sexta-feira, 1 de dezembro de 1995

As doze 'marcelladas'

Ao atacar a Fábrica de Esperança e seus organizadores, antes mesmo da conclusão de qualquer investigação, o governador Marcello Alencar cometeu 12 falhas:

Carlos Fernandes
Marcello enganou o reverendo Caio, dizendo que não tinha nada contra a Fábrica
  1. Diz ter recebido informações sobre o uso ilícito da Fábrica de Esperança, em janeiro deste ano, mas não tomou providencias durante mais de 11 meses, acompanhando inclusive o presidente da República em visita às suas instalações;
  2. Disse ao prefeito César Maia que as crianças levam e trazem drogas desde janeiro, mas as primeiras crianças entraram na Fábrica apenas no final de maio;
  3. Disse que os titulares da Fábrica estavam construindo um projeto de milhões de dólares, usado como fachada para guardar apenas dois quilos de cocaína;
  4. Cobrou dos responsáveis pela Fábrica que dessem total garantia de que não haveria mais invasões furtivas de bandidos que vivem na favela vizinha à Fábrica, esquecendo-se que o Estado, com todo seu aparato, não tem sido capaz de coibir com eficácia as ações dos criminosos;
  5. Afirmou que os vigilantes da Fábrica obstruíram a entrada dos policiais, mas os portões da Fábrica estavam abertos e o vigilante apenas disse que iria informar o fato à administração;
  6. Declarou que os policiais invadiram a Fábrica porque sistematicamente os administradores impediam a entrada da polícia, esquecendo-se de que uma das sete entradas da Fábrica é guardada por dois policiais militares, 24 horas por dia, no Centro Comunitário de Defesa da Cidadania. A chave desse portão fica em poder do administrador daquele órgão do governo;
  7. Exigiu impecabilidade da vigilância da Fábrica de Esperança, quando os policiais do Centro de Defesa da Cidadania estavam mais próximos do local onde a droga foi encontrada, do que os vigilantes da Fábrica;
  8. Acusou os diretores da Fábrica de transigirem com os bandidos, esquecendo de que o muro construído pela Fábrica de Esperança - com 4 metros de altura por 3,50 de comprimento - é reto, ao contrário do muro construído em zigue zague pela Prefeitura do Rio, por conta de ação do tráfico de drogas. O próprio prefeito César Maia declarou em artigo publicado nos jornais que o poder público tem tido eventualmente que negociar com traficantes a construção de obras públicas;
  9. Acusou a administração da Fábrica de Esperança de tentar desvalorizar a investigação policial, ao criar uma comissão de sindicância interna, esquecendo-se de que tal iniciativa apenas denota o desconforto no qual os diretores do projeto se viram, antes as declarações precipitadas do governador de que o local era "depósito e ponto de distribuição de drogas". O governador sugeriu até que os diretores "arrumem seus culpados";
  10. Acreditou que a Fábrica de Esperança era um lugar de ilícito penal, mas ainda assim sancionou o projeto de lei transformando a Fábrica em entidade de utilidade pública estadual, em data posterior à sua conversa com o prefeito, que lhe teria feito denúncias sobre a Fábrica;
  11. Iludiu o reverendo Caio Fábio, em encontro no Palácio Guanabara, no dia 12 de julho deste ano, dizendo-lhe que não tinha nada contra o reverendo, exaltando as atividades da Fábrica, aceitando receber uma oração em seu favor e dizendo, ainda, que gostaria de visitar a entidade para conhecer seus projetos. Na verdade, já havia afumado diversas vezes, inclusive ao prefeito, que supunha haver atividades irregulares na Fábrica de Esperança;
  12. Acusou peremptoriamente a Fábrica de Esperança de ser depósito e centro de distribuição de drogas, sem saber que, no mesmo dia, durante as diligências policiais nas dependências da Fábrica, cerca de 15 policiais que participaram da operação pediram para almoçar no restaurante da instituição, comendo assim comida que pretensamente teria sido comprada com dinheiro ilícito.

