sexta-feira, 12 de abril de 1996

Sem meias palavras

Encontros da Vinde apostam na sinceridade como forma de resolver crises em casa

Carlos Fernandes

Na maioria dos debates sobre família, os chavões se repetem: "é a célula mater da sociedade", "de sua estabilidade, depende nosso bem-estar". Muito papo, pouca solução. As famílias brasileiras - e as evangélicas também se incluem aí - atravessam crises de toda sorte: econômica, moral, psicológica.... Na tentativa de ajudar a reverter esse quadro, a Visão Nacional de Evangelização (Vinde) reúne anualmente milhares de pessoas em congressos onde o debate teórico dá lugar a palestras de base prática e muita sinceridade. O tema dos encontros deste ano - Família, lugar ele culpa e graça - já deixa claro que a intenção é curar feridas; nunca escondê-las. Não é por acaso que, entre os palestrantes, estão médicos e pastores, como os psiquiatras Fábio Damasceno e Eleni Vassão.

Desde o ano passado, o Encontro Vinde para a Família é realizado em duas regiões. O encontro do sudeste já aconteceu, de 28 a 31 de março, no Hotel Fazenda Vale do Sol em Serra Negra, interior de São Paulo. Em abril, o hotel Carimã em Foz do Iguaçu, no Paraná, receberá o segundo evento, do dia 18 ao dia 21. Os assuntos são os mesmos, bem como os lugares são igualmente encantadores. "Um convite à visitação e reestruturação interior", descreve o reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, presidente da Vinde. Apesar da elegância dos hotéis, a gerente do departamento de eventos da Vinde, Marilda Avillez, diz que a preocupação é realizar encontros que ofereçam boa acomodação a preços razoáveis.

Carlos Fernandes
Centenas de pessoas comparecem ao evento
para conhecer medidas práticas contra o
desgaste nas relações familiares

DESGASTE - Gente de todo o Brasil comparece a esses congressos. Marilda Avillez, que já participou da organização de cinco encontros, conta que "a maioria dos casais chega reclamando do desgaste em suas relações". Ela acredita muito na eficácia desses eventos e arremata: "Com comunicação e entendimento da Palavra de Deus, há interação e desejo de mudanças. Os congressos de família têm por objetivo dar esperança."

Este tipo de encontro, aliás, é uma das principais estratégias de ação da Vinde. Além dos eventos para família, a missão realiza, todos os anos, congressos para líderes evangélicos, jovens, empresários e executivos. O encontro para pastores e líderes é o mais antigo. O primeiro ocorreu há 13 anos, na mesma época em que era criado o departamento de eventos.

O encontro para a juventude é realizado em parceria com Mocidade para Cristo (MPC) do Brasil, sempre na última semana do mês de julho. O evento reúne centenas de jovens no Sesc de Guarapari, no Espírito Santo. Neste ano, o encontro será de 27 a 31. Os congressos de pastores e líderes e de empresários e executivos ainda não têm data marcada.

As inscrições para o Encontro Vinde para a Família, em Foz do Iguaçu, ainda estão abertas. Outras informações podem ser obtidas pelos telefones (021) 717-5242 e 719-8770 ou pelo fax (021) 717-6404.


Extraído Família. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 26, abr. 1996.

quarta-feira, 10 de abril de 1996

Um livro com cheiro de mulher

Parceria da Vinde Comunicações e O Boticário dá colônia de presente

Por Teresa Cristina Abreu

Luiz Antônio Moraes
Alda, diretora da Vicom e Maria de Fátima, do Boticário: um brinde às mulheres

O livro A mulher no projeto do reino de Deus, do reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho, chega ã décima edição trazendo um presente extra para os leitores. Cada exemplar dá direito a uma amostra da deo-colônia Floratta, d'O Boticário. A combinação parece perfeita. A fragrância, considerada a mais feminina da atual coleção, acompanha um livro que tornou-se referência na literatura evangélica por sua perspectiva, senão feminista, certamente inovadora para os padrões brasileira, sobre o papel que Deus reservou à mulher.

O reverendo Caio Fábio se vale do exemplo de Cristo - apresentado como o maior defensor dos direitos das mulheres para minar a base de preconceitos que subestimam a importância da atuação feminina em vários aspectos da vida. Lançado em 1985, A mulher no projeto do reino de Deus teve 9 mil exemplares vendidos e estava esgotado havia dois anos. Na nova edição, pela Vinde Comunicações (Vicom), o texto foi revisto e ampliado. O padrão gráfico mudou, inclusive a capa. O formato booklet (10,5cm X 18cm) foi substituído pelo tamanho tradicional (14cm X 21cm).

Luiz Antônio Moraes
No livro, que já está na décima edição,
o reverendo Caio Fábio analisa os
preconceitos contra a mulher

A idéia de promover com um brinde o relançamento de A mulher no projeto do reino de Deus partiu da diretora da Vicom, Alda d'Araújo. "Eu queria que a preciosidade desse livro fosse acompanhada por alguma coisa caracteristicamente feminina", diz, lamentando a escassez de títulos voltados para a mulher entre os lançados pela editora. A opção por uma amostra de perfume pareceu ideal e entusiasmou o diretor d'O Boticário, Eloi Zanetti, tão logo recebeu a proposta do gerente de marketing da editora, Maurício Soares. A escolha da fragrância Floratta, lançada no ano passado, foi quase imediata. Como o próprio nome diz, a base da deo-colônia é essencialmente floral. "É o perfume mais feminino que temos atualmente", afirma Maria de Fátima Gaspar, representante de vendas d'O Boticário. O design da embalagem é assinado pelo francês Thierry Lecoule. Ao todo, serão 5 mil amostras de 5ml do perfume, distribuídas com o livro nas lojas Vinde em todo o Brasil.

A Vicom e O Boticário oficializaram a parceria no dia 16 de fevereiro. Na ocasião, a representante de vendas d'O Boticário também formalizou a doação de 2 mil kits com cadernos para a Fábrica da Esperança. O material foi produzido pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, em São José dos Pinhais, no Paraná. Cada um dos kits, feitos em papel reciclado, vem com cinco cadernos - de linguagem, desenho e aritimética - acondiciona-dos em uma pasta.

Compre no Estante Virtual

Extraído Business. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 25, abr. 1996.

terça-feira, 9 de abril de 1996

Pedradas no Banco Central

Por Emílio Garófalo Filho

Carlos Fernandes
As funções ingratas, mas necessárias,
do BC provocam a ira de muita gente

De uns tempos para cá, jogar pedras no Banco Central se transformou num dos esportes mais populares do Brasil. Seja pela prática de juros altos, pelo câmbio baixo, ou pelo excessivo lucro dos bancos e até mesmo pela quebra de algumas instituições. O BC é culpado quando não podemos comprar a prazo, ou quando encurtam os prazos de consórcios. Dia virá em que ouviremos dizer que a falta ou excesso de chuva, se não foi culpa do BC, pelo menos, foi desejada pelo banco. Pedra nele.

O Banco Central existe para cuidar da moeda, da estabilidade do sistema financeiro e das reservas internacionais. Não é de sua competência zelar pela agricultura, apoiar o comércio, incentivar a indústria, patrocinar o setor de serviços e, muito menos, investir em educação, saúde, infraestrutura etc. Não que sejam menos importantes que a moeda ou o sistema financeiro. Simplesmente, o BC não foi criado para esses fins. Para exercer sua missão, o Banco Central utiliza alguns instrumentos conhecidos:

1) Política monetária - Compreende a administração da taxa de juros e do prazo de colocação dos títulos emitidos pelo BC. O objetivo básico é controlar a quantidade de dinheiro em circulação. Isto porque, se esse dinheiro se multiplica demais, isto é, acima da taxa de crescimento dos produtos e serviços disponíveis, gera inflação. Lembre-se do cruzeiro, cruzado, cruzeiro novo, cruzeiro real etc.

Também pode-se incluir aí a política creditícia. Trata-se do controle de crédito ao consumidor, compulsórios, cartões de crédito, consórcios. O objetivo principal é evitar uma explosão do consumo. Lembremos novamente o cruzado: explosão de consumo, desabastecimento, importação alucinada e crise cambial.

2) Política cambial - Basicamente, é o controle da taxa de câmbio entre o real e as moedas estrangeiras. O valor dessas moedas não deve cair muito em relação à nossa, porque isso atrapalha ou inviabiliza as exportações. Também não pode subir muito, porque encarece produtos que o Brasil precisa importar, causando inflação. A eterna (e complexa) busca desse equilíbrio expõe o BC a críticas, ora de um lado, ora de outro.

