sexta-feira, 1 de março de 1996

Real vale mais que dólar?

Por Emilio Gargalo


Renato BittencourVArtware

O brasileiro vive uma situação curiosa e inédita ao ver que um dólar vale menos do que um real, esta moeda mágica, e pergunta-se como isto é possível, durável, razoável. Claro que é! Mas, veja bem, isto não significa que o real seja mais forte do que o dólar. Da mesma forma, com um único peso argentino pode-se comprar 1,5 mil libras italianas, sem que isto signifique que a moeda de nosso vizinho seja mais forte que a moeda do país de Pavarotti.

Vamos por partes (à moda de Jack, o estripadar): lembre-se de que um real é a nova versão dos antigos 2.750 cruzeiros reais. Que, por sua vez, já eram uma versão melhorada de 2.750.000 cruzeiros. Ou, 2.750.000.000 de cruzados. E assim sucessivamente. Ou seja, fizemos várias cirurgias plásticas na moeda nacional ao longo dos anos, mudando a forma de representá-la. O grande mérito do real está no fato de não se ter deteriorado ao longo do tempo, isto é, não perdeu valor em relação às outras moedas e, principalmente, manteve seu poder de compra dentro do Brasil. Isso porque o governo vem controlando a emissão de moeda e mantendo sob controle os seus próprios gastos. Emitir dinheiro sem controle faz com que ele perca o valor.

Quando alguém, brasileiro ou estrangeiro, troca seus dólares, seus ienes, seus pesos etc. por reais, não o faz porque um dólar corresponde a noventa e sete centavos de real. Faz porque gosta da rentabilidade do real, garantida pelos juros altos, e porque aposta na sua estabilidade, pelo menos a médio prazo.

Por isso, não se assuste se a relação vier a se inverter, isto é, se um dólar passar a comprar mais do que um real. O Brasil não tem um compromisso forte da relação um por um como, por exemplo, a Argentina, que fixou em lei esta paridade. O real poderá ser lentamente desvalorizado, se isto for necessário para manter nossas exportações. O investidor se assusta, na verdade, quando uma moeda se deteriora muito rapidamente, como acontecia com nossos cruzeiros e cruzados, ou se a rentabilidade for muito baixa, ou ainda se as reservas do pais forem baixas, indicando que ele pode vir a não receber o dinheiro investido.

Só para completar a história, já que citamos a Argentina, lembre-se de que na Ultima cirurgia da moeda feita por lá, quando transformaram os austrais em pesos, o valor da moeda foi dividido por 10 mil. Mas, diferentemente do Brasil, a paridade é um peso para um dólar. E é lei.


Emílio Gargalo é bacharel em Economia pela PUC-SP e sócio-diretor da MCM Consultores Associados S. C. Ltda.


Extraído Moeda e Mercado. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 5, p. 24, mar. 1996.

Humor

Carlos Fernandes

O senhor poderia me informar onde estou?

Boa leitura

Sal fora do saleiro

Sal fora do saleiro
Caio Fábio DAraújo Filho
Ed. Vinde Comunicações - 140 págs.

A literatura biblicamente contextualizada já se tornou marca registrada dos livros do reverendo Caio Fábio d'Araújo Filho. Em Sal fora do saleiro, o autor, mais uma vez, vem a público encorajar o leitor a deixar de oscilar num estilo de vida ora intragavelmente salgado, ora absolutamente insosso. O escritor nos convida a experimentar uma forma de viver mais saborosa, equilibrada, comprometida, saudável e, acima de tudo, uma receita que segue de perto os ensinamentos daquele que testemunhou a nosso respeito: "Vós sois o sal da terra." O autor se utiliza de exemplos, como os do transformador apóstolo Paulo em contraste com os do destemperado Jonas, do multiplicador Eliseu e do próprio Jesus, para legitimar o jeito refinado e puro que um cristão deve ter numa sociedade cada vez mais temperada por valores que fazem sofrer e amargurar a alma. Ser sal fora do saleiro é levar gosto ao desgosto do planeta, é manter a diferença e conservar o conteúdo, é ter o outro como projeto pessoal. Sal fora do saleiro é para ser saboreado com a certeza de que é extremamente importante a pitada de participação de cada um no processo de transformação da Igreja e do país.