Um chute na Fábrica de Esperança

Governador do Rio, Marcello Alencar, faz acusações aos responsáveis pelo maior projeto social do país

Por Carlos Fernandes


Carlos Fernandes
A passeata Reage Rio solidarizou-se com o drama vivido pela Fábrica de Esperança

Como se usasse uma boca com biqueira de metal, o governador do Estado do Rio, Marcelo Alencar chutou sem piedade a Fábrica de Esperança, o megaprojeto social da Vinde (Visão Nacional de Evangelização) e um dos símbolos do movimento Viva Rio, contra a violência e pela recuperação econômica e social do Rio. A apreensão de drogas numa área isolada da Fábrica, em Acari, no dia 23 de novembro, foi usada pelo governador, como um pretexto para atacar duramente os responsáveis pelo projeto social. Marcello lançou suspeitas sobre a idoneidade dos organizadores, afirmando estar convicto de que o local serve de fachada para depósito e distribuição de drogas. Irônico, chegou a chamar o projeto de "fábrica da desesperança".

A atitude do governador foi classificada dc "leviana, irresponsável e precipitada" pelo reverendo Caio Fábio D' Araújo Filho, idealizador do projeto, que se revelou perplexo com a reação de Marcelo Alencar. Em entrevista coletiva, no dia seguinte, Caio mostrou-se triste e afirmou que sua intenção nunca foi a de "bater de frente" com o governo do Estado. "O governador foi, no mínimo, precipitado, pois fez declarações antes de as investigações estarem conduídas", disse o reverendo. Ele desabafou, dizendo que o projeto é sério e lamentando que os traficantes possam ter escondido "essas porcarias" dentro da Fábrica. Ele admite que, por estar no meio de uma região perigosa ("aquilo é um barril de pólvora", afirmou), a Fábrica de Esperança está exposta a todos os tipos de riscos, inclusive a ação das quadrilhas da região. O fato de a apreensão ter ocorrido dias antes da passeata Reage Rio levou o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a imaginar que tudo pode ter sido "uma armação" com a intenção de esvaziar o movimento.

Apoios - Ao contrário da imagem da santa que não pode reagir, a sociedade civil respondeu prontamente às acusações do governador. Representantes de todos os segmentos da sociedade - entre religiosos, sindicalistas, políticos e organizações não-governamentais - deram apoio ao reverendo Caio Fábio e aos diretores da Fábrica de Esperança. manifestando repúdio à intenção do governador de tentar vinculá-los ao tráfico de drogas. Quatro dias depois dos dardos do governador, mais de quinhentas pessoas participaram de ato público em apoio à Fábrica. O antropólogo Rubem César Fernandes, coordenador do movimento Viva Rio e um dos organizadores da passeata, disse que Caio Fábio "é um homem rigoroso e está acima de qualquer suspeita". A senadora Benedita da Silva (PT-RJ), acusou Marcelo Alencar de investir no caos num momento em que a sociedade se une para pedir mais segurança. Benedita considerou um absurdo suspeitar-se que o reverendo Caio Fábio, pastor evangélico há 22 anos - reconhecido internacionalmente como um sacerdote engajado em ações sociais - tenha qualquer envolvimento com o tráfico de drogas.

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, presidente do Ibase e símbolo nacional da luta contra a fome e a miséria, solidarizou-se com o trabalho desenvolvido pela Fábrica de Esperança, considerando que ele é realizado "em condições excepcionais e em meio à mais profunda miséria". O reverendo Caio Fábio começou a receber centenas de mensagens de apoio vindas de todo o país e os jornais publicaram cenas de solidariedade ao seu trabalho e de repúdio às declarações do governador. Numa delas. Marcelo afirmou que as organizações não-governamentais devem se livrar de "aventureiros com capa de generosidade". Os parceiros da Fábrica demonstraram total solidariedade e manifestaram claramente a intenção de manter seu apoio. Representantes da Xerox do Brasil, Golden Cross e Curso Yázigi reafirmaram sua confiança nos responsáveis pela Fábrica, e confirmaram que todos os convênios em andamento serão integralmente mantidos. Viviane Senna, que estava no Japão, telefonou para informar que vai manter seus projetos.