Nesse âmbito, se destaca a política á capital estrangeiro. Estamos apelidando assim o conjunto de esforços para controlar o fluxo ao Brasil de capitais externos. Quando faltam, podem levar o país a uma crise cambial. Quando são abundantes, ou seja, há muita oferta de moeda estrangeira, a moeda nacional tende a ficar muito forte, prejudicando as exportações e ensejando a substituição de quase tudo por produtos estrangeiros. Para evitar isso, só se o BC comprar todo esse excesso, mas aí coloca muito dinheiro em circulação e volta ao problema da política monetária.

A administração desses remédios econômicos, como se vê, é muito complexa e, em países como o nosso, eles não têm bula. Nunca se sabe a dose ideal, nem os efeitos colaterais. São ruins, amargos, mas sem eles o paciente pode morrer. É pela sua obrigação de administrá-los e por sua complexidade que, freqüentemente, o BC é alvo de pedradas.


Emílio Garófalo Filho é bacharel em Economia pela PUC-SP e sócio-diretor da MCM Consultores Associados S. C. Ltda.


Extraído Moeda e Mercado. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 24, abr. 1996.

A amiga evangélica da Xuxa

Com voz e unção, a cantora Aline Barros conquista espaço para evangelizar a apresentadora dos baixinhos

Adriane Lopes

Carlos Fernandes
A cantora Aline fez sucesso
no especial de fim de ano
da Rainha dos Baixinhos

Um arrepio contagiava operadores de som e quem , mais passasse pelo estúdio. Entre surpresa e perplexa, a pequena platéia assistia atenta à gravação que a cantora Aline Barros fazia para o especial de fim de ano da apresentadora Xuxa Meneguel. "O que é isso, meu Deus? O que está acontecendo?", perguntavam-se alguns, procurando entender a emoção que tomara conta do ambiente. Queriam respostas que a produtora Marlene Mattos já havia buscado ao saber que o Imperator lotara, meses antes, para ouvir aquela voz e o grupo de que faz parte, o da Comunidade Evangélica da Vila da Penha. Foi esta santa inquietação despertada por seu talento que abriu para Aline Barros portas de acesso à televisão, aos programas da Xuxa e à própria apresentadora, de quem se diz uma amiga, assim como da produtora Marlene Mattos.

Depois do concorridíssimo lançamento do disco Tempo de adoração, na casa de espetáculos do Méier, subúrbio do Rio, a Comunidade foi convidada para se apresentar no Xuxa Park. O programa, um desfile de artistas populares, vai ao ar nas manhãs de sábado. Satisfeita com a descoberta, Marlene chamou Aline, que já começava a preparar o disco solo Sem limites, para cantar num dos clipes do especial de Natal. Deste convívio nasceu uma amizade que começa a mostrar aos evangélicos uma Xuxa um pouco diferente da que pintam. Aline a descreve como "uma pessoa aberta e interessada no Evangelho".

Carlos Fernandes
A cantora lotou o lmperator, no lançamento de seu novo CD

A apresentadora, por sua vez, também ouve falar de um Deus mais próximo e atuante do que o "cara lá de cima", como ela costuma chamar. Sempre que tem uma chance, Aline conversa com Xuxa e Marlene sobre Jesus Cristo. "Foi Deus que me colocou perto das duas para falar de seu amor e mostrar testemunho de vida. Elas são pessoas preciosas para Deus", diz a cantora. Certa disso, Aline vem pedindo a todas as igrejas por onde passa que orem por Xuxa. Se depender do número de pessoas para quem Aline se apresenta, a artista pode ficar certa de que Deus está ouvindo falar muito dela ultimamente. Tão logo explodiu o hit Consagração, que Aline gravou com a Comunidade quando tinha 16 anos, os convites se multiplicaram. No ano passado, co-meçaram a vir do exterior. Em maio, Aline percorreu várias igrejas dos Estados Unidos, especialmente da Assembléia de Deus. Em dezembro, foi chamada para o lançamento da Associação de Artistas de Cristo, presidida pelo humorista Dedé Santana, em três cidades americanas. A associação reúne artistas em jantares e confraternizações evangelísticos e o lançamento vai se repetir nas principais capitais do Brasil.

Carlos Fernandes
Aline conta que já falou de Jesus para a Xuxa

Apesar da agenda cheia, Aline procura adaptar os compromissos à rotina normal de uma estudante de 19 anos ela cursa Biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não deve ser impossível, já que a música sempre fez parte de sua vida. Aline canta desde os dois anos. Aos cinco, apresentava-se em casamentos. Aos nove, começou a gravar com a Comunidade Evangélica da Vila da Penha. O primeiro solo a ficar conhecido foi Tua Palavra, que Aline gravou aos 14. Para o futuro, pretende gravar, pelo menos, um disco por ano. Atualmente, sua gravadora é a Grape Wine.

Ao final da gravação para o especial da Xuxa, o estúdio havia se tornado um templo. A pequena platéia mergulhava em momentos de louvor, ainda querendo entender como. Aline já havia compreendido: "Aleluia! Isso é unção e eles nem sabem!"


Extraído Depoimento. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 20-21, abr. 1996.

segunda-feira, 8 de abril de 1996

Frente a frente com o herege

Evangélica conta tudo o que viu no congresso de Moon

Por Jaqueline Rodrigues

Carlos Fernandes
Com apoio de telões, o 'reverendo' Moon falou a uma platéia formada por cerca de 800 evangélicos

Quando fui convidada a participar do Congresso das Américas em Montevidéu, no Uruguai, já sabia do que se tratava: uma conferência promovida pela Igreja da Unificação - a famosa seita do "reverendo" Moon. Sob o pomposo nome de Revitalizando o Cristianismo Para Unificação das Américas, o evento reuniu cerca de 800 evangélicos brasileiros na capital uruguaia, com todas as despesas de transporte, hospedagem e alimentação custeadas pela organização. Uma proposta extremamente sedutora, aceita com prazer incontestável por dezenas de irmãos que certamente jamais haviam saído de suas cidades, quanto mais para uma viagem internacional. Já no aeroporto, podia-se ter uma idéia do que nos esperava: entre pastores, diáconos e obreiros de diversas denominações que compunham nosso grupo, a expectativa comum era a de aproveitar a viagem ao máximo e, de quebra, ouvir in loco as doutrinas da seita que, num passado recente, foi acusada de promover lavagens cerebrais em seus jovens seguidores.

O vôo até Montevidéu transcorreu na maior normalidade, apenas com alguns episódios curiosos, como o do irmão que, após sua refeição, levantou-se e bateu na barriga, num gesto de satisfação, dizendo para seus companheiros: "Ah, agora sim." Ou de outro passageiro que furtivamente colocou em sua bagagem travesseiros, cobertores e talheres - mas esse, graças a Deus, não era evangélico nem estava conosco.

Uma vez em terra, pudemos ter a primeira impressão do extremo profissionalismo com que o Movimento da Unificação promove estes encontros. Com certeza, se uma das suas intenções é demonstrar organização e opulência, isso foi conseguido rapidamente. Hospedagem em hotéis de ótimo nível - os melhores da cidade, com 4 e 5 estrelas -, traslados em ônibus refrigerados e com guias turísticos, refeições com horas marcadas e inúmeros detalhes que foram previstos com antecedência e executados estritamente conforme o programa. Reunir quase mil brasileiros, conseguir cumprir todos os horários e não registrar nenhum imprevisto sério foi uma façanha que o staff do congresso conseguiu realizar para nossa perplexidade, acostumados que estamos com atrasos, extravios e muita bagunça.

É claro que todos os participantes tinham a curiosidade de ver de perto o famigerado Sun Myung Moon, o coreano de 76 anos que em pouco mais de quatro décadas conseguiu reunir milhões de seguidores em 160 países do mundo. Quando ele surgiu de trás das cortinas, acompanhado pela sra. Hak Ja Han, sua mulher, eu pude perceber o respeito que seus seguidores têm por ele, e até mesmo a emoção que sentem em sua presença. Para o auditório composto por evangélicos, por outro lado, sua aparição causou arrepios. Afinal, estávamos diante daquele que é proclamado por seus discípulos como o Senhor do Segundo Advento, aquele que deverá restaurar a linhagem celestial, tarefa que, para eles, não foi cumprida por Adão e Jesus, seus supostos precursores. "Isto é uma heresia", comentou alguém atrás de mim, enquanto outro espectador murmurava lá de trás: "Misericórdia!" Enquanto isso, Moon discursava em seu idioma - que às vezes dá a impressão de que o falante está brigando com os interlocutores. Ouvi-lo dizer que Jesus teria fracassado em sua missão foi muito duro para mim e não pude esconder de ninguém que estava chorando, pois eu sentava na primeira fila. Frente a frente com o herege.