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Carlos Fernandes

A noite escura e mais eu
Lygia Fagundes Telles
Editora Nova Fronteira - 205 págs.

Eis que a grande escritora brasileira retorna ao conto, o gênero de sua paixão, conforme tem declarado costumeiramente. Neste novo livro, a autora apresenta nove contos escritos num estilo vigoroso e fluente, com muita poesia e originalidade. O texto é extremamente seqüenciado, fazendo-nos sentir privilegiados espectadores de cada história. Destacam-se os contos O crachá nos dentes, que focaliza a desesperada busca do eu e a tentativa de se encontrar a tábua de salvação, e Boa noite, Maria, retratando o perfil solitário e inseguro de Maria Leonor, que não tem medo da morte, mas do que pode vir antes de sua chegada. A partir daí, a questão da eutanásia é abordada.

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Carlos Fernandes

Mulher sem nome
Nancy Gonçalves Dusilek
Editora Vida - 96 págs.

Mulher sem nome é um daqueles livros curiosos que ninguém - pelo menos, até agora - se atrevia a escrever, mas tinha uma vontade imensa de ler. O propósito da autora não é mostrar um modelo ideal de esposa de pastor, mas compartilhar experiências e falar sobre responsabilidades, privilégios, família e muito mais pela visão de uma mulher que, muitas das vezes, parece esquecida: a esposa do pastor. O livro é uma espécie de radiografia da vida privada de uma família de pastor. Sem querer ser pretensiosa ou mesmo feminista, a autora faz do seu trabalho um bate-papo sobre frustrações, alegrias, tristezas e esperanças. A autora aproveita também para abordar o conceito de pastora, muito debatido hoje em dia.

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Filmes e Vídeos

Testemunha Vacilante

sob o controle do mestre

Sob o controle do mestre
Direção: Ken Anderson
Com John Washbrook e Jill Shellanbarger
EUA, 1992 Duração: 60 min.
Distribuição: Apocalipse Vídeo

A história do filme gira em torno de um tema familiar a muitos crentes, qual seja, o testemunho cristão. Não são poucos os evangélicos que se questionam a respeito do assunto. Falar ou não falar de Cristo no local de trabalho? E no clube, no trânsito, enfim, no dia-a-dia, "em tempo e fora de tempo", como diz a Palavra? O vendedor Brad, personagem principal, se encontra em constante dúvida entre o chamado a testemunhar a salvação que Jesus Cristo trouxe à sua vida e o desejo de ocultar-se para não se sentir deslocado ou rejeitado em seu grupo de convívio, inclusive o chefe, que tolhe cada iniciativa evangelística que o rapaz enseja. Quando decide submeter-se à vontade do Espírito Santo, vê sua vida se transformar e alcança o sucesso profissional de forma surpreendente. Aqui cabe uma observação importante. Neste ponto do filme podem ser constatadas certas tendências teológicas que costumamos encontrar: as que associam o relacionamento com Deus à prosperidade material. Mas não são suficientes para comprometer o resultado da história, e o espectador atento pode aproveitar as melhores lições. Vale a pena conferir, sobretudo, como uma forma de estímulo à perseverança e determinação no testemunho cristão.


eram doze

Eram doze
Musical com a Primeira Igreja Batista de São Gonçalo (RJ)
Brasil, 1995 Duração: 80 min.
Produção e distribuição: Central Vinde de Produções

Transmitido apenas uma vez no programa Pare à Pense, a reapresentação deste vídeo foi solicitada por várias pessoas. A produção musical, com músicas compostas por Guilherme Kerr, baseia-se na vida dos apóstolos de Jesus, suas dúvidas, questionamentos e anseios. Com certeza, um destaque em nossas locadoras. Trata-se de uma realização de ótima qualidade técnica e apurado sentido artístico com coreografias, dramatização, efeitos especiais de luz e som e cenários criativos, além da participação do pastor Mauro Israel como narrador e mais de 200 figurantes. Uma bela programação para ser admirada na companhia dos amigos, um bom saco de pipocas e o refrigerante favorito.


jerusalem 3000 anos

Jerusalém, 3000 anos
Direção: Central de Produções Vinde
Apresentação: Reverendo Caio Fábio
Brasil/1995 - 85 min - Documentário
Produção e distribuição: Central Vinde de Produções