Boa parte da opinião pública está convencida de que o governador teve a intenção de dar o maior destaque possível ao caso, numa tentativa de enfraquecer a passeata Reage Rio que, entre outras coisas, colocaria em xeque a política de segurança do Estado, num momento em que se evidencia o recrudescimento da violência. Segundo estatísticas do Instituto Médico Legal - IML -, o número de assassinatos no Estado do Rio, de janeiro a novembro, chegou a 4.269, numa trágica média de 12 homicídios por dia. Até outubro, a Secretaria da Segurança Pública contabilizou 88 sequestros, ao mesmo tempo em que cerca de 160 crianças estão desaparecidas. Entre assaltos a bancos, roubos e furtos de carros e cargas, foram registrados mais de 33 mil, deixando clara a ineficiência do governo do Estado do Rio no controle da violência.

Providências - O reverendo Caio Fábio anunciou providências imediatas, como um levantamento completo sobre todos os funcionários da Fábrica, inclusive de seus antecedentes, na tentativa de descobrir qualquer envolvimento ou eventual conivência de algum deles com as atividades dos traficantes do complexo de favelas da região. Uma comissão de sindicância interna foi instalada. Além disso, a segurança vai ser terceirizada e ampliada. Até então, havia apenas 16 homens em três turnos, para vigiar uma área de 55 mil metros quadrados. Lembrando que é "o maior interessado em que tudo seja esclarecido", Caio Fábio recorreu ao Ministério Público para investigar minuciosamente o ocorrido. Com relação às acusações de Marcelo Alencar, o reverendo explicou que esperará a conclusão das investigações para decidir que providências tomará, mas a possibilidade de interpelar judicialmente o governador não está afastada. "Uma coisa é certa: eu não vou agir da mesma forma precipitada que o governador está agindo", afirmou. Caio Fábio estranhou ainda o fato de o governador e o prefeito terem afirmado que já tinham suspeitas a respeito das atividades da Fábrica. "Se era assim, por que eles não nos avisaram?"

Dizendo que sua função não é policialesca - "nós não perguntamos quem são os pais das crianças e jovens que se beneficiam do nosso trabalho" o reverendo criticou o governador por não controlar a entrada de drogas no Estado.

A ameaça de Marcelo Alencar, que dedarou que a Fábrica de Esperança poderia até ser fechada em consequência do episódio, foi desaprezada pelo reverendo, que lembrou que o projeto não é um órgão governamental e não pode ser desativada pela vontade do governador. Ele reafirmou sua expectativa de que o movimento Reage Rio atingiria plenamente seus objetivos. "Se alguém pensou que ia desmobilizar a manifestação, o tiro saiu pela culatra; caminhamos unidos pela paz nas ruas", disse o pastor após participar do Reage Rio, que parou a cidade no dia 28 de novembro.

Uma força de paz em território minado

Por Zuenir Ventura

Carlos Fernandes
Zuenir: apoio total à Fábrica

A experiência da Fábrica de Esperança é um projeto pioneiro. E uma força de paz no "front" da guerra. Equivale àquelas operações da Cruz Vermelha, no meio do fogo cruzado. Além de vidas, a Fábrica de Esperança também quer salvar almas. Não quer apenas retirar as pessoas da linha de frente, mas dar a elas condições de viver com o mínimo de dignidade. A fábrica combate o bom combate. Quer transformar futuros soldados dessa guerra suja em grandes cidadãos. Eu digo isso com tranquilidade e total isenção porque acompanhei o projeto da Fábrica desde o começo.