Além do líder, vários outros pastores da seita fizeram conferências, que na verdade eram monólogos que tínhamos de ouvir calados. Um dos organizadores até nos tripudiou, dizendo que tinham nos trazido até ali, oferecendo-nos do bom e do melhor, para que fizéssemos nossa parte que era apenas escutá-los. Somente no final de cada palestra, era aberto um tempo de poucos minutos para perguntas - que, aliás, eram respondidas como melhor lhes conviesse. Se alguém se animasse a contestar, ouvia como resposta que era assim que eles criam e acabou-se. O tempo só esquentou quando um pastor discutiu com um conferencista e mandou-o calar a boca. Nesse momento, formou-se um bolo de gente na minha frente, o palestrante foi afastado e muitos evangélicos condenaram a atitude do pastor. Algo assim como uma briga entre irmãos. Isso motivou mais um discurso que tivemos que ouvir sobre educação, boas maneiras etc. Como crianças de uma escola interna que precisam seguir as rígidas regras de disciplina de seus tios e tias. Lamentável constatar que, na verdade, o que os organizadores queriam mesmo era comprar o nosso silêncio.

Mas quem foi apenas em busca de turismo não decepcionou-se. Além da hospedagem em hotéis confortáveis, tínhamos todas as noites jantares em uma aprazível estância-fazenda chamada La Redención, para onde éramos transportados em modernos ônibus refrigerados. Lá, tínhamos oportunidade de conversar com os outros irmãos, ouvir histórias e algumas pérolas, como a de uma irmã que dizia estar clamando a Deus para pesar a mão sobre os hereges, enquanto saboreava a comida oferecida por eles mesmos. Nesses jantares, os organizadores programaram números musicais, com cantores evangélicos que aproveitaram a oportunidade para soltar a voz - além, é claro, de vender uns disquinhos e agendar apresentações.

Na véspera de - nossa partida, fomos brindados com um passeio a Punta del Este, para conhecer o mais famoso balneário uruguaio. Nesse clima mais descontraído, pudemos trocar impressões sobre tudo o que tínhamos visto e ouvido. Conversei com uma pessoa que ficou mais tranqüila quando eu lhe disse que estava achando um absurdo as doutrinas de Moon. Ela me confidenciou que tinha pensado que eu era um de seus discípulos e estaria infiltrada entre os irmãos. Ser confundida com uma espiã de Moon foi menos chocante do que perceber, aqui e ali, alguns evangélicos comentando que as coisas faladas não eram tão feias assim e que talvez até fosse possível trabalhar junto com eles. Tive a impressão de que o ecumenismo defendido pelos adeptos do Movimento da Unificação não é uma coisa tão utópica quanto parece. E que, lamentavalmente, alguns crentes estão se deixando levar por aquele canto da sereia. Nem que para isso seja preciso levá-los para um outro país e sustentá-los por uma semana. É assim que se adestram as consciências.


Jaqueline Rodrigues é professora de Literatura, membro da Igreja Missionária Evangélica Maranata e foi ao Uruguai disposta a denunciar a estratégia de Moon.



Extraído Denúncia. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 18-19, abr. 1996.

domingo, 7 de abril de 1996

Um império beneficiado pelo comunismo

Arquivo Editora Três
Moon acredita que através de matrimônios é possível resgatar a Humanidade

Moon conta que aos 16 anos recebeu de Jesus as revelações de que o filho de Deus estava muito triste porque não havia se casado. Criado em lar presbiteriano na Coréia, onde nasceu em 1920, Sun Myung Moon fundou sua própria seita em 1952, diante da resistência das igrejas coreanas à sua mensagem. Preso e torturado pelo regime comunista, instalado em 1948, ele esteve em campo de concentração, onde teria escapado de um fuzilamento.

Seu ódio ao comunismo resultou num dos principais pilares cía Igreja da Unificação: luta permanente contra o marxismo no mundo inteiro, através da organização Causa Internacional, mantida com sucesso até meados da década de 80. Na década anterior, a luta contra o comunismo lhe rendeu aliados milionários e poderosos. Recebeu o apoio de políticos como o prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf, e o ex-presidente americano Ronald Reagan. Com a extinção da União Soviética, a seita Moon se voltou exclusivamente às atividades espirituais do reverendo que se autoproclama o senhor do segundo advento. Ele diz ter vindo ao mundo para concluir a missão de Jesus. Aos 76 anos, Moon tem pressa.

A obstinação de Moon revela uma personalidade controvertida e mega-lomaníaca. É um dos raros casos em que alguém diz que é Jesus e não vai parar num manicômio. Ao contrário, conta com o respeito de empresários e até de países inteiros. No Uruguai, Moon estabeleceu seu pequeno império na América do Sul. Com apoio do governo do general Gregorio Alvarez, investiu mais de 70 milhões de dólares na compra do terceiro maior banco uruguaio, de hotéis, um jornal diário e outros empreendimentos.

Moon conquistou também adeptos no Chile e cresceu no Paraguai associado ao governo do ditador e general Alfredo Stroessner. Mas o Brasil foi o primeiro país latino-americano onde a seita resolveu se instalar. Em São Paulo, funciona a sede administrativa da Igreja da Unificação, na Rua Cardeal Arco-verde, 928, no bairro de Pinheiros. Em São Bernardo do Campo, fica o Seminário Teológico Unido. No Rio de Janeiro, a igreja tem a sede numa bela casa em Jacarepaguá, na Estrada do Pau Ferro, 929. A vizinhança nunca esqueceu as denúncias de que a seita mantinha ali jovens submetidos a lavagens cerebrais. Apesar das ameaças, a seita nunca fechou suas portas no Brasil.

A Igreja da Unificação prosperou especialmente sob o regime de Park Chung Hee, que governou a Coréia de 1961 até ser assassinado em 1979, por seu chefe de segurança interna. O regime de Park transformou o principal grupo empresarial de Moon - a Tong II Ltda-numa fabricante de fuzis M-16, com licença americana. Uma investigação no Congresso coreano revelou o vínculo entre a formação da Igreja da Unificação e Kim Jong Pil, primeiro diretor da CIA coreana. Kim obviamente negou tudo.

Em 1972, Moon se estabeleceu nos Estados Unidos. Dez anos depois, foi condenado por ter sonegado 162 mil dólares de impostos sobre juros ganhos com os mais de dois milhões de dólares que guardava em bancos novaiorquinos. Cumpriu 11 meses na prisão de Danbury, no estado de Connecticut, e mais sete meses em regime semi-aberto. Em agosto do ano passado, o reverendo presidiu mais um dos casamentos coletivos, transmitidos diretamente do estádio olímpico de Seul, na Coréia, do Sul. Mais de 600 casais brasileiros de nove cidades do país participaram do casamento, via satélite.


Os braços de Moon

Durante uma hora e meia, os organizadores do congresso da Igreja da Unificação apresentaram, em slides no centro de convenções do hotel Victoria Plaza, as principais áreas de atuação da seita:

Arquivo Editora Três
O Victoria Plaza, onde foi realizado o congresso, pertence às empresas de Moon que tem até fábrica de computadores
  • Estaleiro de navios e várias empresas de pescado
  • Agropecuária, com lavouras- modelo para resolver o problema da fome. No Mato Grosso do Sul, a seita é dona da fazenda Nova Esperança
  • Projetos culturais na África
  • Lobby para a realização da Copa do Mundo de 2002 na Coréia do Sul
  • Jornais em vários países, indusive no Oriente Médio. Nos Estados Unidos, a seita é dona do jornal Washington Times
  • Pesquisas na área de saúde e de medicamentos como o Ginseng no Japão
  • Rede hoteleira de luxo
  • Controle acionário de bancos e corretoras
  • Joalherias
  • Universidades nos Estados Unidos, Coréia e Japão
  • Universidade americana com ensino via internet ou canal a cabo
  • Academia de Professores
  • Masa (distribuição de alimentos nas catástrofes e epidemias)
  • Panda (China) - desenvolvimento de empresas proporcionando mão-de-obra com ajuda da abertura - econômica e espiritual
  • Wacom, empresa de computadores
  • Projetos para a construção de uma rodovia internacional, através dos oceanos
  • Projeto Deus salve a América - Estados Unidos
  • Carp - grupos de estudos com universitários e secundaristas

Dez heresias de uma seita lunática

Divulgação
  1. Jesus Cristo fracassou em sua missão redentora por não ter constituído família
  2. A cruz é um símbolo do fracasso de Jesus que não deveria ter sido crucificado, mas casado e gerado uma raça pura
  3. O Espírito Santo não faz parte da Trindade, mas é a reunião de vários espíritos bons que vêm a terra para auxiliar os vivos
  4. As orações são feitas em nome do Pai e não em nome de Jesus, o único mediador entre Deus e os homens, como ensina a Bíblia
  5. Ao invés de ter sido gerado pelo Espírito Santo, como diz a Bíblia, Jesus foi concebido a partir de uma relação sexual de Maria
  6. O livro Princípio Divino, que contém as supostas revelações a Moon, para seus seguidores tem mais autoridade do que a Bíblia
  7. Só através do matrimônio é possível ter comunhão com Deus. Quem é solteiro não pode alcançar a plenitute espiritual
  8. Orientado por revelações, o reverendo Moon determina pessoalmente os casamentos, apenas por informações e fotografias dos seguidores
  9. As palavras do Novo Testamento perderão sua luz quando vier o Senhor do Segundo Advento, com uma nova palavra
  10. Os espíritos dos mortos influenciam e ajudam os vivos

Extraído Denúncia. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 16-17, abr. 1996.