Jerusalém tem mesmo tudo para ser eterna: já foi destruída cerca de 40 vezes, mas sempre ressurgiu das próprias cinzas. Quem a visita não se cansa de recontar as emoções profundas que experimenta ao conhecer o sepulcro vazio, o Getsêmani, o Muro das Lamentações, o Cenáculo -palco da última ceia -, confirmando a vocação que a cidade também tem para a paixão. Jerusalém já completa 3 mil anos, e foi em seus cenários históricos que o reverendo Caio Fábio gravou este belo documentário-turismo, passando por lugares onde Jesus andou, contando as suas histórias, revivendo com o espectador o ambiente de diversas passagens bíblicas.


O bolinho dos poderosos

Guefilte fish, delícia da cozinha judaica, simboliza liderança

Por Ester Roisenberg

Fotos: Frederico Mendes

guefilte
O guefilte fish deve ser servido frio, como entrada ao prato principal

GÊNESIS 1.26 é o primeiro versículo bíblico que fala em peixe. Ao longo de toda a Escritura, mais de 50 vezes o peixe é mencionado, predominando no Antigo Testamento. Através de peixe, muitos milagres foram realizados, como o do profeta Jonas. Yeshua (Jesus, em hebraico) por diversas vezes se utiliza do peixe para fazer milagres e comunicar maravilhosas mensagens. Em Mateus 4.19 diz: "Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens." Além dos significados religiosos, na culinária judaica o peixe é uma constante. O peixe com cenouras - guefilte fish - é dos mais conhecidos, simbolizando liderança e fertilidade. O guefilte fish ao molho rein da receita abaixo, ao ser saboreado, poderá ser um verdadeiro sonho para você. Bom apetite!

Ingredientes (para 30 bolinhos)

MASSA

1/2 kg de filé de pescadinha
1/2 kg de filé de dourado
1 cabeça de peixe
2 fatias de pão (após ficar de molho em 1/2 copo d'água)
2 ovos inteiros
2 cenouras
4 cebolas pequenas
1 colher de chá de sal
1 colher de sobremesa de açúcar
pimenta do reino a gosto

Modo de preparar

Passar na máquina de moer: os filés de peixe, as fatias de pão e as duas cebolas pequenas. Acrescentar na massa os ovos inteiros e temperar com uma colher de sal, uma colher de açúcar e a pimenta. Fazer bolinhos (não pequenos) com essa massa. Colocar numa panela com cerca de dois litros d'água (ou o suficiente para cobrir os bolinhos), as duas cenouras, as outras duas cebolas em rodelas inteiras e a cabeça de peixe. Quando a água começar a ferver, colocar na panela os bolinhos, um a um. Temperar a água fervente com um pouquinho de sal, açúcar e pimenta. Deixar cozinhar por uma hora e meia. Depois de pronto, retirar os bolinhos e enfeitar com as cenouras cozidas em rodelas.

MOLHO REIN

3 beterrabas
2 colheres de sopa de vinagre branco
3 colheres de mostarda
1 colher de chá de açúcar
1 colher de raiz forte ou nabo ralado
sal e pimenta do reino a gosto

Modo de preparar

Cozinhar as beterrabas com casca. Descascar e passar no liquidificador, misturando os demais ingredientes. Os bolinhos são servidos frios, com o molho rein, como entrada.

A incrível paz de Deus (parte 1)

Por George R. Foster

Em meio às pressões do cotidiano há uma promessa para nossos corações

O nosso mundo parece uma panela de pressão, com os grandes problemas mundiais cada vez mais próximos. As guerras atacam os nossos nervos, a fome nos persegue nas revistas e telas de tevê, a superioridade tecnológica das grandes corporações ameaça nossas chances no mercado de trabalho. Gravidez na adolescência, aborto e doenças sexualmente transmissíveis podem estar a apenas um encontro mal escolhido dos nossos filhos. Muitos dos políticos eleitos servem a si próprios, ao invés de servirem à nação. Não é de espantar que estejamos emocionalmente angustiados. Mas, a Palavra de Deus nos promete paz, mesmo em tempos difíceis.