Devo ter sido um dos primeiros a descobrir que estava acontecendo ali em Acari, numa das regiões mais áridas do Rio, uma história de esforços reais em favor da paz. Sou testemunha também de que a Fábrica foi madrinha do belo casamento entre a economista Clarice Pechman, fundadora do movimento Viva Rio, e Salo Seibel, do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), um dos sócios da Formitec, que doou à antiga fábrica ao pastor Caio Fábio. A Fábrica é o maior monumento à paz, à reconstrução da cidade, que já foi feito. Não conheço no país outro projeto social com essas dimensões. Mas a Fábrica não é apenas um marco simbólico do Viva Rio. Se fosse só simbólico, já seria bom. Mas, melhor ainda, é uma ação concreta que supre a ausência do poder público, numa área conflagrada.

Outro dado interessante nesse projeto é a participação dos evangélicos, representados pelo pastor Caio Fábio. Antes de conhecer o trabalho dele, na Fábrica, eu tinha uma visão maniqueísta sobre os evangélicos. Para mim, os movimentos dirigidos por eles eram todos suspeitos. Ali tive uma grande revelação. Comecei a descobrir o conteúdo social do projeto. Ao escrever Cidade Partida, me desfiz de muitos estereótipos que são reproduzidos por nós mesmos da imprensa. Um deles era a participação dos evangélicos em obras sociais. A Fábrica me revela o que é uma força de paz num território minado, em pleno centro urbano do Rio de Janeiro.


Zuenir Ventura, 64 anos, é escritor e jornalista há 39 anos. Colunista e editor especial do Jornal do Brasil, contou uma parte da história da Fábrica de Esperança no livro Cidade Partida, da Companhia das Letras.



Tempos de otimismo prudente

Por Manoel Fidalgo


Chico Ferreira/ Editora Três

Vivemos um momento em que o empresariado, de um modo geral, vem encontrando muitas dificuldades devido às regras impostas pelo Plano Real. Não questiono a meta do dito plano. Porém, não me parece muito apropriado o método utilizado na administração pública, que tem levado nosso país a sérias dificuldades. Vejamos alguns pontos importantes, que precisam ser abordados para entendermos o principio, o meio e o fim desta transição econômica e financeira do Brasil.

Desde que tomamos conhecimento da intenção do atual governo de mudar a política econômica e financeira, percebemos que se tratava de um projeto arrojado que, por certo, exigiria do povo um enorme esforço, devido à real necessidade de combater o principal vírus do problema, chamado inflação - que é, sem dúvida, o elevado custo da inflacionária máquina administrativa governamental. Enquanto houvesse abertura total das. torneiras da administração pública, assistiríamos a grandes problemas, na medida em que, quanto mais aquela máquina necessitasse de recursos, maior seria a emissão de dinheiro. Esta era, sem dúvida, a grande causa da desvalorização diária de nossa moeda.

"A escassa liquidez torna cada dia mais árdua a tarefa de manter os níveis de produção e escoamento."

Outro ponto importante se refere às taxas de juros, que têm assolado as empresas no mercado brasileiro em função da escassez do próprio dinheiro no mercado. Tais taxas, cuja prática gera o famoso compulsório, tornam a moeda forte mas, por outro lado, difícil de ser adquirida. A escassa liquidez torna cada dia mais árdua a tarefa de manter os níveis de produção e escoamento. É difícil de acieditar, mas, a despeito da inflação quase zero — e mesmo da eventual deflação —, recorrer ao crédito bancário é algo assustador.