A cilada da Unificação

Seita de Moon tenta aliciar pastores_brasileiros com mordomias no Uruguai

Por Carlos Fernandes, de Montevidéu

Carlos Fernandes
O 'reverendo' Moon montou uma estratégia diabólica para se fixar no Brasil: apresentar suas heresias através da Igreja Evangélica

O autoproclamado senhor do segundo advento armou uma arapuca para centenas de pastores brasileiros. Maquiada como um congresso para unir as igrejas, a Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial - ou simplesmente Igreja da Unificação - está promovendo uma série de conferências em Montevidéu, no Uruguai, nas quais tenta conseguir a simpatia e o apoio de líderes evangélicos brasileiros. O próprio dirigente máximo da organização, o reverendo coreano Sun Myung Moon, de 76 anos, comparece aos encontros, que têm o objetivo de reunir até o final de abril pelo menos 3.600 representantes de dezenas de denominações evangélicas do Brasil. Tudo com a intenção diabólica de lançar as bases para uma grande investida que a organização pretende fazer no país até o ano 2000.

Os encontros estão sendo realizados no Hotel Victoria Plaza, um cinco estrelas da capital uruguaia que pertence à seita de Moon. Os convidados - pastores, diáconos e missionários, entre outros líderes de cerca de 50 denominações - recebem gratuitamente a passagem de ida e volta dt avião e hospedagem de cinco dias em hotéis de categoria superior, com pensão completa - um regabofe que custou pelo menos 800 mil dólares. O pacote - ou embrulho - inclui ainda passeios a Punta del Leste, um badalado balneário, em ônibus cedidos pelos organizadores.

EMBOSCADA - A organização dos congressos é tão perfeita que enche os olhos dos participantes: "A estrutura é excepcional", admite o pastor Israel Rodrigues de Mello, da Igreja Batista em Vila da Beleza, em São Paulo, que garante ter comparecido, sem saber do que se tratava, ao primeiro evento da série, realizado de 26 de fevereiro a 1° de março. No primeiro encontro, a grande maioria dos pastores se sentiu enganada: "Foi uma emboscada", reagiu o pastor Luiz Vieira, da Assembléia de Deus em Venda das Pedras (RJ). Outro pastor, Dejair Silva, da Igreja Obra do Senhor, de Rio Bonito (RJ), contou que o convite falava de uma reunião com o objetivo de apresentar o nome de três pastores que disputariam as próximas eleições presidenciais no Brasil, representando a comunidade evangélica.

A história se repetiu de 11 a 15 de março, quando um novo congresso foi promovido. Estranhamente, alguns pastores que já sabiam do que se tratava organizaram grupos para viajar, ao Uruguai e ouvir os discípulos de Moon proclamarem uma série de heresias (ver quadro). "É um absurdo que os pastores levem mais gente para essa arapuca", esbravejou o pastor Paulo Romeiro, diretor do Instituto Cristão de Pesquisas (ICP), de São Paulo. Especialista no estudo de seitas e heresias, Romeiro distribuiu um documento a centenas de pastores, às vésperas do segundo congresso, no qual denunciava a natureza do encontro e tentava dissuadi-los de viajar. "Sabemos que há vários líderes evangélicos coordenando esses eventos, levando crentes 'para ouvir heresias", revela o diretor do ICP.

Carlos Fernandes
A seita Moon programou quatro congressos em Montevidéu, exclusivamente para pastores e líderes evangélicos
Carlos Fernandes
Simão Ferraboli, presidente da
Igreja da Unificação no Brasil:
"E preciso que todos os cristãos
trabalhem juntos"

O líder nacional da Igreja da Unificação, Simão Feraboli, garante que nenhum pastor foi enganado e que, desde o início, informou bem a motivação do encontro a líderes evangélicos como Paulo Carvalho, da Assembléia de Deus, de Goiânia. Feraboli confirmou que Carvalho é o homem-chave para os contatos com pastores brasileiros, sobretudo da Assembléia de Deus - cujos membros eram maioria nos congressos. No segundo encontro, ele esteve no congresso, apenas por um dia. Quando o reverendo Moon falou, Carvalho estava ao seu lado com fones de tradução simultânea no ouvido. Procurado por VINDE, por telefone, Carvalho negou absolutamente tudo, até mesmo conhecer o líder nacional da Unificação que estava no Uruguai quando o evangelista esteve lá, em fevereiro: "Quem é Simão Feraboli?".

Um dos líderes da Assembléia de Deus, o pastor Abner Ferreira, vice-presidente da igreja de Madureira (RJ), porém, rechaça qualquer conivência da denominação com o movimento- da Unificação. Ferreira e seu pai, pastor Manoel, reagiram indignados à presença de pastores da Assembléia nos congressos de Moon, ameaçando até excluir os reincidentes. "Esse falso ecumenismo é típico de final dos tempos", diz Abner, convicto de que os primeiros pastores que estiveram no Uruguai foram enganados.

'PASSEIÃO'- No entanto, ainda há pastores que defendem as excursões turístico-espirituais promovidas pelos seguidores de Moon. O pastor Josuel Silva, presidente da Igreja Pentecostal Missionária em Cuiabá (MT), é um dos organizadores do movimento que tornou-se uma espécie de peregrinação às avessas - os crentes vão ao Uruguai ouvir manifestações contrárias à obra de Cristo. O pastor Josuel levou cerca de 140 pessoas na primeira vez e, na segunda dose, conduziu mais 100 a Montevidéu. Para ele, é a chance de proporcionar uma espécie de seminário de heresiologia ao vivo, com o objetivo de fornecer a líderes e obreiros subsídios para combater as doutrinas da Unificação. Além, é claro, de uma viagem barata ao exterior.

"Isso é um passeião, muitas pessoas do meu grupo jamais poderiam fazer uma viagem dessas", diz o pastor Josuel. A cada uma delas, foi cobrada, a título 'de taxa de embarque, a quantia de R$ 74 (a taxa custa R$ 29). Esse dinheiro, segundo Josuel, destinava-se a cobrir suas despesas na organização da caravana, como telefonemas e deslocamentos a São Paulo e Brasília. O pessoal que saiu do Rio, assim como os paulistas e goianos que integravam a caravana, também pagaram taxas semelhantes aos coordenadores de seus estados.

Carlos Fernandes
O pastor Josuel Silva, de Cuiabá,
admite que cobra uma taxa dos fiéis
que leva, embora os gastos sejam
todos por conta de Moon

A cobrança dessa cota pelos pastores organizadores é uma coisa mal explicada. Afinal, as duas entidades promotoras do evento, a Fundação Religiosa Internacional e a Fundação Washington Times - na verdade, dois braços operacionais da seita Moon - custearam todas as despesas de transporte, hospedagem e alimentação. Funcionários da agência de viagens Hotur garantem que a empresa pagou tudo, inclusive taxas de embarque, que estavam incluídas no contrato com os organizadores. "Tem espertalhão querendo tirar proveito disso", conclui o pastor Mário Veiga, da Igreja Pentecostal Vida e Paz - uma dissidência da Assembléia de Deus, em São Paulo -, que foi ao Uruguai.

Após uma pregação em que deixou clara sua posição contrária às heresias de Moon, Mário conta ter sido chamado para uma reunião com um dos líderes da seita, Frank Kaufmann, no Victoria Plaza, na qual insinuaram que "o pastor deveria colaborar mais". "Disseram que eu tenho tudo para ajudá-los, mas eu lhes disse que pertenço a Jesus", contou o pastor, que disse ter encerrado o assunto.