SEMPRE ALEGRE - A paz é uma grande palavra de três letras. Jesus orou para que tivéssemos a sua paz. Neemias disse "Os anjos anunciaram bodas de felicidade para todas as pessoas." Tiago aconselhou: "Considere como pura felicidade quando você enfrentar tribulações." Mas, o que é felicidade? Uma emoção a ser procurada? Uma virtude a ser cultivada? Um sentimento que vem quando as circunstâncias estão corretas? Tem que ser mais que um sentimento, porque eu nunca encontrei um versículo que nos ordenasse como sentir. Paulo não disse sinta-se feliz, mas "assuma uma atitude de felicidade; alegre-se em Deus e tenha fé; deixe todas as circunstâncias, boas ou más, serem uma razão para você se alegrar". Deus não pede para nos alegrarmos em função das circunstâncias. Ele ordena que nos alegremos em todas as circunstâncias. Ao invés de deixarmos os nossos humores mudarem conforme os acontecimentos, devemos ver Deus acima e até por trás deles.

MODERAÇÃO COM TODOS - A maioria dos nossos problemas tem rostos e nomes. Nós nos preocupamos com as pessoas. Será que nos notam, gostam de nós, nos respeitam, nos aceitam, falam de nós, estão nos gozando? E sobre nós? Será que estamos tratando as pessoas da maneira como gostaríamos de ser tratados? Somos amáveis e gentis? Deus disse "Nunca te deixarei nem te desampararei. De maneira que digamos com confiança: O Senhor é quem me ajuda, não temerei o que possa me fazer o homem."

"Aquele que teme o homem, depressa cairá: o que espera no Senhor será levantado" (Pv 29.25). Desentendimentos e conflitos provavelmente ocorrerão, mas eles não têm de destruir relacionamentos. Que amizade maravilhosa, quando concordamos que podemos não concordar e continuar unidos uns aos outros em amor.

Aos tessalonicenses, Paulo escreveu: "Mas fizemo-nos dóceis no vosso meio, como uma mãe que anima a seus filhos" ( 1 Ts 2.7). A mansidão é necessária em relacionamentos saudáveis e para a -unidade do Corpo de Cristo. "Com toda a humildade, e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros em amor. Trabalhando cuidadosamente por conservar a unidade de espírito pelo vínculo da paz" (Ef 4.2-3).

A mansidão não vem naturalmente para alguns de nós, mas a nossa resposta a essas palavras da Bíblia deve ser um compromisso de ser manso e de confiar que a graça de Deus irá nos transformar. Quando praticamos a mansidão evitamos as situações emocionais que provocam tanta angústia em nós e naqueles que se relacionam conosco.

SEM PREOCUPAÇÕES - Ficar preocupado é natural, uma reação automática, e involuntária às ameaças e problemas da vida. Normalmente nem percebemos que estamos preocupados. Em Cristo não temos nada com que nos preocupar, mas nos preocupamos com o nada. O que é preocupação? A primeira definição para "worry" (preocupação, em inglês) do Random House Dictionary é: "atormentar-se com pensamentos perturbadores". A segunda é interessante: "atacar com os dentes, balançando e sacudindo como os animais fazem". Isso descreve muito bem o que fazemos com as coisas que nos preocupam. Nós saboreamos, para ver que gosto tem, mesmo antes de acontecer. A verdadeira pergunta é: quem está mordendo quem?

Quando alguém lhe diz para não se preocupar, você geralmente responde: "Eu tento não me preocupar." Paulo não sugere que nós tentemos, ele simplesmente diz: "Não se preocupe com nada." Lembremo-nos de Jesus: "Não se preocupe com o que vestir, comer, ou com o amanhã." Preocupação não é somente se preparar hoje para as situações que irão acontecer amanhã. Preocupar-se é ser atormentado por coisas que podem nem mesmo acontecer, ou que provavelmente não serão tão ruins quanto se imagina. A preocupação é o medo na sua forma mais comum e duradoura. O psicólogo Bill Backus diz em seu livro Telling yourself the truth (Dizendo a verdade a si mesmo): "Sentimentos dolorosos persistentes são contrários à vontade de Deus. Ele não quer que seus filhos sofram depressão, preocupações e crises de ira." Para combater a preocupação, a ansiedade, a ira e outras emoções destrutivas, Backus diz que devemos prestar atenção à nossa voz interior. Ele prescreve uma fórmula efetiva: localizar a falta de fé nos pensamentos; argumentar contra essa falta de fé; trocá-la pela verdade de Cristo.