Recentemente, quando estive num banco para realizar uma operação financeira de minha empresa, fui avisado pelo gerente de que a taxa para desconto antecipado de duplicatas era de 8,5% ao mês, o que significava uma taxa efetiva de quase 10% no mesmo período. Em outra ocasião. encontramos a oferta de contrato de capital de giro pelo prazo de 60 dias com garantia de 130% em duplicatas e taxa final de 11% ao mês. Mais desesperador ainda é o cheque especial, que está fazendo um número cada vez maior de vítimas entre pessoas físicas e jurídicas devido às exorbitantes taxas de juros, entre 12% e 15%, tornando-se, sem dúvida, o maior e mais rendoso negócio para os bancos.

No entanto, nem tudo está perdido. É possível perceber uma suave reação no consumo. Acreditamos que o pior já passou e, com a aproximação das festas natalinas, haverá reaquecimento da Marcos Cruz economia. Porém, é preciso cautela. No Brasil de hoje não se permite abusos e sonhos arrojados na administração empresarial e mesmo na familiar. Precisamos entender que, se quisermos um país robusto, com uma economia forte e moeda aceitável em todo o mundo, temos que pensar no amanhã, resguardando economias para o futuro. Portanto, irmãos, sejamos firmes e constantes.


Manoel Fidalgo é empresário do setor de autopeças e pastor batista.

Humor

Carlos Fernandes

Por uma nova Reforma


Por Ricardo Gondim

Nasci num lar de católicos tipicamente nominais, daqueles que pouco vão à igreja e transitam sem muita dificuldade por centros espíritas e cartomantes. Fiz minha primeira comunhão, como a maioria das crianças brasileiras, para desincumbir a família das obrigações sociais. Nesse ambiente, familiarizei-me com uma linguagem ecumênica.

Minha infância foi cheia de medos. Vez por outra, entreouvia conversas sobre almas penadas. Naquelas noites, com certeza, perdia o sono.

Converti-me numa Igreja Presbiteriana. E que alívio. Logo habituei-me com uma linguagem totalmente nova. Os conteúdos da mensagem evangélica significaram valores profundamente libertadores para mim. Primeiro, aprendi que a salvação não depende diretamente de mim, ela aconteceu no Monte Calvário, há quase dois mil anos. Pela fé nos méritos expiatórios de Cristo, eu podia ter certeza de minha salvação. Depois, soube que o mundo dos mortos não é angustiante. O destino eterno das pessoas vai selado pela decisão de aceitar ou rejeitar o dom gratuito de Deus. Quão glorioso foi para mim viver sem o constante assédio das almas penadas do meu imaginário. Foi-me apresentada uma mensagem na qual Cristo reinava sobranceiro, gloriosamente entronizado como Senhor dos senhores. Naqueles dias de neófito, o Senhor era meu tudo, e a vida cristã, uma alegria contagiante.

Passados mais de 25 anos, a igreja mudou muito. Estarrecido, deparo-me com uma Igreja Evangélica carente de intermináveis correntes para alcançar o favor de Deus. Medrosa de maldições, essa Igreja precisa constantemente quebrar encantos. Incerta quanto ao soberano controle de Deus, nomeia paranoicamente a atuação de demônios que precisariam ser amarrados para não manipularem nossa história. Aturdido, vejo essa Igreja reelaborando a água benta da minha infância, com o nome de água fluidificada. Isso para não falar do sal grosso, dos ramos de arruda e de uma longa lista de superstições praticadas em nome da fé evangélica.

"Influenciada por uma concepção materialista, a igreja Evangélica brasileira tem se lançado numa busca desenfreada para alcançar multidões, sem se importar como"

Alguns tentam explicar esses acontecimentos como sincretismo. Diante da rápida expansão dos evangélicos e seu lamentável enfraquecimento doutrinário, a igreja teria, inconscientemente, incorporado valores da religiosidade popular. Não creio assim. Penso testemunharmos um fenômeno puramente mercadológico. A fim de alcançar as massas em um tempo mínimo, apela-se para atalhos não evangélicos. Influenciada por uma concepção materialista e enxergando no crescimento numérico um fator divino, a Igreja Evangélica tem se lançado numa busca desenfreada para alcançar as multidões, sem se importar como. Assim, princípios fundamentais da fé vão sendo deixados de lado. Importa hoje ocupar espaços físicos, mostrar-se visível. Infelizmente, em alguns momentos, essa visibilidade tem sido prejudicial.