Fora os pastores que estariam faturando com as caravanas, a seita Moon acena com facilidades como programas de computadores para igrejas (Moon é dono da fábrica Wacom) e até ajuda financeira a quem precisar. "Estamos dispostos a colaborar com os grupos evangélicos que necessitarem, pois tudo o que temos pertence a Deus", confirma o pastor Simão Feraboli.

Pastor Paulo, o profeta censurado

Fernando Moura
Sacramento: Bíblia na panela do veneno

O convite foi para pregar num congresso internacional sobre revitalização do cristianismo nas Américas. O lugar: Montevidéu, a antiga Suíça latino-americana. Estava tudo muitíssimo bem até que, ao colocar os fones de ouvido para a tradução simultânea, o pastor Paulo Lucas Sacramento, experiente evangelista da Assembléia de Deus de Osasco (SP), percebeu que havia caído numa armadilha. "Temos grande satisfação de apresentar o fundador da Igreja da Unificação, reverendo Sun Myung Moon", disse o apresentador. Foi nessa hora que mudou o semblante da grande maioria dos convivas.

"O homem (Moon) estava sentado a 30 centímetros de mim, mas eu sequer podia imaginar que se tratava dele e, muito menos, que o herege havia patrocinado nossa viagem", contou o pastor Paulo Sacramento, em entrevista à VINDE. A notícia de que Moon era o dono da festa, porém, não foi suficiente para desanimar o pastor Paulo Sacramento, 54 anos, 25 dos quais como evangelista com uma bagagem de 17 países nas costas. Convidado para falar sobre o que quisesse, o pastor Paulo deu uma no cravo e outra na ferradura: pregou sobre a panela de veneno, episódio narrado no livro de II Reis. A história conta que o profeta Eliseu jogou farinha numa panela para separar o veneno da comida.

"Pois temos 66 sacos de farinha (os 66 livros da Bíblia) para jogar nessa panela (a seita Moon)", afirmou o pastor Paulo Sacramento, que recebeu total aprovação da platéia. Os pastores se puseram de pé, louvando a Deus pela pregação. "O poder de Deus caiu no meio dos filisteus (inimigos do povo de Deus)", contou Sacramento, acrescentando que os pastores de Moon foram vaiados. A reação da platéia resultou na censura do pastor Paulo Sacramento. Ele teria outra oportunidade para falar, mas foi dispensado. "Me cortaram a segunda vez", lembra o pastor, que após sua participação, percebeu que passou a ser acompanhado de perto por dois seguranças. Sacramento afirma ter sido informado de que houve ofertas de ajuda financeira a alguns pastores evangélicos, pela seita de Moon. Ele disse duvidar que algum pastor tenha aceito porque a brincadeira mais comum entre eles era a seguinte: "Não ameis o Moon nem o que no Moon há; quem ama o Moon o amor do Pai não está nele", numa alusão a 1 João 2: 15.

BANHO DE HERESIA - Qualquer que seja a oferta de Moon à igreja brasileira, o preço é alto. Em Montevidéu, os evangélicos brasileiros são submetidos a um verdadeiro banho de heresia. São quatro dias ouvindo conferências durante oito horas, nas quais o espectador não pode se manifestar, exceto num reduzido espaço para perguntas - que nunca são satisfatoriamente respondidas. Um dos conferencistas, o pastor Cesar Zaruski, um dos líderes nacionais do Movimento da Unificação, fez questão de deixar claro a posição dos organizadores: "É assim que nós cremos, não adianta querer discutir conosco", disse ao iniciar suas palestras. "Cada vez que um de nós fazia uma pergunta comprometedora, eles respondiam evasivamente", confirma o pastor Vanderlei Martins, 37 anos, da Comunidade Evangélica de Diadema. Ele esteve no primeiro congresso e ficou assustado com o que presenciou: "Eles chegaram ao absurdo de dizer que Jesus fracassou em sua missão por não haver se casado com uma tal Angélica", conta.

Carlos Fernandes
Ao lado do 'reverendo' Moon, o 'pastor' Paulo Carvalho, de Brasília, ouve atentamente o falso pro-

O momento mais esperado nesses encontros é o discurso do reverendo Moon. Falando em coreano com tradução simultânea, o fundador e líder do Movimento da Unificação é veemente ao enfatizar que somente através dos matrimônios realizados por ele é possível restaurar a humanidade, constituindo o Reino de Deus na terra, tarefa na qual Jesus falhou, segundo Moon. Por isso, ele insinua que é o salvador, enquanto seus seguidores consideram-no o senhor do segundo advento - o que seria uma segunda vinda do Messias em carne. Na genuína fé cristã, o Messias é Jesus Cristo, o filho de Deus, que voltará à terra com um corpo sobrenatural, para levar consigo seus fiéis.

Mas o congresso não fica apenas por conta dos discípulos de Moon. Alguns líderes evangélicos brasileiros, que compuseram a mesa de abertura, também se manifestaram. No primeiro congresso, o pastor Paulo Carvalho leu uma mensagem atribuída ao pastor Nilson Fanini, presidente da Aliança Batista Mundial, que falava em unidade e na necessidade de todos os cristãos trabalharem juntos. No segundo encontro; o suposto apoio de Fanini à realização do evento foi novamente citado. Segundo o líder da seita Moon no Brasil, Simão Feraboli, o pastor Fanini participou de uma reunião, em dezembro do ano passado, com Carvalho e o próprio reverendo Moon. Procurado por VINDE, Fanini não foi localizado nem respondeu a nenhuma das solicitações feitas através de sua assistente até o fechamento desta edição.

NOVO ALVO - Pagar para conseguir ouvintes parece ser uma antiga tática dos seguidores de Moon, que já se especializaram nesse tipo de programa. Há 10 anos, um congresso semelhante foi realizado em São Paulo. Naquela época, o inimigo a ser exorcizado era o comunismo, e havia até uma entidade, a Causa Internacional, criada pela Unificação com o objetivo de semear pelo mundo a doutrina ultra-direitista de Moon. Agora, entretanto, o alvo é a igreja evangélica brasileira. O pastor Simão Ferabolli, presidente da Igreja da Unificação no Brasil, é bastante cuidadoso nas palavras: "Nós não queremos converter ninguém", faz questão de dizer. No entanto, ele considera que o verdadeiro inimigo é aquele que tenta impedir a obra da Unificação. Em outro momento, cita o parecer de Gamaliel (um personagem do Novo Testamento), de que era preciso dar tempo para se saber se a obra é ou não de Deus.

Por mais teóricos que pareçam seus dogmas, o Movimento da Unificação tem atitudes bem práticas. Além de inúmeras propriedades e empreendimentos em diversos setores, a seita do reverendo Moon se caracteriza pela militância ideológica. No Brasil, um de seus alvos principais, além de diminuir a resistência dos evangélicos, é investir na educação. Está prevista a instalação de uma grande universidade, provavelmente no Mato Grosso do Sul. Além disso, a organização pretende investir maciçamente na produção de alimentos.

Mas o grande objetivo dos adeptos da Unificação é fazer os evangélicos acreditarem que é possível trabalhar junto com eles. "Queremos que todos saibam que nossa intenção é colaborar com todas as religiões para o beneficio dá Humanidade", diz o pastor Zaruski. Pouco importa, nesse caso, a fé original de cada um. Segundo o pastor Antonio Carlos Narciso, líder do movimento no Rio de Janeiro, fiéis de todas as crenças são chamados a colaborar: "O ideal da Unificação é o ajuntamento de todos -cristãos, muçulmanos, judeus - para serem aperfeiçoados." Escamoteando seus princípios mais contundentes em relação à fé evangélica, os seguidores do reverendo coreano estão tentando mostrar uma face mais amena nesta sua aproximação com líderes e crentes brasileiros. Para eles, o senhor do segundo advento vem para completar as bases da Providência Divina que Jesus teria deixado incompletas. Eles só não dizem abertamente que esta figura, para eles, é o próprio Moon. Provavelmente, acreditam que, desta maneira, conseguirão atrair simpatizantes ou até - quem sabe - adeptos entre os evangélicos. A estratégia já está traçada e, perigosamente, colocada em prática, com a colaboração de líderes evangélicos.


