários outros veículos bombardeiam sobre o povo a concepção de que Igreja, com i maiúsculo, só há uma, com sede no Vaticano. Os efeitos respingam em toda a sociedade evangélica brasileira, que acaba adotando um mote semelhante e enxergando os católicos como adversários.

DISPUTA POLÍTICA - O restante da grande imprensa aponta outra face da chamada "guerra santa": a disputa pelo poder político. Reportagens de revistas como Veja e IstoÉ chamam atenção para o rápido crescimento do sistema de comunicação da IURD que, se ainda é pequeno comparado à Globo, já é suficiente para garantir a publicidade da igreja e a projeção de seus aliados, particularmente os que ocupam cargos políticos. Se é verdade que, por ser dono da Globo, Roberto Marinho tem o país em suas mãos, a mais evidente ameaça a seu poder se chama Edir Macedo. Mas é ingenuidade intelectual limitar a briga ao âmbito político.

Muitos pastores preferem conjecturar a respeito de um quarto tipo de batalha, igualmente maniqueísta. São os que resumem o episódio à questão pessoal envolvendo o bispo Edir Macedo e o pastor dissidente Carlos Magno de Miranda. Neste círculo de discussão, eminentemente evangélico, os protagonistas alternam a condição de mocinhos e bandidos. Enquanto o bispo Macedo é classificado como "um homem ousado, responsável por uma grande obra", seu detrator é "o traidor ressentido por ter sido excluído da cúpula da IURD". Na mesma roda, os papéis podem se inverter. Há os que defendem o pastor Carlos Magno como "um exemplo de coragem nas denúncias", ao mesmo tempo que celebram o desprestígio do principal líder da Universal.

PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA - É possível identificar ainda outras duas formas maniqueístas de se enxergar o episódio. Uma delas, entre política e intelectual, coloca a elite brasileira, com a Globo como principal agente, organizada contra os evangélicos - explicação que só faz sentido quando os crentes, ao invés de se associarem aos interesses da classe dominante, procuram posicionar-se em favor dos oprimidos e sem voz, como orienta o livro de Provérbios, capítulo 31, versículos 8 e 9, o que nem sempre acontece. A outra, interessante na intenção, mas limitada na abrangência, identifica evangélicos pela postura, dividindo-os entre éticos ou não. De fato, é de uma miopia quase insana assimilar explicações pouco convincentes sobre a gana por dinheiro demonstrada pela cúpula da IURD nas imagens da fatídica fita de vídeo. Só que a questão não reside apenas na probidade - ou ausência dela - de quem freqüenta os templos. Em artigo publicado na edição de janeiro do jornal A Raiz, o bispo Tico Oscar, líder da Igreja de Nova Vida em São Paulo, lembra que a prioridade da Igreja, antes da necessidade de provar sua honestidade, é cumprir as determinações do Evangelho.

Além do simplismo, o reducionismo também afeta as análises que vêm sendo feitas sobre a guerra Globo x Universal. Muitos falam em perseguição religiosa, esquecendo que, pelo menos por enquanto, apenas um grupo está sob ataque direto. E seria pretensioso demais, inclusive no que diz respeito às práticas eclesiásticas, achar que a IURD representa toda a comunidade evangélica brasileira. Outros falam em perseguição diabólica, mas não lembram da farta munição que muitos crentes, famosos ou não, vêm fornecendo ao inimigo, seja na exploração da boa-fé de milhares ou nos escândalos locais, como adultérios e cheques sem fundo. "O que está havendo, para ser misericordioso, não é perseguição, mas muita imaturidade", afirma o pastor Ariovaldo Ramos. "A perseguição de fato dependerá muito do quanto de atenção, reflexão e arrependimento haverá em meio a isso tudo."

COMBINAÇÃO DE FATORES - A verdade é que cada linha de pensamento tem suas argumentações. Além da santidade que lhe é atribuída, a guerra que travam a Igreja Universal do Reino de Deus e as Organizações Globo é mais complexa, até porque uma análise menos apaixonada demonstra que há mais gente envolvida no conflito. É o resultado da soma de vários fatores, tanto os citados nesta matéria como outros que possam ainda estar por ser revelados, posto que, a cada dia, as partes diretamente envolvidas trazem à tona algo novo. Fato é - e a História comprova - que o Evangelho escandaliza sempre, seja quando é proclamado e vivido de forma genuína ou nas ocasiões em que é utilizado como fachada. No primeiro caso, porque incomoda quem não quer compromisso com o Reino de Deus. No segundo, porque a prática não condiz com o discurso. Nos dois, porque a sociedade sempre reage aos novos fenômenos. Se nem todos os fatos recentes favorecem a Igreja Evangélica brasileira, ao menos comprovam que ela não é mais ignorada.

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