A apropriação desses valores da religiosidade popular é desonesta. Parecemos com católicos e espíritas, não porque os admiramos, mas para cooptar seus fiéis. Esse adultério brasileiro dos princípios da fé cristã agrava o coração de Deus, gera cristãos sem conversão genuína e, pior, é antiético.

A Igreja Evangélica brasileira deve lembrar-se de onde caiu, arrepender-se e voltar à prática das primeiras obras (Apocalipse 2:5). É tempo de voltar à Bíblia. Buscar uma nova Reforma. Quando a igreja medieval naufragava no lamaçal das indulgências, Deus levantou Maninho Lutero, conclamando o povo ao Sola Scriptura. Basta de invencionice humana somente para atrair multidões. A mensagem dos nossos púlpitos deve voltar a ser }astreada pela graça. As pessoas não precisam fazer mais nada para alcançar o favor de Deus.

Deus é por nós. As forças diabólicas não nos atormentam. Cristo já derrotou a perigosa serpente. Agora é possível descansar em Seu amor. Não há mais demônios a serem amarrados, "pois tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, cravando-o na cruz. E, despojando os principados e as potestades publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz" (Colossenses 2:14-15).

Que a igreja abandone urgentemente qualquer obsessão mercadejadora da fé e volte ao caminho do discipulado. Assim, pode ser que não se impressione com superlativos numéricos e cumpra sua vocação de ser sal e luz. Soli Deo Gloriae.


Ricardo Gondim é presidente da Fraternidade Teológica Latino-americana no Brasil e pastor da Igreja Betesda em São Paulo

Os caiuás entre a cruz e o suicídio

Missionários garantem fazer mais pelos índios do que se imagina

Por Danielle Franco, de Dourados (MS)

Maria Inês Noronha
Os índios recebem assistência médica e espiritual dos missionários

Um estranho fenômeno social verificado na reserva indígena caiuá, localizada na cidade de Dourados, distante 210 quilômetros de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, pôs em cheque a presença dos missionários na região. A informação sobre o crescimento no número de suicídios entre os jovens da tribo, dada em tom de alarme por alguns jornais, veio acompanhada de uma suspeita: a de que os evangélicos estariam aculturando os índios e provocando neles um enorme sentimento de culpa depois de suas conversões ao Evangelho de Jesus Cristo. A explicação sensacionalista serve como camuflagem para o problema real. Sem dinheiro e emprego, os índios não-convertidos mergulham no alcoolismo e na depressão suicida. De origem nômade, os caiuás, agora confinados na reserva, têm dificuldades para se adaptar a uma economia voltada para o plantio e a criação de animais. Até a Funai tem se manifestado contra a presença de missionários nas tribos, a ponto de criar instruções normativas que impedem a entrada de evangélicos nas comunidades mais isoladas. Para quem vive nas reservas a realidade é outra. De acordo com o vice-capitão Narciso Daniel, que é evangélico, todos os jovens que se mataram estavam envolvidos com alcoolismo e sem emprego fixo. Na opinião dele, essa desesperança é justamente a falta de intimidade com a Palavra de Deus. "Quando o índio se converte, ele pára de beber e de fumar, se volta para a família", defende. "O Evangelho não tira a cultura do índio. Ele sabe guardar o que é bom."

O professor de ensino religioso para crianças da aldeia, Isaque de Souza, compartilha da opinião. Ele conta que já passou por esse problema. "Eu também pensei em me matar quando era mais novo. Me sentia muito mal porque, além de pobre, era índio, e a gente se sente muito discriminado por isso. Quando me converti, entendi o quanto que eu era especial para Deus. Então, resolvi estudar e ser missionário. Os índios precisam, e muito, de ser evangelizados. A mensagem do Evangelho não leva o índio ao suicídio. A ideia surge justamente pela falta dele", conclui.