* Colaboraram: Jorge Antonio Barros e Omar de Souza

https://www.youtube.com/watch?v=byJbMw_lX_U

sábado, 6 de abril de 1996

Fofocas santas e outras versões

Por Reverendo Caio Fábio D'Araújo Filho

Carlos Fernandes
Eduardo Reis inspirado no clássico Gossips, do ilustrador americano Norman Rockwell

Quando, em 1988, decidi passar dois anos nos Estados Unidos estudando, após 15 anos de ministério ininterrupto no Brasil, muitas pessoas, inclusive amigos, especularam - e concluíram - que eu estava saindo de vez do país. Diziam que iria fundar uma organização minha, chamada Caio Fábio Ministries. Minha esposa e eu ouvíamos aquilo tudo e ríamos à distância. Por vezes, desmentimos o boato. Mas percebemos que não adiantava. Somente o tempo provaria o contrário. Tentamos desdizer as notícias porque muitas pessoas estavam profundamente magoadas comigo, dizendo que estava "traindo o Brasil" com aquela mudança. Bem, fomos, voltamos e provamos, com os fatos, o nível do nosso compromisso com a igreja e com o país.

Agora, em 1996, a boataria está correndo solta novamente. As versões são as seguintes:

  • "O reverendo Caio ficou magoado com vários amigos que não se posicionaram explicitamente ao seu lado quando trouxe a público assuntos relacionados à Igreja Universal e, por isso, está se mudando do Brasil."
  • E mais:
  • "O episódio da cocaína encontrada nas dependências da Fábrica de Esperança e as denúncias feitas pelo revererendo Caio de que o governador do Rio estava mal intencionado e usava o episódio politicamente gerou uma onda de ameaças e perseguições sobre ele e sua família. Ao ponto de terem que sair do Brasil."

O que há de verdadeiro e de falso em tudo isto? Ora, cada uma das versões acima tem um pouco de verdade e de engano. Comecemos com a verdade. Não tenho como negar que me entrisceteu imensamente a postura indecisa, ambígua, neutra, cega ou infiel de algumas pessoas no episódio da confrontação que a Associação Evangélica Brasileira (Aevb) fez em relação aos métodos, doutrinas e comportamento dos líderes da Igreja Universal. Niguém fica feliz ao ouvir pessoas que o beijam, afirmam amizade e andam ao seu lado dizerem que sabem que você está certo, mas não querem se queimar. Ou ainda, ao ouvi-las dizer que dependiam de alguns favores da IURD e, por isso, não se manifestariam ou o fariam do lado de lá. Eu via, entretanto, que a maioria estava ao nosso lado, ainda que, muitas vezes, trate-se de uma maioria quieta e excessivamente discreta. Mas isto é tudo. Eu me senti mal algumas vezes, mas toquei a vida adiante.

E mais: aquilo me ajudou a ver quem realmente tem postura e coragem dentro da igreja. Quem é amigo da verdade e quem apenas faz política fraternal sem compromisso. Mas eu jamais sairia do Brasil por esta razão. Não sou menino, nem homem do tipo impressionável. Deus me fez razoavelmente forte e capaz de absorver pancadas sem baixar a cabeça. Especialmente quando minha consciência me diz que estou fazendo a coisa certa.

"Ninguém fica feliz ao ouvir pessoas que o beijam, afirmam amizade e andam ao seu lado dizerem que sabem que você está certo, mas não querem se queimar"

Também é verdade que o incidente envolvendo a Fábrica de Esperança me trouxe imensas tristezas. Afinal, ninguém gosta de ver um governante sair dando tiros a esmo, atingindo você e seu trabalho, sem que haja qualquer motivo para tal atitude. Além disso, ninguém aprecia também descobrir que seu telefone está grampeado e que seu carro está sendo seguido. Da mesma forma, ninguém deixa de sofrer ao perceber que há grupos (civis ou militares) tentando usar a situação para seqüestrá-lo emocionalmente, através de constantes e veladas ameaças telefônicas. Claro que não gostei. Mas isto também é tudo. Jamais decidiria sair do Brasil por isso. Não sou do tipo que foge. Sempre que pressionado, meu primeiro impulso é encarar a ameaça. Sou assim desde pequeno. Faz parte de minha natureza e da minha criação. Além do que, caso tais ameaças — que, graças ao Senhor, logo acabaram — me fizessem procurar um lugar seguro para minha família, não mudaria para os Estados Unidos, mas para Curitiba. Lá é gostoso, seguro, próximo e muito mais simples para a mudança.

O que está acontecendo é que a Vinde e a Vicom (Vinde Comunicações) estão abrindo uma base nos Estados Unidos, e minha esposa estará lá, nessa base na Flórida, até dezembro de 1996, a fim de estabelecê-la. Como não posso me imaginar longe da família, ficarei dez dias lá e dez aqui, durante o ano todo, ininterruptamente.

Como você pode ver, a mentira tem a ver com as motivações que teriam nos levado a decidir por esta mundança. Só que a decisão por criar a base já vinha sendo processada desde julho de 1995. Portanto, anteriormente à questão da IURD, em setembro, e ao episódio da Fábrica de Esperança, em novembro. De fato, quando ocorreu o incidente na Fábrica, minha esposa estava na Flórida, fazendo levantamento de tudo o que seria necessário para a implantação daquela base ministerial.

Então o que fica de tudo isso? Fica a certeza de quem, em 1996, vamos estar expandindo nossas atividades para a América Latina, tendo Miami como base. E mais: realizaremos eventos para hispânicos e brasileiros nos EUA e veicularemos o programa de televisão Pare & Pense em redes de TV a cabo daquele país. Fica também a verdade quanto à minha presença lá e cá, durante o ano. E ainda: fica a informação de que ninguém vai perceber diferença alguma nos ministérios que a Vinde e eu realizamos. Ao contrário, caso perceba alguma diferença, será porque realizaremos mais coisas no Brasil em 1996.

O que passar disso vem do maligno. Nós, entretanto, somos da Verdade e da Luz.


Extraído Entrevista. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 22-23, abr. 1996.

Os evangélicos e o mito da democracia racial

A senadora do Rio denuncia que existe racismo nas igrejas

Jorge Antonio Barros

Fotos de Frederico Mendes

Carlos Fernandes
A senadora Benedita garante que não vai se candidatar à prefeitura do Rio de Janeiro

Quando surgiu no cenário político carioca uma vereadora negra, favelada, petista e evangélica, ninguém jamais imaginou que aquela mulher pudesse ir tão longe. Uma década depois, ela ocupa uma cadeira no Senado da República, exatamente com o mesmo perfil que a lançou nas urnas do Rio. As únicas diferenças entre a vereadora Bené e a senadora Benedita da Silva - 54 anos completados no dia 11 de março - talvez sejam o crescente acúmulo de votos (para o Senado conquistou dois milhões de eleitores), a bagagem conquistada com a experiência política e o conhecimento do mundo em viagens que a levaram, por exemplo, à Conferência de Pequim, onde foi discutida, no ano passado, a situação da mulher no mundo. "Nós, mulheres brasileiras, avançamos, mas ainda estamos aquém", lamenta a senadora, dois filhos, quatro netos e dois enteados - entre eles a atriz Camila Pitanga - filhos do ator e vereador Antônio Pitanga, com quem se casou há dois anos. Eles vivem numa casa confortável no morro Chapéu Mangueira, favela na Zona Sul do Rio. Pitanga não é evangélico, mas costuma acompanhar a mulher, nos cultos da Assembléia de Deus no Leblon, embora Benedita agora seja membro da Igreja Presbiterana Betânia, em Niterói - a mesma do reverendo Caio Fábio. Avessa à política neoliberal do governo Fernando Henrique, a senadora critica também o governador do Rio, Marcelo Alencar, e o prefeito da cidade, César Maia.

Em entrevista à VINDE, Benedita reclama da falta de espaço para a mulher, dentro e fora da igreja, explica que a postura do PT não influencia seus princípios cristãos e é dura nas denúncias de racismo e machismo nas igrejas evangélicas. "Você já viu missionário negro estrangeiro pregando no Maracanã, indaga a senadora, que não vai se candidatar à prefeitura do Rio. "É uma etapa superada".

Como ocorreu sua conversão e quem pregou o Evangelho à senhora?

Os crentes visitavam minha casa, mas eu era uma católica convicta, da Legião de Maria. Mesmo assim, havia em mim um vazio que eu não entendia. Na minha casa havia uma Bíblia, e nela estava escrito: "Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará." Este versículo criou em mim uma ansiedade para encontrar esta Verdade. Até que, um dia, fui à Assembléia de Deus de São Cristóvão. O pastor perguntou quem queria aceitar Jesus e levantei a mão. Quando contei para meu marido, ele riu. Parei de fumar e dei minhas roupas decotadas e imagens de santos. Peguei um vestido de manga, que era forro do travesseiro, e passei a usar. Era a única roupa que eu tinha para ir à igreja.

A senhora também diz que o Evangelho deu mais dignidade à sua vida. Como foi isso?

