sexta-feira, 1 de março de 1996

Pastor Nilson Fanini: Governo encerrou briga entre Globo e Record

Líder mundial dos batistas revela interferência do Planalto na 'guerra santa'

Marcelo Dutra e Omar de Souza

Fotos de Frederico Mendes

Carlos Fernandes
Duas semanas antes das acusações lançadas pelo O Globo, o pastor Fanini garantia que era o principal acionista da TV Record Rio

Pouca gente percebeu a trégua que houve entre as TVs Globo e Record depois de meses de confronto. Numa entrevista exclusiva concedida à revista VINDE, no início de janeiro, em Niterói, o pastor Nilson do Amaral Fanini deu pelo menos uma pista para explicar a repentina paz. Fanini revelou que a guerra santa acabou por influência direta do governo, que deu um basta aos ataques mútuos numa reunião com diretores das emissoras. "Houve uma ordem da presidência da República para que se fizesse uma reunião com a diretoria das redes Globo e Record no sentido de forçar uma parada nas denúncias de um lado e de outro, pois estavam indo longe demais", afirmou o pastor Fanini.

O pastor paranaense Nilson Fanini, 63 anos, tornou-se o primeiro brasileiro a ocupar a presidência da Aliança Batista Mundial, entidade que representa os mais de 100 milhões de batistas do planeta. Como evangelista, já pregou em 87 países. Além de pastorear há 31 anos a Primeira Igreja Batista de Niterói, também preside o Reencontro, organização assistencial que atende milhares de pessoas de Niterói e municípios vizinhos. O programa do mesmo nome que comanda é um dos mais antigos evangelísticos de TV em rede nacional. Recentemente, teve o nome cogitado para uma eventual candidatura a presidente da República.

Mas a este impressionante e elogiável histórico de vida juntou-se, no fim de janeiro, um episódio extremanente confuso: uma reportagem do jornal O Globo acusa o pastor Fanini de ter vendido 51% das ações da TV Record Rio de forma irregular. Esta acusação contradiz as informações anteriormente prestadas pelo líder batista. Na entrevista à VINDE, duas semanas antes, ele garantia ser ainda acionista majoritário. Procurado depois pela nossa reportagem para contar sua versão, o pastor Fanini não respondeu até o fechamento desta edição, em meados de fevereiro.

O que significa para a igreja evangélica brasileira, e mais especificamente para a denominação batista, o fato de o senhor ter sido eleito presidente da Aliança Batista Mundial?

Foi uma escolha divina. É uma honra muito grande para mim e para o país ter um brasileiro à frente de 200 pastores que representam, por sua vez, várias nações da Terra, num trabalho que reúne mais de 100 milhões de cristãos.

Como ocorrem as eleições para a escolha de um novo presidente da ABM?

Para cada mandato elege-se o representante de um continente diferente. O meu vai de 1995 até o ano 2000. Nas próximas eleições, tudo indica que o presidente será da África. Ele precisa ter um certo currículo. Deus vinha me preparando. Já preguei em 87 países, o que me tornou bastante conhecido no mundo como evangelista. Na minha posse, em Buenos Aires, desafiei os representantes das 128 nações a dobrar o número de batistas na Terra até o ano 2000. Ou seja, o objetivo é atingirmos 200 milhões de pessoas, 500 mil igrejas e 72 mil universidades e colégios em toda a Terra.

Conjectura-se que o senhor pode vir a se candidatar à presidência da República. Como surgiu isto?

Houve essa passeata muito grande (promovida pela Igreja Universal do Reino de Deus), com 1 milhão de pessoas em todo o país, e alguém citou meu nome. A imprensa diz que, dessa vez, foi o Laprovita (Vieira, deputado federal), mas ele nem me consultou. O resultado é que fui procurado por diversos jornais do país e tive que me declarar contrário à idéia. Talvez amanhã Deus queira, mas, no momento, já me deu uma tarefa muito grande.

Carlos Fernandes
"Fui procurado pelos jornais e me declarei contrário à idéia de ser presidente da República. Talvez amanhã Deus queira, mas não no momento."

Pesquisas indicam que os evangélicos brasileiros estão decepcionados com a atuação dos seus representantes políticos. O que o senhor acha?

Igreja é uma coisa, política é outra. A igreja não pode ser palanque nem partido político. Agora, que a política precisa de sal e luz, é uma realidade. É uma decepção dupla: quando se elege uma pessoa e ela falha, ela falha como cidadão e como crente.

As obras assistenciais do Reencontro já existem há 20 anos. Como está este trabalho atualmente?

Me baseio na mensagem que Deus colocou no meu coração: que Jesus ia de cidade em cidade pregando, ensinando e curando. Baseado nesse tema, pregando o Evangelho total para o homem total, o Reencontro marcha. Com isso, hoje temos 29 especialidades clínicas, 56 médicos, 22 dentistas, enfermeiros que já perdi o número e assistentes sociais. Em 1995 atendemos quase 120 mil pessoas. Temos também as cruzadas no Brasil e no mundo, programas de rádio e televisão e também a Liga Bíblica, que já distribuiu 18 milhões de novos testamentos.

O programa começou durante o regime militar. Houve problemas com censura?

Me censuravam, não deixavam falar muitas coisas, mas nunca tive problemas sérios.

Como foi o processo para conseguir a concessão da TV Rio na década de 80?