Na realidade: o maior desafio dos missionários tem sido acabar com a crescente onda de mortes, proporcionando a eles uma nova opção de vida. O trabalho da Missão Caiuá, que fica ao lado da reserva, não é novo. Ela foi fundada no início do século pelo missionário americano Albert Maxwel, e há 11 anos é dirigida pelo pastor Benjamim Bernardes, da Igreja Presbiteriana do Brasil, que mora na reserva com a mulher e duas filhas.

Maria Inês Noronha
A educação é uma das armas contra o desemprego na tribo

O pastor Benjamin explica que o atendimento à tribo nas áreas de saúde, educação, cultura e, principalmente, evangelização, fez com que os índios caiuás ficassem conhecidos como "a tribo que não morreu". Isso porque quando a missão iniciou seu trabalho na reserva, a tribo era formada por quatro mil pessoas. Hoje, devido a todos os trabalhos desenvolvidos pelos missionários, o número cresceu para nove mil. Mesmo diante desses resultados, os missionários têm sido impedidos pela Funai de entrar nas reservas mais isoladas. O argumento para o impedimento é sempre o mesmo: a destruição da cultura através da evangelização.

Um exemplo de que o evangelho não destrói a cultura indígena é o trabalho desenvolvido pelo caiuá Dorival da Silva. Formado pela escola bíblica da Missão Caiuá, ele dirige cultos evangelísticos dentro da aldeia. "Seria bom se mais pessoas viessem para me ajudar na evangelização. Esse trabalho é muito importante. A conversão afasta o índio da bebida, que provoca muitas brigas nas famílias. Outro dia, um índio chegou em casa bêbado, brigou com a mulher e tocou fogo na sua casa. O índio que é crente não faz isso, porque ele sabe que não pode beber", esclarece.

Maria Inês Noronha
Família do missionário caiuá Dorival da Silva: harmonia entre o Evangelho e a cultura indigena

Funai restringe trabalhos missionários nas reservas

As relações entre as missões evangélicas e a Funai sempre foram delicadas. Mas isso se tornou mais evidente a partir dc 1994, quando o órgão publicou no Diário Oficial do dia 8 de abril duas instruções normativas, onde vários artigos restringem ou vetam ações missionárias nas reservas. Uma das decisões que mais tem preocupado as missões está na norma de instrução número 2, artigo 7, capítulo IX, que diz: "O material didático produzido pela missão/instituição religiosa deverá ser submetido ao departamento de educação e a utilização dos materiais bilíngües para veiculação de textos bíblicos nas áreas indígenas, não serão autorizados".

Trabalhando na tradução do Novo Testamento para a língua caiuá desde 1969, a antropóloga cristã americana Loraine Irene Bridgman decidiu conhecer e estudar a cultura indígena por ter a convicção de que a mensagem do Evangelho deve ser levada a todos os povos. Atualmente sem licença da Funai para entrar nas reservas, ela está morando na Missão Caiuá e, com a ajuda do índio Xisto Sanches, está traduzindo o livro de Salmos. 'Eu sei que o mundo não quer que o Evangelho chegue a nenhum lugar. Então, se as pessoas não compreendem a importância desse ministério, elas não deveriam impedir o trabalho. Não é assegurado por lei a liberdade de religião?", questiona. Em relação às críticas de que o trabalho missionário acultura os índios, Loraine é categórica: "A conversão ao cristianismo gera transformação, mas para uma vida nova. Isso não significa que você vai deixar de ser você mesmo. Eu não deixei de ser americana, portanto, o índio não deixará de ser índio", argumenta.