Eu levava uma vida de miséria e vergonha. Eu era revoltada e sectária, tinha vontade de pegar uma bomba e sair destruindo as autoridades que nos abandonam. O encontro com Jesus me mostrou meu valor. Comecei a me sentir inteligente, bem por dentro. Passei a compreender tudo o que me cercava. Pude enfrentar as adversidades sociais sem me abater. Prossegui com o trabalho comunitário, mas aí era diferente. Minha forma de disputa política passou a ser mais humana. Compreendi que o diálogo é o único meio de convencimento. Fora disso, é sectarismo.

Como a senhora chegou à decisão de se candidatar pela primeira vez, sendo membro da Assembléia de Deus e do Partido dos Trabalhadores?

Foi com a visão de que as mulheres eram importantes para a vida social, política e religiosa, mas não tinham uma oportunidade. Eu sentia esta dificuldade nas disputas de associações de moradores e, posteriormente, no próprio partido. Na época, eu era do MDB. Algumas mulheres se destacavam porque eram de classe média, intelectuais, mas não tinham poder. Fundamos o PT com a compreensão de que este era o partido em que as mulheres, os pobres e os trabalhadores teriam voz e vez.

E como se deu esse processo de compatibilização entre cristianismo e socialismo?

Confesso que não houve compatibilização. Pelo contrário, foi um choque. Acho que fui a primeira mulher que saiu candidata dentro da Assembléia de Deus. Nunca usei o púlpito para fazer pregação política. Tinha meu testemunho de vida, mas achavam que eu deveria sair da militância, que isso não era coisa de crente. Decidi ficar no partido, mas sem me envolver muito. Fui amadurecendo com o tempo. Passei a ter mais discernimento e entender que Deus deu tarefas para o ser humano. Não precisava me sentir culpada por realizar este trabalho político. A Palavra de Deus diz que aqui teríamos aflições, mas Jesus venceu o mundo. Vencer aqui é não abrir mão da convicção religiosa e a cada dia estar como sal e luz no meio da massa, trabalhando. Eu sabia o que era fome, prostituição, marginalidade. Não podia passar por cima. Não era para me assentar na roda dos escarnecedores, mas dos que estavam com fome e não tinham o que comer, estavam nus e não tinham o que vestir, estavam presos e não havia quem os visitasse.

Esta visão mais progressista das Escrituras não a ajudou dentro da igreja?

Para a igreja, estas coisas são colocadas na área do assistencialismo, do sentir pena, por exemplo, de um homossexual porque está em pecado. Só se pensa na sexualidade, não no indivíduo todo, com direito de estudar, trabalhar e ter salário igual. Isso é tão forte que se acaba aceitando a marginalização destas pessoas por causa de sua opção sexual. Ele tem um direito como cidadão que não lhe é dado.

Carlos Fernandes
Só se pensa na sexualidade, não no indivíduo como um todo. O homossexual tem direito como cidadão, que não lhe é dado

Por que ainda hoje a Igreja Evangélica tem preconceitos contra o PT?

O PT é interessante. No início, disseram que era o partido dos estudantes. Depois, dos intelectuais. Mais adiante, da Igreja Católica por causa de Frei Reno, Leonardo Boff e outros. Atribuo tudo isso à falta de politização. Sendo um partido muito contestado, a igreja luta para que não se fique nele. Não compreendem que, se tenho sucesso político, é porque Deus me dirige e abençoa neste partido. Perguntam para mim se o PT é a favor do aborto. O PT defende a descriminação do aborto, que a mulher não deve ser condenada. Mas esta não é a visão geral do partido. Eu, por exemplo, sou inteiramente contra. Do ponto-de-vista religioso, não há o que discutir. Do ponto-de-vista social, as mulheres abortam mesmo, estão morrendo, são estupradas. Devem ser criadas políticas de combate ao aborto, dando condições de trabalho a estas mulheres, garantindo que elas não ficarão desamparadas, que seus filhos terão creches. Já fiz um aborto, antes de conhecer a Cristo. É uma situação degradante e traumática. No PT, questões de foro íntimo não são fechadas.

O PT fecha questão sobre o casamento de homossexuais?

Não. Isto sequer foi colocado no programa do partido. O que o PT colocou e tratou foi o seguinte: um homossexual tem apartamento, dinheiro e tudo o mais. Vive com uma pessoa, enquanto a família não quer saber. Aí ele morre e a família pega tudo. Quem ficou cuidando não tem direito a nada. O assunto discutido no PT foi o da herança, um direito civil. É o mesmo caso dos filhos nascidos do casamento e dos outros nascidos de relação extraconjugal. Uns tem direito e os outros não? O partido tem um centralismo democrático, mas cada parlamentar tem direito de apresentar suas teses.

A senhora acha que existe machismo dentro das igrejas?

Existe. O machismo não é coisa da igreja, é das pessoas. Existe em qualquer instituição. Nós, mulheres, temos consciência disso e lutamos. Nem sempre as pessoas percebem nossa contribuição. Estive na Conferência Mundial de Pequim e pude ver o quanto a mulher progrediu, mas não conseguiu alcançar esta instância de poder.

E racismo, existe?

A igreja também vive o mito da democracia racial, a idéia de que temos uma sociedade altamente miscigenada e o negro tem seu lugar, como o mulato, o moreno etc. A sutileza deste mito se pode ver nas instâncias de poder de decisão. Onde os negros estão? Quais as grandes sedes que administram? Estão nas congregações, lugares longínquos. Já viu missionário negro estrangeiro fazendo pregações no Maracanã? Quem convidou Jesse Jackson ou Desmond Tutu? Isso não acontece nos Estados Unidos. Lá, a igreja negra se impõe. Onde você encontra os negros em nossas igrejas? Nos cânticos. Mesmo assim, os cantores negros têm dificuldades, a doutrina protestante brasileira não permite ascensão de individualidade. Às vezes, até se confunde com o PT (risos). Quando um parlamentar se destaca, a direção diz que é individualismo. As personalidades são puxadas para baixo.

Qual a sua opinião sobre a descriminação da maconha?

Tenho pouco conhecimento, não posso falar. Penso que ela é usada por um contingente muito grande e pode ser utilizada no campo da medicina, mas ainda não tenho uma posição, não sei das perdas e danos. Só sei que droga mata. Sou contra as drogas, mas quero tratá-las como trato todos os assuntos considerados polêmicos pela igreja. Quero que haja combate ao narcotráfico. Não há investimentos neste sentido no Brasil. Não é como as casas de recuperação que abrimos aqui, depósitos de abandonados. A igreja brasileira precisa envolver-se, não apenas com ação assistencialista, mas também de reintegração do indivíduo e combate à droga.

Carlos Fernandes
Já fiz um aborto antes de conhecer a Cristo. É uma situação degradante e traumática

Suas posições progressistas a distanciam de outros políticos evangélicos?

É impressionante. Os políticos evangélicos, em sua maioria, estão em seus partidos, os defendem, negociam apoio com o governo e tudo o mais. Quando é com o PT, me cobram como evangélica, não como petista. Vêm de Bíblia na mão querendo me doutrinar. Eu digo: "Olha, vocês votaram causas que, para mim, são abomináveis aos olhos de Deus. Estou votando coisas relativas a direitos dos trabalhadores, à reforma agrária." Querem que eu ignore concepções políticas que envolvem determinadas matérias. Por exemplo, concessões de rádio. Seja para quem for, quero que obedeçam o critério estabelecido pelo Conselho. Não é uma coisa de arranjo. Lembro-me que, na luta pela reforma agrária, muitos evangélicos votaram com a antiga UDR (União Democrática Ruralista). Quando o PT votou, não o fez com a concepção marxista, mas com a humana, de terra para quem nela trabalha. E eu votando com a Bíblia: "Crescei, multiplicai-vos e enchei a face da Terra." Mas como, se não há espaço?

A senhora esteve recentemente em Cuba. Como funciona a Igreja Evangélica de lá?

Não tive oportunidade de visitar igrejas. Voltei por causa das enchentes no Rio. Mas estive com o embaixador brasileiro, que é presbiteriano. A Igreja está caminhando, queixosa na questão da liberdade. Não existe uma propagação do Evangelho pelas ruas, como aqui. O povo de Deus está trabalhando dentro da abertura que Fidel (Castro) dá. A maior preocupação é não permitir infiltração de costumes americanos na religiosidade.

E qual é o futuro do socialismo no Brasil diante do neoliberalismo?

Tenho esperança de que esteja próximo. O projeto neoliberal é desintegrador, não combate a fundo os problemas de saúde, fome, bem-estar. Ele maquia e desorganiza a sociedade.