Eu e o Arolde de Oliveira (deputado federal), então diretor do Dentel, fizemos uma empresa e começamos a concorrer com muitos pretendentes, entre eles o Jornal do Brasil, a Editora Abril e o Paulo Maluf. O Leitão (de Abreu), chefe de gabinete do presidente Figueiredo, sugeriu que se desse a concessão para "um pastor que tem aí, que ele não vai botar no ar mesmo". Aí, ele me deu. Só que, com a ajuda de Deus, eu botei no ar. Sem um tostão da igreja, do Reencontro ou de qualquer evangélico. O dinheiro veio da minha família, que é dona da Kepler-Weber S.A.

Seria a primeiro emissora evangélica do país?

Inicialmente nós tentamos, mas depois descobri que uma televisão no Brasil, principalmente em VHF, não consegue sobreviver só com programação evangélica. Eu estava sempre no vermelho. Mas depois que entrou em rede. o custo foi dividido.

Foi assim que a TV Rio acabou se tomando Rede Record?

O nome é fantasia. A razão social é Rádio Difusão Ebenezer Ltda. O nome fantasia pode ser mudado a qualquer momento. Para fazer a rede, ficou Record Rio.

O senhor ainda tem ligações com a TV Rio?

Detenho ainda 51% das ações e estou negociando a venda para um grupo de 6 empresários, que detêm os outros 49% das ações. Portanto, é necessário que eu assine centenas de cheques pela empresa, pois ainda sou sócio majoritário.

Os mesmos que detêm o controle da emissora no restante do Brasil?

Do lado da Rede Record, não sei dizer. Sei que a TV Rio tem um contrato de filiada com a Rede Record. A programação é selecionada por nós. O que eu quero dizer é que está-se cumprindo hoje a finalidade para a qual eu a criei, ela está glorificando e defendendo o nome de Deus.

Na época em que a Record foi comprada em São Paulo falou-se em 45 milhões de dólares. Este é o preço de uma emissora de TV?

A Record de lá é outra coisa completamente diferente. Aqui é outra empresa, não tém nada a ver com a Record de São Paulo.

Como presidente da Aliança Batista Mundial, o senhor é remunerado?

Boa pergunta. É bom que se diga que não recebo um tostão da ABM, eles só me ajudam com as passagens. É tudo por amor ao Evangelho.

A que o senhor atribui o crescimento dos evangélicos no Brasil nos últimos anos?

Hoje o crescimento dos evangélicos é duas vezes e meia mais rápido do que o da população brasileira. Não é só quando Caio Fábio, Fanini, Billy Graham enchem o Maracanã. Hoje o que vale é essa garra, esse exército de irmãozinhos e irmãzinhas que fazem reuniões nos colégios, nas fábricas, nas Forças Armadas. E mais: a mídia. Hoje nós temos boas emissoras de rádio e de televisão evangélicas.

O senhor acredita que o crescimento quantitativo foi acompanhado de crescimento qualitativo?

Sim e não. Há muitas igrejas por aí que não estão batizando. Em outras falta espiritualidade. Além disso, a liderança tem que estar cada vez melhor preparada. O pastor tem que ser quase um super-homem, visitar, pregar, evangelizar etc. Mas, na maioria dos casos, está havendo, graças a Deus, um bom crescimento.

Carlos Fernandes
"Uma pessoa me ligou do Planalto contando que o presidente queria uma reunião entre diretores da Globo e Record. Estavam indo longe demais."

Os escândalos atuais envolvendo líderes da Igreja Universal do Reino de Deus são resultado desse crescimento quantitativo sem o devido preparo qualitativo?

Neste caso há uma guerra empresarial, não religiosa. São duas redes que estão lutando por espaço. Recebi um telefonema há poucos dias do Palácio do Planalto. A pessoa me pedia para orar pela situação e me contou que houve uma ordem direta da presidência da República para que se fizesse uma reunião com a diretoria das redes Globo e Record no sentido de forçar uma parada nas denúncias de um lado e de outro, pois estavam indo longe demais. E esta reunião foi realizada.

Esta reunião foi com o próprio Ministro das Comunicações, Sérgio Motta?

Não posso declarar. Mas orei a Deus para que cultivássemos o valor religioso das mensagens da Record.

Como o senhor analisa os escândalos envolvendo os evangélicos no Brasil e no mundo por conta dos métodos da IURD?

Não me cabe criticar. A Igreja Universal tem tirado 6 milhões de pessoas das garras do diabo, e nisto realiza um grande trabalho. Agora, é uma igreja adolescente. Está formando a doutrina, a teologia, os pastores. É natural que algumas coisas aconteçam. Tem coisas que eu fazia na minha adolescência e não faço mais hoje. Houve um momento em que a Associação Evangélica Brasileira se manifestou contrária aos métodos da Universal.

A cúpula da IURD reagiu com um documento contendo a assinatura de vários pastores, inclusive do senhor. Qual o motivo de seu apoio?

Era uma questão de liberdade religiosa. A Universal tem direito à liberdade. Aquilo foi Nilson Fanini quem assinou, não foi o presidente da Aliança. A Igreja Batista não tomou partido, nem para um lado nem para o outro.

O senhor crê que esteja havendo uma perseguição contra a igreja evangélica?

Ultimamente estão perseguindo muito os evangélicos. Quando, por exemplo, um deputado católico ou espírita faz umas e outras, nunca se diz que ele é católico ou espírita. Mas quando é um evangélico, dizem até a qual igreja pertence. Isso é discriminação e é inconstitucional.

Enfim, como o senhor se posiciona em relação à IURD?

Eu admiro o trabalho fantástico que a Igreja Universal faz, mas com algumas coisas não concordo, como talvez eles não concordem com algumas coisas da minha igreja. Discordo dos métodos da IURD, mas devemos respeitar um ao outro.


Extraído Entrevista. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 5, p. 6, mar. 1996.

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