Atualmente, a maior preocupação da antropóloga é dar continuidade ao trabalho de tradução da Bíblia. Com 69 anos, teme não ver seu projeto terminado, principalmente depois das normas impostas pela Funai. "Estou orando para que Deus levante pessoas comprometidas com o trabalho missionário. Os povos indígenas também precisam de salvação", alerta.

Surpreso também com essa iniciativa, Carlos Terena, que atualmente trabalha no Departamento de Comunicação da Funai, desabafa: "Quando me converti, passei a ter amor próprio e a me reconhecer como um povo diferente, como Terena. índios, como vocês nos chamam. Senti uma razão maior para viver até quando losko'oviti me chamar". Sua preocupação vai mais além. "Onde está o nosso direito universal como seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, com a liberdade de conhecer a verdade em nossa língua? Aceitarmos ou não, é outra questão. Ninguém tem o direito de nos restringir, patrulhar ou decidir o que é melhor para nós através de normas de gabinete. Hoje, o governo oficializa essa situação conosco. Quem sabe não é um precedente para que se faça isso com os evangélicos não-índios amanhã? Até este momento, as missão que sempre tiveram um trabalho sério, respeitado e organizado são as que estão sendo atingidas", denuncia.

Procurado pela revista para esclarecer essa determinação, o presidente da Funai, Márcio Santilli, não respondeu ao fax que foi enviado.


Os teimosos preços que sobem

Por Emílio Gargalo


Chico Ferreira/ Editora Três
Não há plano que segure os preços altos,
que afugentam a freguesia dos restaurantes

Todo mundo percebe que a maioria dos preços não tem subido desde a implantação do real. Mas alguns preços não querem ajudar e sobem de forma assustadora. Esse é o caso de cabeleireiro, restaurante, médico, engraxate, lava-rápido, estacionamento e outros que o leitor conhece bem.

Por quê? Basicamente porque há produtos facilmente substituíveis e outros que, ou não se pode substituir, ou a substituição só se dá a médio e longo prazo. Se o preço da margarina sobe, a gente compra manteiga. Se a manteiga sobe, pode-se trocá-la por geléia. E, se todos subirem ao mesmo tempo, alguém importa os três e os preços têm que baixar. Isso vale para automóveis, balas, arroz, bicicletas, em suma, qualquer produto que se possa substituir rapidamente ou se possa importar para fazer concorrência.

Para os serviços, isso é praticamente impossível no curto prazo. Como substituir o seu médico de confiança, de tantos anos, que dobrou o preço da consulta? Isto exigiria uma longa pesquisa, e pode ser que a gente abra mão de um luxo qualquer para manter aquele médico. E os restaurantes? Levaram os preços para as nuvens. Só que, com isso, tornaram o seu negócio tão rentável que muitos outros se interessarão em abrir restaurantes. Mas isso demora. Construir casa, decorar, encontrar cozinheiros, garçons, gerente etc. Talvez alguns meses entre o momento em que se percebeu que a atividade pode ser altamente lucrativa, tomar a decisão e implementar o negócio.

Porém, ao longo do tempo, outros restaurantes surgirão e aqueles primeiros terão que baixar os preços para recuperar os fregueses. Outra alternativa, no caso dos restaurantes, quando os preços sobem muito, é parar de frequentá-los. Lentamente, os fregueses vão percebendo os preços muito altoe e simplesmente reduzem ou eliminam as idas a restaurantes. Com a redução no faturarnento, os restaurantes começam a fazer promoções do tipo mulher acompanhada não paga, cardápio executivo de segunda a sexta, etc.

Portanto, há que se substituir os substituíveis e usar em escala mínima os serviços que não se pode substituir, esperando que, ao longo do tempo, voltem ao normal.

Isso é normal nos processos de estabilização de economias altamente inflacionárias, e foi observado em todos os países que lograram a estabilização.

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Emílio Gargalo é bacharel em Economia pela PUC-SP e sócio-diretor da MCM Consultores Associados S. C Ltda.

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...