Que avaliação a senhora faz do governo de Fernando Henrique Cardoso?

O governo FHC teve respaldo político. Poderia ter avançado se sua proposta fosse, pelo menos, da social-democracia. Tenho certeza que os próprios tucanos se ressentem disto.

Por sua participação no movimento popular e seu destaque no cenário nacional, a senhora admite a possibilidade de um dia candidatar-se à presidência da República?

A política tem seu próprio giro. Não dá para dizer: "Serei isso ou aquilo." Me disponho a lutar, mas dentro da conjuntura. Tenho um ano de Senado. A gente pode até dizer: "O Lula perdeu duas vezes, não dá mais." Mas (François) Miterrand ganhou na quarta.

E a prefeitura do Rio? Por que a senhora não vai se candidatar este ano?

A prefeitura, para mim, é uma etapa já superada.

Mas a senhora não foi eleita.

Lamentavelmente a população do Rio de Janeiro perdeu. Veja as chuvas. Nosso projeto parecia simples demais, mas era o melhor para a cidade porque levava em conta a questão da segurança pública, que não se resume ao armamento da polícia. Era, sobretudo, de sustentar esta população com política de geração de empregos, de habitação popular, de contenção de encostas, de melhor transporte. Meu projeto continua sendo o mesmo, mas minha disponibilidade é outra.

Quais são as principais falhas que a senhora vê na administração Cesar Maia?

Ele falhou o tempo inteiro. Foi prepotente, enganador. O Cesar Maia foi uma farsa.

Que motivos o governador Marcello Alencar tem para constantemente atacar a Fábrica de Esperança e o reverendo Caio Fábio?

Penso que o governador sofre a síndrome da perseguição. Qualquer coisa que pareça uma contestação a seus erros ou suas responsabilidades é uma ameaça. Esta síndrome faz com que ele veja em qualquer líder um candidato em potencial ou um fiscalizador contumaz de seus erros em cada pessoa de boa-fé desta cidade.

Como a senhora vê a posição de alguns setores evangélicos que pensam que os crentes devem ter um candidato à presidência da República?

Os evangélicos devem ter um bom político, um bom administrador, como seu candidato. Pode ser um de nós, mas não necessariamente. Precisamos ter uma visão mais ampla das necessidades da sociedade. Se levarmos para nossas concepções doutrinárias sobre como a pessoa deve se comportar, seremos injustos em nossas administrações. Querer impor este comportamento à sociedade seria um desastre. Mas se tivermos uma compreensão política de justiça social e crescimento econômico, aí sim.

Muitos pastores levam candidatos ao púlpito. Qual é a sua opinião sobre esta prática?

O pastor deve proceder mais claramente. Não dá mais para fazer da igreja massa de manobra. Ele deve abrir o debate político, colocar seus interesses, sua posição e seu candidato. Temos que democratizar a política na igreja. Uma pessoa não deve receber o voto por ser um irmão, mas por ter uma proposta política. Vamos deixar dessa desfaçatez de dizer: "A gente não se mete em política, mas aqui está o irmão Fulano." Então quem não faz política é a base, porque a cúpula faz. A Universal faz isto escancaradamente. A CNBB está botanto para quebrar. O tema agora é fé e política. Alguém pode dizer: "Ela não está induzindo para qualquer partido", mas está assumindo uma posição política. A igreja deveria fazer isto.

Carlos Fernandes
Um candidato não pode receber votos por ser um irmão na fé. Vamos deixar essa desfaçatez: "A gente não se mete em política, mas o irmão Fulano é candidato"

Qual foi sua maior decepção no meio evangélico?

Não diria decepção, mas frustração com a falta de crescimento político que a gente tem no meio evangélico. Vou pegar os Estados Unidos como referência, as coisas que deveríamos imitar e não o fazemos. No culto de uma igreja americana, o pastor fala de racismo e ninguém discute. Aqui, dizemos que todos somos irmãos e isto não existe. Temos que tratar este mal. Dizem para mim: "Não, minha irmã, não existe racismo, não existe nada contra as mulheres." Onde elas estão? Na cantina, na Escola Dominical, cumprindo papéis sem destaque. Como as mulheres recebem elogio? "A minha esposa é maravilhosa, chego em casa e minha comida está ótima. Saio para a pregação e a ela fica com meus filhos." E quando tem uma Benedita, evangélica, com 'as atitudes que tenho, as primeiras a me enquadrar são as próprias mulheres.

Qual a sua maior alegria como evangélica?

É ser evangélica, ter Cristo na minha vida. O que eu contesto são coisas nossas, do corpo humano, não do Corpo de Cristo. Minha oração se torna cada dia mais curta, mas não é tão pequena que não possa dizer e repetir: "De que vale ganhar o mundo inteiro e perder a alma?" Este é o resumo de tudo para mim. Sou uma apaixonada, frágil. Agradeço a Deus pela salvação, pela minha vida, e busco n'Ele o caminho para recuperar o tempo perdido e poder servi-lo melhor. Dedico tudo a Deus, inclusive minha vida política.

O que a senhora acha das criticas que são feitas aos evangélicos por causa das igrejas que têm uma politica agressiva de arrecadação de dinheiro?

Aí é igreja como instituição, não como corpo de Cristo. É capitalismo. Na minha visão, passa a ser empresa. Sou dizimista e penso que uma igreja deve buscar entre os membros os recursos para implantar as idéias de evangelização. O dízimo é para ir para a casa do Senhor, para as obras importantes para a evangelização. Fazer disso uma empresa para tirar de quem não tem e usar aquela oferta da viúva, aí estaremos abandonando outros capítulos da Bíblia, que falam para cuidar bem delas. Entrego meu dízimo com a maior convicção, e sei que as pessoas que estão sustentando essas fábricas de fazer dinheiro que existem por aí, estão fazendo por fé, com inocência. Mas a Palavra de Deus diz que cada um dará conta de si.


Extraído Entrevista. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 6-10, abr. 1996.

quarta-feira, 3 de abril de 1996

Presente de grego no Uruguai

Carlos Pinheiro Queiroz

Carlos Fernandes
Carlos Fernandes: drible na seita Moon

Mantendo o compromisso de fazer de VINDE um veículo sério, ousado e genuinamente cristão, chegamos a meio ano de revista nas bancas, trazendo mais um furo jornalístico. Com o belo trabalho do repórter Carlos Fernandes, descobrimos e investigamos a estratégia da seita do reverendo Sim Myung Moon, auto-intitulado o segundo Messias, para disseminar suas filosofias em nosso país: organizar congressos em Montevidéu com mais de 3 mil evangélicos brasileiros, indusive pastores de igrejas e pequenas denominações pentecostais. O mais surpreendente foi constatar que muitos deles, mesmo sabendo do que se tratava, foram seduzidos pela oferta de uma viagem internacional com tudo pago e aceitaram sujeitar-se a um bombardeio de heresias. A desculpa, geralmente dada entre um lauto jantar e um tour ao balneário de Punia del Este, tudo por conta de Moon, parecia ensaiada: "Estou participando para conhecer as táticas do inimigo." Como se fosse preciso visitar as suítes do inferno para descobrir os objetivos de Satanás. Resta saber se estas pessoas aceitariam, com o mesmo entusiasmo, passar alguns dias na cela de uma penitenciária, onde o diabo também trabalha com afinco.

Mas, infelizmente, a sedução da mordomia não é a única contradição do meio evangélico que nos vemos obrigados a discutir. Existe, por exemplo, racismo nas igrejas brasileiras? A senadora Benedita da Silva, do PT, diz que sim, numa entrevista exclusiva em que também fala de política, direitos da mulher e, naturalmente, sua vida em família.

Esta edição também resgata a história de Vencedores por Cristo, missão evangélica cujas músicas embalaram muitos cultos jovens nos anos 70 e 80, mas foi quase atropelada pelas novas equipes de cânticos congregacionais. A Páscoa, comemorada por judeus e cristãos, é tema de um ensaio.

Do Oriente chegam duas matérias internacionais. A primeira sobre a Turquia, uma jornada de turismo e história pelas sete igrejas descritas no livro de Apocalipse. A outra sobre os craques de Jesus que estão brilhando no Japão na bola e na evangelização. Nossa reportagem foi ainda a Curitiba, no Paraná, para conhecer os estúdios da Sir, onde está sendo gravado o programa Pare & Pense, em nova fase.

Agradecendo a você por estes seis meses de fidelidade e oração, desejamos uma boa leitura.


Extraído Epístola da Redação. Revista Vinde, Rio de Janeiro, ano 1996, a. 1, ed. 6, p. 3, abr. 1996.

Revista Vinde - Edição 3

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