O apóstolo Paulo tinha muitas razões para se preocupar. Enquanto as igrejas com problemas procuravam pela sua liderança, ele estava na prisão. Porém, estava determinãdo a olhar para o lado positivo das coisas, em um tremendo exercício de fé. Nós somos responsáveis pelas coisas que estão sob o nosso controle, mas devemos deixar tudo o que foge ao nosso controle para o Senhor.

Por que temos de nos preocupar, se Ele controla tudo? Temos de tomar uma posição radical de seguir a Palavra de Deus e acreditar em suas promessas: "Remetendo a Ele todas as vossas inquietações, porque Ele tem cuidado de vós" (1 Pedro 5.7). Não é suficiente decidir não se preocupar. Temos de trocar a nossa preocupação por fé e oração.


O pastor George R. Foster é escritor da Missão Evangelistica Betânia na América do Sul.
Tradução de Erick Mathias.
A segunda e última parte deste estudo bíblico será publicada na próxima edição.


Extraído: Estudo. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 5, p. 54 e 55, mar. 1996.

A graça de ouvir

Por Reverendo Ricardo Barbosa de Souza

Ilustração: Renato Ratencourt/Anware

"As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa os tolos"
(Eclesiastes 9.17)

Recentemente, lendo um livro, deparei-me com uma afirmação que levou-me a parar e refletir. Dizia assim: "Quando o homem ouve, Deus fala. Quando o homem obedece, Deus age... Não somos nós que falamos a Deus, é Deus quem fala a nós. A lição mais importante que o mundo necessita é a arte de ouvir Deus." O silêncio é uma das virtudes cristãs que perdeu seu significado na cultura evangélica contemporânea.

Falar sobre silêncio e contemplação para nossa sociedade moderna parece um contra-senso. Hoje, o que define a espiritualidade de um cristão é a agenda repleta de compromissos que o ocupem o dia todo com reuniões, trabalhos evangelísticos, pregações, visitas etc. As igrejas não desejam como líder um pastor que passe algumas horas do dia recolhido em silêncio e oração. Quase sempre procuram alguém dinâmico, cheio de novas idéias, sempre pronto a mobilizar a igreja para grandes empreendimentos e que não desperdice seu tempo com atividades não produtivas. Nossos cultos e nossa vida religiosa precisam ser preenchidos de forma a não deixar espaços vazios, pois o silêncio para o homem moderno atua como uma presença inoportuna que insiste em denunciar nossos fracassos. Não há nada mais constrangedor num culto ou reunião de oração do que os espaços vazios entre uma oração e outra. Se estes espaços não são preenchidos rapidamente por orações ou cânticos, serão por gritos de aleluia. Richard J. Foster diz que "na sociedade contemporânea, nosso adversário se especializa em três coisas: ruído, pressa e multidões. Se ele puder manter-nos ocupados com a grandeza e a quantidade, descansará sara satisfeito". A televisão, o rádio, o toca-fitas transformaram-se nos amigos dos homens solitários. Necessitamos de algum ruído, de movimento, de grandes projetos para nos sentirmos vivos.

"O caminho de volta para o coração, de encontro com a alma, só pode ser trilhado através do silêncio e da contemplação. Ouvir o veredicto de Deus o nosso respeito exige o silenciar de outras vozes para ouvir apenas Sua voz."

Um dos testemunhos mais antigos sobre o lugar e importância do silêncio na vida cristã vem dos escritos de Inácio de Antioquia, um contemporâneo do Novo Testamento. Ele dizia que é melhor permanecer quieto e ser, do que ter fluência e não ser. Para ele, os três maiores eventos na história da salvação = o nascimento virginal, a encarnação e a morte de Cristo - deram-se num profundo silêncio de Deus. Os escritos dos Pais do Deserto do quarto e quinto séculos estão repletos de admoestações sobre o valor do silêncio. "Deus é silêncio", dizia João, o Solitário, monge sírio do século quinto. Durante toda a vida da Igreja, o silêncio sempre ocupou um lugar fundamental na espiritualidade cristã. Tomás Kempis escreveu: "No silêncio e na quietude, a alma devota faz progressos e aprende os mistérios escondidos nas Escrituras."

O silêncio para os Pais do Deserto não significa apenas o não falar, mas também uma postura diante de Deus e de nós mesmos. É um silêncio que nos habilita a ouvir, meditar e contemplar as obras e mistérios de Deus. Eles diziam: "Um homem pode parecer silencioso, mas, se em seu coração, está condenando os outros, está falando sem cessar." Na meditação esotérica, o silêncio é uma tentativa de esvaziar a mente, enquanto que o silêncio na contemplação cristã é uma tentativa de esvaziar a mente dos pensamentos humanos e enchê-la com os pensamentos de Qeus. "O silêncio é muito mais do que a ausência da fala. Essencialmente, silêncio é ouvir." O Salmo afirma: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus" (Salmos 46.10a). O profeta também fala: "O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra" (Habacuque 2.20). O silêncio e a contemplação na tradição cristã são a postura que assumimos diante de Deus para ouvir-lhe a voz. Os cristãos ortodoxos entenderam melhor esta necessidade do coração e da alma e desenvolveram, ao longo da história, uma forte tradição contemplativa. Para eles, a oração é muito mais uma questão de ouvir do que de falar. Ao invés de apresentar a Deus a lista de supermercado com súplicas e gratidão, eles procuram aguardar em silêncio para ouvir o que Deus tem a dizer e então respondem em oração. Para eles, o grande exemplo de oração na Bíblia é Maria, mãe de Jesus, que apenas respondeu: "Eis aqui a serva do Senhor, que se cumpra em mim segundo a Sua vontade" (Lucas 1.38). Oração é a nossa resposta à proposta e chamado de Deus. A primeira palavra é sempre de Deus, a nós cabe a resposta.

O apóstolo Paulo afirma que somos o templo do Espírito Santo, o lugar da sua morada. Ele está em nós e vive em nós. Por que, então, será que muitos cristãos hoje não gozam da vida do Espírito? Será que é apenas pelo fato de que ainda não o experimentaram plenamente? Pode ser. Mas imagino que a grande dificuldade que muitos cristãos hoje enfrentam na sua vida espiritual não é a necessidade de mais experiências, mas de se voltarem para dentro da alma e do coração para, de fato, conhecerem o Deus que habita ali. Teresa de Ávila dizia: "Aquieta-te em silêncio e encontrarás o Senhor em ti mesmo." Só não ouvimos a voz de Deus porque estamos por demais inquietos e com o coração cheio de muitas vozes.

Para João da Cruz, o silêncio leva-nos a uma crise purificadora. No seu livro A noite escura, onde descreve seu deserto pessoal, afirma que o sofrimento liberta-nos da dependência dos resultados exteriores. Tornamos nos cada vez menos impressionados com a religião dos grandes acontecimentos, dos templos, dinheiro, milagres etc. para nos preocuparmos com aquilo que de fato necessitamos.

Este caminho de volta para o coração, de encontro com a alma, só pode ser trilhado através do silêncio e da contemplação. Ouvir o veredicto que Deus tem a nosso respeito exige o silenciar de outras vozes e ruídos para ouvir apenas a voz de Deus. A prática do silêncio é evitada porque é através dela que os fantasmas da alma, medos e angústias que vivem nos esconderijos do coração, surgem com todo seu poder e terror. Mas é através do silêncio que encontramos o poder de Deus, que faz sucumbir os fantasmas e os medos e renova em nós a alegria da paz e comunhão íntima com o Senhor. Para João Cassiano (385-435), a libertação dos impulsos frenéticos que freqüentemente nascem das nossas inquietações interiores é que nos conduz a uma verdadeira e livre comunhão com Deus e os homens.


Ricardo Barbosa de Souza é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília (DF).


Extraído: História. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 5, p. 52 e 53, mar. 1996.

Revista Vinde - Edição 3

--- Reage Fábrica Pastor Jimmy Swaggart Epistolas do Leitor Eles não gostam de oposição Os "ro...